Em vários Jornais impressos e no Jornal “O tempo” e G1. Globo (10/06/16)– Foi publicada a seguinte notícia:
Prefeito ‘seleciona’ crianças que podem ficar em creche de Doresópolis – Carolina Caetano
“Uma decisão da Prefeitura de Doresópolis, na região Centro-Oeste de Minas Gerais, pegou os moradores de surpresa. Desde o dia 1º de junho, mães desempregadas não podem deixar seus filhos na única creche municipal. O objetivo da “seleção” dos alunos que entram ou não na instituição é reduzir gastos do município.
A auxiliar administrativo Lilyan Alves Rodrigues, de 33 anos, é mãe de um casal de gêmeos de 1 ano e 2 meses e há oito meses necessita deixar as crianças na escola. Cinco dias após o parto, a mulher teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC) que deixou como sequela problemas no braço direito.
“Antes mesmo de ganhar as crianças saí das minhas funções porque a gravidez era de risco. Desde então estou afastada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). No fim de maio, recebi um bilhete da coordenadora informando que não poderia deixar meus filhos lá. Na primeira semana de junho, eles foram normalmente. Porém, nessa terça (7), ao chegar para entregar as crianças, o prefeito estava no portão e disse que não ficaria com filho de mãe que estava à toa”, contou a dona de casa.
Veja o bilhete:
FOTO: GREICE RODRIGUES SILVA / WEBREPÓRTER |
Revoltada com a situação, ela acionou a Polícia Militar e registrou um boletim de ocorrência. Conforme o documento, o prefeito Aladir Caetano (PDT) afirmou aos militares que, devido a corte de gastos, ele precisou dispensar alguns funcionários. Com isso, apenas mães que trabalham podem deixar os filhos na creche Pró Infância, no bairro Novo Milênio.”A minha carteira está assinada, mas ele descobriu que estou afastada e acha que consigo ficar com as crianças. Vou passar por nova perícia na próxima segunda (13) e não tenho condições de voltar a trabalhar. Ficar com os meninos também é complicado porque tenho que cuidar da casa. É muito serviço”, desabafou Lilyan.
A mulher recebe um salário mínimo e, junto com o salário do marido, a renda da família gira em torno de R$ 1.500, o que, segundo ela, impossibilita pagar alguma escola para os gêmeos. Tenho uma filha de 11 anos que ficou na creche até os 7 e nunca tive problemas. A minha família não pode ajudar a cuidar dos meninos. Desde terça estou com eles, mas está complicado”, contou. A auxiliar administrativo já procurou um advogado para que os meninos tenham o direito de permanecer na instituição entre 7h e 16h, como acontecia até semana passada. Segundo o assessor jurídico da Câmara Municipal de Doresópolis, Vander Ferreira Costa, a defesa de Lilyan já entrou com um mandado de segurança contra o prefeito e a secretária de Educação. “É um mandado de urgência e esperamos que o juiz dê parecer favorável o mais rápido possível. Temos que olhar o direito dos garotos e essa decisão do prefeito não passou por votação e não está fora da lei. Pela Constituição, crianças com até 5 anos têm prioridade em creche e pré-escola sem nenhum tipo de condicionante. A prefeitura não pode impedir que mães desempregadas deixem os filhos nas creches”, disse o advogado. Prefeito ‘trabalha’ como porteiro da creche Quando os policiais chegaram à instituição, o prefeito afirmou que, como alguns funcionários foram demitidos, ele precisou ficar na entrada da creche no lugar do porteiro. Um vídeo gravado pela tia dos gêmeos mostra o momento em que eles não puderam entrar no espaço. |
“É um mandado de urgência e esperamos que o juiz dê parecer favorável o mais rápido possível. Temos que olhar o direito dos garotos e essa decisão do prefeito não passou por votação e não está fora da lei. Pela Constituição, crianças com até 5 anos têm prioridade em creche e pré-escola sem nenhum tipo de condicionante. A prefeitura não pode impedir que mães desempregadas deixem os filhos nas creches”, disse o advogado.
COMENTÁRIO feito pela professora Dra. Maria Emília Gonzaga de Souza, integrante do GEPA:
Essa notícia foi divulgada pelas mídias impressas e televisivas e nos levanta alguns questionamentos: qual o objetivo da creche? Quais são os direitos das crianças? Quais os deveres dos profissionais da creche e dos gestores públicos?
Estamos em uma fase de discussão sobre a Base Nacional Comum Curricular – BNCC – e esse documento nos relembra que a Educação Infantil (Creche de 0 a 3 anos e pré-escola 4 e 5 anos ) se “constitui como dever do Estado e direito de todas as crianças desde o nascimento. Direito a desenvolvimento, aprendizado, convivência. Em outro documento, o ECA, é assegurado o direito ao cuidado, respeito, dignidade. Ao proibir a entrada da criança à creche em que já está matriculada, estão lhe tirando esses direitos, independentemente se as mães estão trabalhando ou não. É um direito de toda criança e não só daquela cuja mãe está empregada. Uma coisa é independe da outra.
Essa concepção de que a creche é lugar de se deixar a criança para que a mãe possa trabalhar ainda existe e precisa ser superada, tanto pela sociedade e mais ainda pelos gestores públicos. Talvez esteja aí uma das funções dos profissionais da Educação Infantil: estimular a reflexão sobre o papel e os objetivos dessas instituições em relação aos direitos e deveres de todos os envolvidos nesse processo.
As creches e instituições de Educação Infantil têm a prerrogativa de favorecer a apropriação e a construção dos conhecimentos desde o nascimento, e segundo a BNCC, isso se efetiva pela participação em “diferentes práticas culturais, intencionalmente organizadas pelos professores no cotidiano das unidades”. Aponta dois aspectos necessários para a efetivação dessa construção: um deles são os relacionamentos, a interação entre crianças e também com adultos. Outro aspecto diz respeito às práticas cotidianas “vividas nas instituições” que impactarão na fundamentação das identidades pessoais e sociais e a relação que estabelecerão com as outras pessoas, o mundo e a sociedade.
Portanto, a atitude do Prefeito demonstra desconhecimento desses fundamentos e objetivos da Educação Infantil bem como de suas obrigações como gestor público. A reflexão sobre a função, os objetivos e a finalidade da Educação Infantil precisa fazer parte do cotidiano dos envolvidos com as instituições educacionais, para que se torne realidade e fator de crescimento das crianças e da sociedade.