JC Notícias – 15/01/2020
Programa usa neurociência em ensino inovador de matemática
Desenvolvido na Universidade Stanford, o Youcubed traz abordagem baseada em estudos de neurociência que emprega ferramentas visuais, criatividade e colaboração no ensino e aprendizagem da matemática
Ainda há quem acredite que matemática é “um dom” ou que só pessoas muito inteligentes conseguem compreendê-la. Para desmistificar esta percepção, a pesquisadora de Educação Matemática Jo Boaler, da Universidade Stanford (EUA), desenvolveu o Youcubed. É uma abordagem baseada em estudos de neurociência que emprega ferramentas visuais, criatividade e colaboração no ensino e aprendizagem da matemática. No Brasil, o programa foi adaptado pelo Instituto Sidarta como Mentalidades Matemáticas e pretende demonstrar que todos são capazes de aprender matemática em alto nível.
A proposta de Jo Boaler é ensinar a “matemática multidimensional, como um assunto acessível e flexível. Os alunos podem trazer suas próprias ideias e aplicá-las para resolver os problemas matemáticos”. Em 2019, a pesquisadora e fundadora da plataforma Youcubed (que oferece vídeos, textos e atividades do programa) esteve no Brasil no 2º Seminário Mentalidades Matemáticas, apoiado pelo IMPA. A primeira edição do seminário, em 2018, teve as presenças do diretor-geral do IMPA, Marcelo Viana, e o diretor-adjunto, Claudio Landim. Os seminários são voltados para a formação dos professores.
A abordagem privilegia uma matemática visual, aberta e criativa, em que o erro é visto como natural, parte do processo de aprendizagem. “O erro é nosso amigo” é um mote do programa. Os professores usam materiais concretos e visuais e atuam como mediadores de conhecimento e de curiosidades, que ajudam os pupilos a desenvolver sua identidade matemática. Em grupos, os pequenos buscam soluções e descobrem que há muitos caminhos para resolver o mesmo problema matemático. Eles são os protagonistas: são eles que apresentam suas soluções à turma.
Colégio público dá salto em desempenho
A abordagem já está sendo aplicada, com resultados expressivos. O Mentalidades Matemáticas é uma realidade, desde 2017, na Escola Estadual Henrique Dumont Villares, no Jaguaré, em São Paulo. Os resultados do 3º ano deram considerável salto no SARESP (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo). Após dois anos de aplicação, passaram de 16,7% para 52% dos alunos no nível “avançado”, entre 2016 e 2018. No total, 99% dos estudantes estavam nos níveis “avançado” e “adequado”. O 5º ano também saiu de 30,7% em nível avançado em 2017 para 42,8%, em 2018, após um ano com a metodologia.
“Sinto que estou me desenvolvendo, principalmente em Matemática”, conta Ray dos Santos, aluno da 3ª ano do Ensino Fundamental, que sonha ser advogado. Alagoano, ele mora em São Paulo há dois anos. “Antes, eu só lia os números, decorava, não contava. Hoje estou pensando matemática”, conclui Ray.
Em plenas férias de janeiro, 100 alunos de duas escolas públicas em Cotia (SP) estão trocando as brincadeiras pela sala de aula e se divertindo aprendendo matemática no Curso de Férias do Programa Mentalidades Matemáticas. As atividades vão de 6 a 17 de janeiro, na Escola Municipal Prefeito Ivo Mario Isaac Pires, em Cotia (SP). Em curso semelhante nos EUA, realizado em 18 dias pela Universidade Stanford, as crianças tiveram evolução equivalente a 2,7 anos de ensino regular de matemática.
A professora Patrícia Schmidt já percebeu mudanças no comportamento. “Quando se cria uma relação de confiança, e os alunos ganham a autonomia, eles se transformam e se engajam muito mais”, explica.
Os estudantes trabalham em grupo para incentivar a cooperação no processo de aprendizagem. “Sempre tive dificuldades com matemática, minhas notas não são boas, na minha família ninguém gosta, mas aqui eu posso aprender e é divertido. Outra coisa que gostei é que posso dar minha opinião”, afirma Johanna Pereira, 10 anos.
Estudos contemporâneos de neurociência apontam que o cérebro cresce e muda continuamente. Das cinco áreas ativadas quando pensamos de forma matemática, duas estão no campo visual. Ao trabalhar com desenhos, imagens e proporções, exercita-se o cérebro em regiões pouco usadas no estudo da disciplina, o que reforça a compreensão.
Para Ya Jen Chang, presidente do Instituto Sidarta, o MM ajuda a construir uma nova cultura matemática. “Hoje, professores e alunos afirmam que se sentem mais confiantes em relação à disciplina. A matemática não assusta mais. No lugar da ansiedade, problemas desafiadores atiçam a curiosidade dos jovens aprendizes que usam do seu raciocínio lógico e de sua criatividade para construírem possíveis soluções.”