PROGRAMA POR DENTRO DOS EXAMES DO ENSINO MÉDIO: A QUEM BENEFICIA?

PROGRAMA POR DENTRO DOS EXAMES DO ENSINO MÉDIO:

A QUEM BENEFICIA?

Benigna Maria de Freitas Villas Boas

Assim que foram divulgados os resultados do ENEM 2014, por escola, em agosto de 2015, o secretário de Educação do DF anunciou, em um canal de televisão, a criação de um teste simulado do ENEM para os estudantes da rede de ensino público. Isso aconteceu porque esses estudantes obtiveram notas baixas e a imprensa fez o ranqueamento das escolas. Eu esperava ouvir dele o anúncio de iniciativas imediatas de formulação de ações voltadas para a conquista das aprendizagens por todos os estudantes do ensino médio, etapa costumeiramente desprestigiada em todo o país.

Uma reportagem do Correio Braziliense de 11 de agosto de 2015, com o título “Escola da malandragem”, de autoria de Renato Alves, denuncia artimanhas de escolas da rede privada para alcançarem as melhores notas no ENEM. O título faz alusão a um fato inadmissível principalmente por se referir ao local de formação dos nossos adolescentes e jovens. Afirma o articulista: “em todo o país, colégios privados selecionam os alunos que acreditam ser os mais capacitados, com base nas notas deles, e os colocam em uma sala separada. Mesmo sendo no mesmo prédio, na mesma instituição, criam outras escolas, com CNPJ específico”. Esta é uma das aprendizagens com a qual convivem nossos jovens.

Outra séria denúncia é feita por Alves: “Há ainda as campeãs do ENEM que não fazem tantas maracutaias, mas tratam a educação como mercadoria e os seus alunos como clientes que pagam por uma garantia de sucesso profissional. É o caso de uma das instituições líderes do DF. Além de avaliações rigorosíssimas dos pretendentes a ingressar na unidade, ela cobra diariamente desempenho bem acima da média. Entre outras normas, a direção proíbe os estudantes de se tocarem […] quem não demonstra ser o gênio esperado pela escola é tratado como um fracassado, com claros sinais de assédio moral […] escolas como essas são um risco a estudantes que deveriam ser formados para transformar a sociedade, e não meramente para treinar para o ENEM”.

Cumprindo o prometido, a Secretaria de Estado de Educação do DF – SEEDF – divulgou, no mesmo mês, o Programa Por Dentro dos Exames do Ensino Médio, “com o objetivo de desenvolver ações de divulgação, compreensão e utilização das informações desses exames e para a gestão de políticas públicas […]. Tal programa será constituído por dois eixos de trabalho: Por dentro do ENEM e Por dentro do PAS-UnB.

O eixo de trabalho 1 – Por dentro do PAS – UnB desenvolverá ações articuladas em quatro momentos:

1º momento – formação para os coordenadores intermediários de Ensino Médio, Educação Profissional, Avaliação, Orientação Educacional, Educação em Direitos Humanos e Diversidade e Educação Especial (setembro de 2015).

2º momento – formação para os supervisores pedagógicos, coordenadores locais e orientadores educacionais, nas Coordenações Regionais de Ensino (CRE) – setembro e outubro.

3º momento – formação para os professores no espaço – tempo da coordenação pedagógica coletiva – setembro e outubro de 2015.

4º momento – divulgação das características do Programa para os estudantes, realizada pela equipe pedagógica da Unidade Escolar.

5º momento – seminário de compartilhamento de ações pedagógicas (novembro de 2015).

Reflexões sobre o eixo de trabalho 1

O programa é vago. Não se sabe em quais informações se baseou para a formulação das ações previstas. As ações do eixo de trabalho 1 são quase todas simultâneas, o que poderá acarretar dificuldades de execução. A formação para os professores durante a coordenação pedagógica coletiva, nos meses de setembro e outubro, sobre o PAS, poderá desviar o foco de trabalho das aprendizagens para a preparação para os exames. Não é este o objetivo do ensino médio. As mazelas desenvolvidas por algumas escolas da rede privada poderão também tomar conta das escolas da rede pública. A interlocução com o CESPE/UnB indica que as ações poderão estar voltadas exclusivamente para os exames.

A mencionada “formação” para os diferentes profissionais da educação corre o risco de ser descaracterizada pelo curto espaço de tempo a ela destinada. Um verdadeiro processo de formação requer tempo para reflexão e reorganização de ações.

Tudo indica que haverá um mero repasse de informações sobre os exames, sem a necessária articulação com os outros dois níveis: avaliação para as aprendizagens e avaliação do trabalho pedagógico da escola (avaliação institucional).

A divulgação das características do Programa para os estudantes, como 4º momento, significa que eles ficarão à margem do processo até quase o final. Não seria o caso de envolvê-los desde o início das atividades? Este fato, dentre outros, parece demonstrar que a mola propulsora do Programa são simplesmente os dois exames a que os estudantes serão submetidos.

O eixo de trabalho 2 – Por dentro do ENEM – terá suas ações executadas em dois momentos principais:

1º momento – Oficina de Redação ENEM: destinada aos professores de Língua Portuguesa da SEEDF, objetivando a compreensão da matriz de avaliação das redações do ENEM.

2º momento – Simulado DF: destinado aos estudantes da 3ª série do Ensino Médio e, posteriormente, aos estudantes da Educação de Jovens e Adultos.

O Programa ressalta que a SEEDF divulgará apenas os resultados globais da rede, evitando ações comparativas entre as unidades escolares de Ensino Médio. Que assim seja.

Reflexões sobre o eixo de trabalho 2

Como o Programa não inclui justificativa, isto é, não aponta as informações que o embasaram, dá a impressão de que todas as ações convergem para a realização do Simulado DF. Se assim for, a formação prevista no eixo 1 ficará comprometida.

O que é denominado de Oficina de Redação ENEM visa apenas prestar esclarecimentos aos professores sobre a matriz de avaliação das redações.

Ao final, o Programa tenta manifestar seu desejo de que as suas ações poderão favorecer a continuidade de estudos dos estudantes do Ensino Médio, “valorizando, assim, as características e perspectivas cidadãs da juventude do Distrito Federal”. Contudo, ficam as seguintes indagações: como se sentirão os estudantes que não ingressarem na educação superior? Terão aprendido o que necessitam para tomar outro rumo na vida? Por que o Simulado DF para os estudantes da Educação de Jovens e Adultos ficou postergado? Estes são sempre marginalizados pelas políticas educacionais. Ao lado deste Programa, problemas sérios vividos pelo Ensino Médio, como a falta de professores e de livros, estão sendo solucionados?

Não sou contra a realização de exames simulados, desde que não assumam lugar central no trabalho pedagógico e não subtraiam tempo da conquista das aprendizagens por todos os estudantes. Na escola eles também aprendem a enfrentar as situações com as quais se depararão fora dela, dentre elas, a realização de provas. Isso, porém, é uma decorrência do trabalho pedagógico e não o seu fim.

 

 

 

 

 

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