REFLEXÕES NECESSÁRIAS: “O COLÉGIO É BOM NO QUE SE PROPÕE, QUE É FAZER AS PESSOAS PASSAREM NO VESTIBULAR”

REFLEXÕES NECESSÁRIAS: “O COLÉGIO É BOM NO QUE SE PROPÕE, QUE É FAZER AS PESSOAS PASSAREM NO VESTIBULAR”

Benigna Maria de Freitas Villas Boas

Publicado em http://gepa-avaliacaoeducacional.com.br

A revista Brasília Encontro, do mês de setembro, apresenta, como reportagem de capa, “Os segredos das campeãs”, isto é, das escolas que obtiveram as melhores notas no Enem. O texto descreve por que “elas são realmente muito acima da média” A maioria “tem carga horária superior à exigida e aposta na qualificação dos professores”.

Na escola mais bem colocada “aprende-se todo o conteúdo dos três anos em apenas dois. O último é usado para revisão de conteúdo, com carga horária de 40 horas semanais. A matéria vista em sala de aula é reforçada no contraturno, com monitoria e oficinas de redação”. Um dos alunos assim se posiciona: “Os professores são muito bons, o colégio é conteudista, vemos a matéria várias vezes. Temos prova todo sábado, o que nos faz estudar toda semana. A convivência com colegas dedicados nos faz estudar ainda mais”. Outra estudante afirma: “Os colegas se influenciam. O ambiente é focado nos estudos. Temos uma boa relação com os professores também, mas, se alguém faz barulho na sala, os colegas é que pedem silêncio. Um estudante compreende que “O grande diferencial […] é o foco no vestibular. Não tem gincana, nem passeio. A proposta é treinar para fazer prova de vestibular. O colégio é bom no que se propõe, que é fazer as pessoas passarem no vestibular”.

O colégio colocado no segundo lugar do ranking tem as portas abertas 24 horas. Há maratonas de estudo durante a noite, se for preciso. É oferecida estrutura para que os estudantes não deixem a escola. Atividades no turno contrário e simulados corrigidos segundo as regras do Enem, aplicados todo fim de semana, complementam a carga horária básica. “A disposição dos professores é um diferencial. Se paro um deles no corredor, a qualquer hora, eles explicam o conteúdo e orientam” diz uma estudante. O treinamento para o Enem inclui “saber fazer a prova. Pensar na estratégia, por onde começar, por exemplo”, afirma o coordenador de vestibular da instituição. Nesta escola os estudantes são considerados “estrategistas”. Um deles reconhece: “Depois de conhecer o estilo da prova, é preciso calcular o tempo para cada conteúdo”. Este estudante assiste a 14 aulas durante o dia de quarta-feira, o mais intenso deles, “sendo que as últimas focam no Enem”.

Nesta segunda escola os estudantes podem agendar conversas individuais de até 60 minutos com orientadores para receber planos de estudo personalizados. “Simulados são o ponto alto, mas a monitoria ajuda muito também. Tudo isso só faz quem quer, depende do esforço de cada um”, explica um estudante de 17 anos.

Para se matricular na escola colocada em terceiro lugar no ranking é necessário passar por entrevista com a diretora. Não se rejeitam estudantes, mas os pais são aconselhados quanto à escolha. As aulas no contraturno são obrigatórias, somando 47 horas-aula semanais. O objetivo da entrevista é identificar, principalmente, “disposição em estudar, gana e persistência”. O aluno com inteligência acima da média é bem-vindo, mas não é o foco, explica a reportagem.

O principal motivo para a alta carga horária é preparar estudantes para a competição nacional. Boa parte dos estudantes deseja ingressar em universidades competitivas, como o ITA.

Tudo isso tem um alto custo: as mensalidades vão de R$ 2.156,00 (da primeira do ranking) a R$ 1.683,00.

O trabalho dessas três escolas é desenvolvido em função de provas. Nem se pode dizer que é em função da avaliação porque esta é um processo amplo, do qual as provas fazem parte, mas não são o principal componente. Os depoimentos dos estudantes são reveladores. E mais: eles concordam com isso.

Como essas escolas estão mais voltadas para o “treinamento” dos seus estudantes para que se saiam bem em provas em nível nacional e, por isso, exigem muito deles, parecem querer competir entre si em benefício próprio, para que apareçam bem na classificação nacional.

Alguns componentes do trabalho pedagógico dessas escolas poderiam inspirar a forma de atuação de outras escolas, privadas e públicas, como por exemplo, o interesse pelo estudante, desde que desvinculado dos resultados que beneficiam mais a escola do que a eles próprios.

Não nos cabe retirar conclusões apressadas: são necessárias pesquisas sobre o desempenho futuro dos estudantes que passam por essas escolas para que se possa analisar as consequências para a sua formação pessoal e profissional.

Interessante observar que todos os depoimentos de estudantes foram favoráveis ao estilo de trabalho e de avaliação das escolas. Não foram incluídas percepções desfavoráveis. Será que todos eles estão contentes com o que lhes é oferecido?

 

2 respostas para “REFLEXÕES NECESSÁRIAS: “O COLÉGIO É BOM NO QUE SE PROPÕE, QUE É FAZER AS PESSOAS PASSAREM NO VESTIBULAR””

  1. A matéria acima é impressionantemente mercantilizadora!

    Leiam: http://www.cepadic.com/pdf/Livro%20Olhares%20em%20ADC.pdf , sobretudo, o artigo

    O Discurso Mercantilista do Ensino Brasileiro
    Josenia Antunes Vieira (UnB)……………………………………………… 117

    Leiam também: http://www.cepadic.com/pdf/dcee2.pdf , sobretudo o artigo

    Os reflexos da mercantilização do ensino na formação identitária do professor………………………67
    Josenia Antunes Vieira (UnB) e Denise Silva Macedo (UnB)

    Poderíamos fazer dialogar a perspectiva pedagógica com a discursiva em texto conjuntos. O que acham?

     
    1. A matéria da revista realmente mostra trabalho escolar com interesse mercantilista. O grande público lê informações desse tipo, as aplaude e nelas se inspira para a escolha da escola de seus filhos, isto é, os que podem pagar por isso. É preocupante.

       

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

6 + dezesseis =