PORTFÓLIO, AVALIAÇÃO FORMAL E RECUPERAÇÃO: REVENDO CONCEITOS
Benigna Maria de Freitas Villas Boas – mbboas@terra.com.br
Publicado em http://gepa-avaliacaoeducacional.com.br
Durante apresentação oral para cerca de 500 professores dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio, no dia 8/10/2013, durante o II Congresso de Práticas Educacionais da Rede Pública do Estado de Minas Gerais, promovido pela MAGISTRA, Escola de Formação e Desenvolvimento Profissional de Educadores, no Hotel Canto da Siriema, em Minas Gerais, recebi dezenas de perguntas. O tempo não foi suficiente para conversar com o grupo sobre todas elas. Pedi que o autor de cada uma registrasse seu e.mail para que eu pudesse responder. É o que estou fazendo, aos poucos. Uma professora que não anotou seu e.mail perguntou: “Nós aprendemos aqui que a avaliação tem que ser algo ‘leve’, de forma a ter o aluno como participante ativo da avaliação através do portfólio. Mas logo no início do ano a escola nos entrega o calendário com as notas das provas bimestrais. E a superintendência orienta que a cada prova o professor deve dar uma recuperação. Se dermos 2 provas, elas se tornam 4 no final das contas. Não há aí uma incoerência? Como fazer a recuperação do portfólio? O portfólio sobrepõe às avaliações formais? Sendo que o estado e a comunidade escolar só valorizam a avaliação formal”. A pergunta acima engloba três aspectos: o primeiro se refere à avaliação do portfólio como “algo leve” para que o aluno seja um participante ativo da avaliação desse procedimento. Não sei o que a professora quer dizer com “leve”. Não usei esta palavra durante minha apresentação. Talvez ela tenha retirado esse entendimento quando apontei as inúmeras vantagens do trabalho com o portfólio, dentre as quais ressaltei as seguintes: beneficia qualquer tipo de estudante (o desinibido, o tímido, o mais e o menos esforçado, o mais e o menos motivado ou interessado pelo trabalho escolar, o que gosta e o que não gosta de escrever e o que gosta de apresentar suas produções usando outras linguagens etc.), permitindo-lhe acompanhar o desenvolvimento do seu trabalho, para que possa conhecer suas potencialidades e aspectos que precisam ser melhorados e entender que o trabalho escolar lhe pertence; o estudante conserva uma coleção organizada de suas atividades e constata que não estuda para “tirar nota”, mas para aprender; as produções revelam capacidades, potencialidades e necessidades; o trabalho escolar torna-se prazeroso. Tudo isso contribui para que se abandone a avaliação classificatória e se construa a avaliação formativa. Os professores tendem a entender que a avaliação formativa é menos rigorosa e séria que a classificatória. Talvez advenha daí a expressão usada pela professora: “avaliação do portfólio como algo leve”, pelo fato de ele conferir prazer ao desenvolvimento do trabalho. Enquanto a avaliação classificatória contenta-se com notas que deem para “passar de ano”, a formativa quer que todos aprendam.
O segundo aspecto diz respeito à recuperação. Na avaliação formativa não caberia a recuperação como tem sido compreendida. Como a professora afirma que a “superintendência orienta que a cada prova o professor deve dar uma recuperação”, parece-me que ela quer dizer que, após cada prova, será feita recuperação e que haverá outra prova, de modo que, se forem aplicadas duas provas, após recuperação elas somarão quatro provas. A professora parece encontrar incoerência entre provas, recuperação e portfólio. Ela amplia a questão: “como fazer a recuperação do portfólio? O portfólio sobrepõe às avaliações formais? Sendo que o estado e a comunidade escolar só valorizam a avaliação formal”.
O portfólio é construído pelo aluno durante um certo período de tempo e suas produções são constantemente acompanhadas pelo professor. É um trabalho em parceria. O aluno não trabalha de forma solitária. Todas as suas produções são analisadas pelo professor que registra, no próprio portfólio, seus comentários, observações e orientações. O aluno refaz e complementa as atividades sempre que a avaliação pelo professor recomendar. O feedback é constante. Como o portfólio é um procedimento que se alinha à avaliação formativa, a velha e rançosa recuperação nele não tem vez.
Como terceiro aspecto, é importante esclarecer que o portfólio é um procedimento de avaliação formal. Freitas et al (2009, p. 27) entendem por avaliação formal as práticas que envolvem o uso de instrumentos de avaliação explícitos, cujos resultados podem ser examinados objetivamente pelo aluno, isto é, por esses meios ele sabe que está sendo avaliado. Já a avaliação informal acontece no dia a dia, na escola e na sala de aula, nos encontros entre professores e alunos. Não é sistemática, como a formal. Dela fazem parte olhares de várias ordens, piscadelas de olho, gestos, palavras encorajadoras e desencorajadoras, comentários, observações, atenção ou falta de atenção às solicitações dos alunos, rótulos, elogios etc. Freitas et al (2009, p. 27) advertem que aí se encontra a parte mais dramática e relevante da avaliação porque é formada por juízos de valor, muitas vezes invisíveis. Resumindo, podemos dizer que, enquanto a avaliação formal é sistemática, a informal é encoberta.
O portfólio é um procedimento de avaliação formal e aliado da avaliação formativa. Desviá-lo desse propósito significa desconsiderar a sua potencialidade. Ele não se sobrepõe a outros procedimentos: todos se complementam porque cada um constata diferentes aprendizagens conquistadas pelos alunos. Cabe ao professor cruzar todas as informações obtidas para que possa compreender o que cada aluno aprendeu e o que AINDA não aprendeu para promover as intervenções necessárias. Como a pergunta da professora menciona o uso de provas, estas poderão fazer parte do portfólio.
PARA SABER MAIS
FREITAS, Luiz Carlos de et al. Avaliação educacional: caminhando pela contramão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, 2ª ed.
VILLAS BOAS, Benigna M. de F. Portfólio, avaliação e trabalho pedagógico. Campinas, SP: Papirus, 2004.
VILLAS BOAS, Benigna M. de F. Virando a escola do avesso por meio da avaliação. Campinas, SP: Papirus, 2008.
VILLAS BOAS, Benigna M. de F. Projeto de intervenção na escola: mantendo as aprendizagens em dia. Campinas, SP: Papirus, 2010.
VILLAS BOAS, Benigna M. de F. (org.). Avaliação formativa: práticas inovadoras. Campinas, SP: Papirus, 2011.
É muito importante que toda produção do aluno seja valorizada, pois assim teremos capacidade de avaliar o seu desempenho e aprendizado.
A AVALIAÇÃO TEM QUE SER ALGO CONTINUO
Avaliação não deve ser para reprovar e sim para voltar e ensinar o que o aluno não aprendeu.
Concordo com você, Cleide.