REFINANDO O ENTENDIMENTO DE RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA E APRESENTANDO PROPOSTA
Autoria: GEPA
Considerações iniciais
A Resolução nº 2, de 1º de julho de 2015, do Conselho Nacional de Educação – CNE – estabelece em seu artigo 3º, dentre outros, os seguintes princípios da Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica: a garantia de padrão de qualidade dos cursos de formação de docentes ofertados pelas instituições formadoras; a articulação entre a teoria e a prática no processo de formação docente, fundada no domínio dos conhecimentos científicos e didáticos, contemplando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; o reconhecimento das instituições de educação básica como espaços necessários à formação dos profissionais do magistério. É prevista a inserção dos estudantes de licenciatura nas instituições de educação básica da rede pública de ensino, espaço privilegiado da práxis docente. De modo geral, esses princípios têm sido observados por meio do estágio curricular, porém, de forma incompleta ou inadequada, por vários motivos, dentre os quais se destacam: a imersão do licenciando na escola de educação básica se mostra frágil e inconsistente; os professores formadores nem sempre acompanham as atividades dos licenciandos na escola-campo, limitando-se, muitas vezes, a apenas analisar o plano de trabalho e o relatório final; os professores formadores e os das escolas não se encontram para planejamento conjunto; as escolas não recebem retorno dos cursos de licenciatura sobre o trabalho do estágio, o que as desvaloriza e pode impedir o prosseguimento da atividade. Quando assim se desenvolve, o estágio cumpre apenas formalidade burocrática da formação.
A mesma resolução, em seu art. 12, estabelece que os cursos de formação inicial constituir-se-ão de três núcleos. Um deles, o de estudos integradores para enriquecimento curricular, compreende, entre outras formas, a participação em seminários e estudos curriculares, em projetos de iniciação científica, iniciação à docência, residência docente, monitoria e extensão, definidos no projeto institucional da instituição de educação superior e diretamente orientados pelo corpo docente da mesma instituição. Como o art. 12 trata de cursos de formação inicial, melhor seria se a resolução em tela usasse a expressão residência pedagógica em lugar de residência docente. Esta última poderá incluir o entendimento de atividades realizadas somente em sala de aula, o que não acontece com a residência pedagógica.
O art. 3º define que o projeto de formação deve ser elaborado e desenvolvido por meio da articulação entre a instituição de educação superior e o sistema de educação básica, devendo contemplar a “inserção dos estudantes de licenciatura nas instituições de educação básica da rede pública de ensino, espaço privilegiado da práxis docente”.
Contudo, a CAPES desrespeita a Resolução do CNE nº 2, de 1º de julho de 2015, e o que deveria ser de iniciativa dos cursos de licenciatura foi imposto por meio da Portaria nº 38, de 28 de fevereiro de 2018, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, que institui o Programa de Residência Pedagógica com a finalidade de apoiar instituições de ensino superior na “implementação de projetos inovadores que estimulem a articulação entre teoria e prática nos cursos de licenciatura, conduzidos em parceria com as redes públicas de educação básica”.
Deu-se formato burocrático ao que deveria ser um componente curricular planejado de forma colaborativa pelos cursos de licenciatura e escolas de educação básica. A mencionada portaria aponta os objetivos do programa e a maneira de seleção das Instituições de Educação Superior – IES – por meio de edital nacional. O art. 4º da portaria determina que a IES selecionada no âmbito do Programa será apoiada com a concessão de bolsas para os residentes (professores em formação), coordenador institucional, docente orientador do estágio e preceptor (professor da escola de educação básica que acompanhará os residentes na escola-campo). O art. 5º indica que os projetos de Residência Pedagógica das IES selecionadas serão acompanhados e avaliados pela CAPES.
A CAPES restringiu e limitou uma programação pedagógica que poderia dar vigor à formação de professores para a educação básica a um ato de sua responsabilidade, o que contraria o disposto na Resolução nº 2, de 1º de julho de 2015, mencionada acima (estudos integradores “definidos no projeto institucional da instituição de educação superior e diretamente orientados pelo corpo docente da mesma instituição”). Como há financiamento envolvido, é bem provável que as IES não selecionadas não incorporarão a residência pedagógica. O formato conservador e tradicional cunhado pela Residência Pedagógica no edital nº 6/2018, da CAPES, expressa-se pela delimitação do número total de horas (440) e pela sua distribuição para cada uma das diferentes atividades: 60h para ambientação na escola; 320h de imersão, sendo 100h para regência; e 60h para elaboração do relatório final.
Outro aspecto desalentador é a constatação de que programas governamentais têm vida curta. Concluído o governo, a entrada de novos mandatários não dá continuidade ao que vinha sendo feito. Além disso, durante o mesmo governo, quando as verbas acabam, tudo fica de lado. Educação é algo sério, especialmente quando se trata da formação inicial dos que vão se responsabilizar pelas aprendizagens de crianças e jovens.
Da maneira como foi instituída pela Portaria nº 38, de 28 de fevereiro de 2018, pela CAPES, a residência pedagógica substitui o estágio curricular obrigatório para os cursos que se dispõem a adotá-la, não atingindo os futuros docentes dos cursos que a ela não aderirem. O papel do MEC seria o de incentivar os cursos de licenciatura a criarem a residência pedagógica que substitua o estágio, que nem sempre funciona bem.
Infelizmente, a residência pedagógica veio para beneficiar um número pequeno de cursos e de futuros docentes da educação básica, criando desigualdade na formação. Se a CAPES acredita que o formato de residência pedagógica por ela instituído traz benefícios, por que não estendê-lo a todos os docentes em formação? Que interesses estariam movendo tais disparidades?
Outro desserviço é o fato de ela retirar a autonomia dos cursos de organizarem-na em atendimento às especificidades de cada contexto. O edital nº 6, da CAPES, que a instituiu, inclui como um dos seus objetivos: “promover a adequação dos currículos e propostas pedagógicas dos cursos de formação inicial de professores da educação básica às orientações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)”. Está clara a intenção de criação da residência pedagógica para fortalecer a BNCC que, por sua vez, nasce atrelada às políticas de avaliações externas, contribuindo para o controle do conhecimento considerado necessário à formação dos estudantes e para regulação do trabalho do professor.
Avaliação em debate V
No dia 19 de junho de 2018, o Grupo de Pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico – GEPA – realizou o Avaliação em debate V, reunindo professores e demais profissionais da educação de cursos de licenciatura e da educação básica para discutirem a residência pedagógica instituída pela CAPES por meio da Portaria nº 38 de fevereiro de 2018. O principal objetivo foi o de abordar o tema com os sujeitos que realmente irão pôr em prática essa nova modalidade: professores formadores e os da educação básica.
Intencionalmente convidamos um grupo pequeno para o primeiro debate sobre o tema para que todos pudessem manifestar suas percepções e incompreensões. Todos os convidados estão envolvidos ou poderão ter envolvimento com a residência pedagógica. Além dos integrantes do GEPA, estiveram presentes 17 profissionais da educação.
Previamente foram enviados aos participantes, que confirmaram sua presença, documentos informativos sobre o tema, como as portarias da CAPES, textos produzidos por integrantes do GEPA e manifestações de entidades educacionais, para leitura prévia como meio de preparação para o debate. Por isso, decidimos que não haveria palestra, apenas uma rápida introdução, já que havíamos escolhido o formato de debate, com o intuito de que todos pudessem se manifestar.
Ao final do encontro, os participantes registraram as contribuições por ele proporcionadas:
– “esclarecimentos acerca do edital e como a SEEDF e o IFB se portam diante do assunto”;
– “entendimento da proposta de Residência Pedagógica posta, das lacunas e dificuldades para implantação”;
– “este foi o primeiro contato com a temática. Com isso, percebo a necessidade de estudo e reflexão a respeito do tema”;
– “para mim as contribuições foram incrivelmente esclarecedoras. Mesmo com essa temática relativamente recente, ao menos para mim, os colegas estão muito interessados. E isso faz com que surjam vários pontos de vista que nos ajudam a construir a nossa opinião sobre tal. Após esse encontro, acredito que eu possa falar com mais propriedade sobre a Residência Pedagógica”;
– necessidade de mais debate e reflexão sobre o tema;
– “o evento contribuiu para ampliar a minha compreensão de que a residência pedagógica precisa ser rechaçada e todos os interessados nessa questão deverão ser chamados para discuti-la a fim de buscar um encaminhamento político-pedagógico viável para atender esse ponto da formação docente”;
– “maior compreensão sobre a temática”;
– necessidade de maior posicionamento no sentido de minimizar equívocos da proposta”;
– necessidade de preparação das escolas-campo para acolher os residentes”;
– “este encontro me oportunizou conhecer um pouco mais sobre o assunto, bem como as fragilidades que existem desde a sua concepção e pensar nas suas implicações no ambiente escolar. O debate foi enriquecedor”;
– “compartilhamento de informações. Debate político sobre o tema. Socialização de experiências”;
– “excelente oportunidade para discutir sobre esse tema, articulando diferentes atores do processo”;
– “o evento foi importantíssimo para refletirmos sobre os desmandos educacionais e, principalmente, desmandos na área de formação. Olhando o documento, vejo um processo restritivo, incompreensível, ausente de um caráter epistemológico relacionado à formação de professores. Não foi apresentada uma justificativa plausível para a formulação da proposta. Ela é uma estratégia precária para colocar em circulação a BNCC e uma desqualificação dos profissionais da educação”;
– “ampliou o entendimento sobre as fragilidades da proposta da CAPES e dos encaminhamentos da seleção das escolas na SEEDF. Além disso, possibilitou levantar questionamentos sobre a fundamentação do programa”;
– “primeiro, descobri que existe. Segundo, o programa de residência existe mal. Deve melhorar, com a superação fragmentada da gestão educacional”;
– “não havia estudado a respeito, por isso imaginava que a residência seria uma modalidade proposta como possibilidade de complementação da formação, pós-estágio. As colocações me trouxeram a realidade assustadora que se apresenta e que as perspectivas são péssimas. É preciso lutar”;
– “o debate foi muito rico, trouxe valiosas contribuições e apontou os sérios conflitos de interesse que cobrem o tema. A realidade é terrível, o golpe segue em curso e é preciso organizar a resistência”;
– “como professora da SEEDF. O encontro foi bastante produtivo. Nada tinha ouvido falar sobre o tema e saio do encontro bastante angustiada com a falta de organização e diretrizes para a implementação do projeto”;
– “a residência pedagógica é uma iniciativa que vem na contramão de muitas conquistas. De forma sutil, estabelece o aumento gradativo da desvalorização profissional do docente. O edital traz inúmeros vícios desde sua criação, pois não elenca instrumento de articulação entre IES e escolas da Educação Básica”.
Os participantes também apontaram sugestões: “o Sinpro – DF atua a partir da demanda, quando é provocado. Sugiro que essa questão seja apresentada e discutida no formato de audiência ou seminário, que poderia ser encabeçado pelo GEPA, com apoio da EAPE/SUBEB e representantes das IES estejam presentes. Quero também ser ouvida”; levar a problemática para as instâncias políticas competentes, expondo as fragilidades e sugerindo soluções documentalmente e com divulgação ostensiva e pública”; “aprofundar estudos sobre fundamentação teórica da proposta da CAPES. Encaminhamento para o Conselho de Educação sobre diretrizes para a SEEDF sobre esse programa”; “continuidade do debate e proposição de organização da oferta, formação, diretrizes a respeito da residência pedagógica”; “mais debate sobre o tema”; criação de um documento público apontando os principais questionamentos surgidos na discussão da manhã de hoje”. Um outro encontro sobre o tema”; “colocar os textos-base na página do GEPA”; “elaborar documento propondo a estruturação do projeto de implantação da residência nas escolas”; “que o GEPA continue com esta proposta, pois a educação precisa de pessoas que se preocupem com o futuro deste país”; “elaboração de um documento sintetizador e propositivo sobre o assunto”.
Como se pode perceber, muitas sugestões fogem à alçada do GEPA, que poderá encaminhá-las aos setores competentes.
Foi possível perceber, nos registros do encontro, que os participantes que atuam na educação básica não tinham conhecimento da residência pedagógica, o que causa apreensão por serem os que receberão os residentes. Parece que a SEEDF ainda não discutiu esse programa com os profissionais da educação envolvidos. É urgente que ela faça isso.
De nossa parte, observamos que o Avaliação em debate V cumpriu seu propósito de colocar em discussão um tema que afeta os cursos de licenciatura e as escolas de educação básica. Estas últimas cumprirão a importante função de receberem os residentes e com eles trabalharem por um razoável espaço de tempo.
A residência pedagógica poderá fortalecer a formação docente se for concebida colaborativamente por professores formadores e os das escolas de educação básica e incluída na organização curricular dos cursos de licenciatura, de modo que todos os futuros docentes da educação básica possam “residir” na escola pelo tempo necessário à vivência das atividades inerentes à sua futura atuação. Mas não seria a CAPES, ou qualquer outra instituição governamental, o órgão apropriado para planejar tão grandioso trabalho.
Um caminho possível
Apresentadas as considerações e apresentado o relato do evento promovido pelo GEPA, este grupo de pesquisa entende que a residência pedagógica tal como foi planejada pela CAPES não deve ser implementada. Ouvimos de professores formadores durante o Avaliação em debate V as inúmeras dúvidas que possuem, as dificuldades em obter ajuda para dirimi-las e para implementação do Programa. Foi possível percebermos o longo tempo que têm investido nisso. Eles estão apenas cumprindo ordens, sem a devida compreensão de como devem proceder. Não teria sido mais proveitoso se estivessem planejando a residência pedagógica que atende ao seu contexto?
As informações e percepções dos participantes do evento promovido pelo GEPA nos instigaram a não apenas relatá-las, mas a oferecer para análise um formato de residência pedagógica que fuja ao estágio convencional, de modo que atenda às necessidades das escolas de educação básica e às da formação inicial. O GEPA vem desenvolvendo estudos e pesquisas em avaliação desde 2000. Seus integrantes têm visitado escolas e proferido palestras sobre esse tema durante todo esse período. Livros e artigos têm sido produzidos. Temos informações de que a avaliação pouco ou quase nada é incluída nos cursos de formação inicial. Os professores recém-concursados pela Secretaria de Estado de Educação do DF chegam às escolas já necessitando de formação continuada. A instituição da residência pedagógica pela CAPES nos inspirou a sugerir esta atividade em outros moldes e como uma possibilidade de a avaliação ser valorizada na formação inicial de professores.
Sugerimos, então, uma residência pedagógica centrada na avaliação no contexto do trabalho pedagógico escolar. É um tema de interesse de todas as etapas e modalidades da educação básica e de todos os componentes curriculares. Entendemos, como Freitas et al (2009, p, 15), que a avaliação perpassa todo o trabalho pedagógico:
Nesta forma de ver o processo pedagógico, a avaliação não figura ao final, mas está justaposta aos próprios objetivos, formando um par dialético com eles. São os objetivos que dão base para a construção da avaliação. Os conteúdos e o nível de domínio destes, projetados pelos objetivos, permitem extrair as situações que possibilitarão ao aluno demonstrar seu desenvolvimento em uma situação de avaliação. Na verdade, os objetivos e a avaliação orientam todo o processo.
Vê-se, então, que um projeto para residência pedagógica em que o residente se insere no processo avaliativo de uma sala de aula requer sua participação em todo o trabalho pedagógico não só da turma, mas, também, da escola. Será uma atividade de grande contribuição para sua formação.
Torna-se necessário refletir sobre os seguintes princípios presentes na residência pedagógica:
qualidade
participação
responsabilidade
colaboração
protagonismo
autonomia
senso crítico
imersão
ética
A qualidade da residência pedagógica não se sustenta sem os demais princípios. Eles a compõem e são imprescindíveis. A participação em todos os momentos dá o tom do trabalho. Não só os residentes participam, mas todos os sujeitos, dos cursos de formação inicial e da escola de educação básica, denominada, a partir de agora, de escola-campo. Cada um é responsável pelo que lhe cabe e participa da responsabilidade dos outros sujeitos, dando lugar à colaboração, companheira de todos os envolvidos. Se o estágio tem sido, até agora, planejado pela universidade, nesta proposta, a colaboração entre ela e a escola-campo é um princípio valioso, conferindo à escola básica o papel de destaque que lhe é de direito no processo formativo das profissionais que nela atuarão.
Os cuidados com a avaliação, tais como o entendimento do que significa, para que serve, quais funções desempenha, quem dela participa, como se realiza e em quais momentos, os resultados oferecidos e as formas de utilizá-los fazem parte da qualidade do trabalho pedagógico de toda a escola. Atrelada aos objetivos, a avaliação norteia esse trabalho. Sem uma avaliação que promova as aprendizagens de todos o trabalho é destituído de qualidade.
Nesse formato, o residente é o protagonista do trabalho. Recebe orientações, mas tem liberdade para decidir quanto ao que deve ser feito. Desenvolve planejamentos coletivos e individuais, discute suas atividades e os resultados com colegas, professores formadores e equipe da escola-campo, mas seu espaço de decisão é respeitado. Isso significa ter autonomia e responsabilidade. A avaliação devidamente praticada, isto é, avaliação para as aprendizagens, confere rigor e seriedade a todo o trabalho.
Assim agindo, o residente estará construindo senso crítico em relação ao que faz, ao que ainda não conseguiu fazer e às razões que explicam essa condição. A construção do senso crítico é ampliada pela análise das contribuições que sua atuação tem oferecido e dos benefícios para sua formação. É a avaliação formativa permeando todo o processo e imprimindo qualidade aos trabalhos executados ao longo da residência.
Essa perspectiva de trabalho requer imersão no campo de atuação. Por imersão entende-se que o residente dispõe de tempo suficiente para desenvolver trabalho de qualidade e de forma colaborativa. Suas atividades são realizadas em sala de aula e nos vários ambientes de aprendizagem e de trabalho relacionado ao que ocorre em sala de aula. Ele não apenas observa e registra o que ali acontece, para que o professor orientador avalie, mas para que possa analisar e, se for o caso, realinhar seu trabalho.
Imersão tão forte requer a presença da ética e do respeito a todos os sujeitos envolvidos. Os residentes poderão atuar em contextos variados, o que lhes exigirá compreensão, aceitação e respeito pelas situações que vivenciarão. Comentários sobre acontecimentos que fujam ao interesse do trabalho, que revelem ou criem situações constrangedoras, que classifiquem pessoas, que sejam desrespeitosos e que signifiquem avaliação de caráter pessoal não são aceitos. Em suma, há de se ter cuidado com o que é levado da universidade para a escola e vice-versa. Relacionamento tão próximo terá de ser cercado por respeito e ética. A avaliação informal estará sempre presente. Os residentes terão a oportunidade de conviver com situações avaliativas encorajadoras e desencorajadoras. Por isso, uma sólida fundamentação teórica sobre essa categoria do trabalho pedagógico necessariamente acompanhará a residência.
Imbuídos desses princípios, os sujeitos envolvidos partem para a construção do projeto. Por onde iniciar? Quem dá o ponta-pé?
Como a residência pedagógica faz parte da formação inicial, no momento em que ela está sendo discutida e organizada, professores que a coordenam, em cada curso de licenciatura, tomam a iniciativa de entrar em contato com a Secretaria de Educação, que indicará as escolas-campo interessadas em receber residentes. Este é o primeiro momento de interação dos coordenadores da universidade e da equipe da escola-campo em busca de um trabalho profícuo.
Os princípios mencionados são os norteadores de todo o processo. Isso significa que devem ser considerados, mas que não há receita ou modelo para a elaboração do projeto, para o seu desenvolvimento e sua avaliação. Contudo, cabe destacar algumas atividades que podem contribuir para a construção de um projeto coerente com o sentido emancipatório que se deseja imprimir à formação docente.
A primeira delas é a análise do projeto político-pedagógico da escola- campo. Trata-se de um momento precioso para que se conheça o processo avaliativo: concepção de avaliação, seus objetivos, funções, níveis, práticas e como são utilizados seus resultados. É preciso ter sempre em mente: a avaliação não é um ato final, mas acompanha o desenrolar do trabalho e o conclui. Daí a relevância de uma residência pedagógica que a ponha em destaque e identifique as suas formas de atuação.
Essa análise é o ponto de partida para a elaboração coletiva do Plano de Ação da Residência Pedagógica (PARP), como eixo norteador do processo de formação do futuro docente. Por ser coletivo, envolverá a escola-campo, a instituição de formação superior e os residentes, ou seja, todos os sujeitos educativos que dele participarão. Esse plano apoiar-se-á no tripé: formação acadêmica, da qual constem reflexões teóricas sobre avaliação e organização do trabalho pedagógico; vivência de práticas formativas; a pesquisa como estratégia metodológica da formação.
Destacamos, também, a relevância de oportunizar aos residentes a participação nos mais diversos setores do ambiente escolar: pedagógico, administrativo e gestacional. Dessa forma, a carga horária total destinada à Residência Pedagógica deverá ser dividida entre as três áreas específicas da formação: pedagógica, técnico-administrativa e de formação continuada, de forma a atender a formação integral do professor em formação.
As atividades pedagógicas são referentes às experiências de docência em sala de aula, à elaboração de planejamento, à aplicação e utilização de tecnologias educacionais, ao uso de técnicas e recursos didáticos, à análise dos procedimentos e resultados da avaliação em seus três níveis (aprendizagem, institucional e em larga escala), à elaboração de procedimentos/instrumentos de avaliação, à produção de relatórios, memorial ou portfólio do processo de Residência Pedagógica, entre outras.
Quanto às atividades de cunho técnico-administrativo é necessário que o residente analise a relação que se estabelece entre o administrativo e o pedagógico no espaço escolar e perceba a importância da interlocução entre esses setores. Nessa perspectiva, deverá participar de atividades que lhe permitam entender a estrutura organizacional da escola- campo, as demandas do processo político administrativo, a gestão escolar e as relações que perpassam o cotidiano escolar, a forma como se efetivam os registros institucionais, a interação que se estabelece entre a escola e a comunidade, a participação no planejamento e na realização de eventos culturais.
Igualmente importante é a previsão, no PARP, de momentos de reflexão sobre a avaliação no contexto do trabalho pedagógico escolar por parte dos residentes e equipe da escola-campo. Destinam-se, primordialmente, à realização de estudos e análise das atividades em execução, à discussão sobre temas de interesse e sobre a necessidade de replanejamento, por meio da participação em seminários, oficinas, encontros pedagógicos, palestras, minicursos, congressos e eventos presenciais e/ou semipresenciais, ou seja, em todas as atividades que venham a contribuir para o processo formativo do docente.
As atividades acima mencionadas constituir-se-ão em formação continuada para os professores da escola-campo, o que será uma grande contribuição para eles.
Uma residência pedagógica voltada para a avaliação no contexto do trabalho pedagógico escolar não dispensa o olhar sobre os três níveis da avaliação e sua necessária articulação porque é na escola que eles acontecem. O futuro docente não pode perder a chance de participar da sua concretização.
Coerentemente com os princípios mencionados, a função formativa da avaliação é a que norteará todo o trabalho pedagógico.
Uma residência pedagógica sobre tema tão necessário à formação docente e que envolve tantos sujeitos precisa ser registrada de forma ampla e adequada, para uso de todos os envolvidos. A forma de registro é decidida colaborativamente pelo curso de licenciatura e a escola-campo. Esses registros serão também úteis para pesquisadores sobre o tema.
Não nos esqueçamos dos estudantes da escola-campo: que tipo de participação deverão ter? Se queremos praticar os princípios mencionados, suas vozes terão de ser consideradas. De que forma? Em quais momentos? Em um processo como o aqui sugerido, também eles serão beneficiados principalmente em relação à avaliação, nosso foco. Será uma oportunidade ímpar de vivência de avaliação para as aprendizagens, objetivo da avaliação formativa.
A formação inicial de professores será enriquecida com o desenvolvimento da residência pedagógica graças ao trabalho conjunto com a escola de educação básica, sua grande parceira. Assim ela é reverenciada. Assim os residentes a perceberão. Todo cuidado e atenção são devidos aos profissionais que nela atuam, assim como aos estudantes e seus pais. Uma residência pedagógica dedicada ao tema avaliação no contexto do trabalho pedagógico oferecerá a essa escola grandiosas contribuições de reflexão sobre este tema tão carente de estudos e de atualização de suas práticas.
O desenvolvimento da residência proposta enseja realização de pesquisa sobre todo o seu percurso. Por que não uma pesquisa conjunta curso de formação/escola-campo?
Referência
FREITAS, Luiz Carlos de et al. Avaliação educacional: caminhando pela contramão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.