Benigna Maria de Freitas Villas Boas – mbboas@terra.com.br
22/11/2013
Um grupo de professores da Secretaria de Educação do Distrito Federal – SEDF- está reorganizando o documento que trata das diretrizes de avaliação. Esta será a quarta edição do documento. A primeira data de 2000 e tem o título de Diretrizes para Avaliação. Não especifica a sua abrangência: toda a educação básica ou os anos finais do ensino fundamental e ensino médio? Uma marca deste documento é constatada na seguinte diretriz: “No caso de serem adotados testes/provas como instrumento de avaliação, o valor a eles atribuído não pode ultrapassar os trinta por cento (30%) da nota final de cada bimestre. Não devem ocorrer momentos estanques para a sua realização. Fica extinta a Semana do Provão”. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO DF, 2000, p. 7).
De outubro de 2003 ao final de 2005 a SEDF desenvolveu o projeto Repensando as Diretrizes para Avaliação, quando amplo processo de reflexão foi desencadeado nas Diretorias Regionais de Ensino. Desse processo surgiu a segunda edição do documento, divulgada em 2006, que passa a ter o seguinte título – Diretrizes para Avaliação da Aprendizagem: Ensino Fundamental – Anos Finais. Ensino Médio. Embora o documento assuma compromisso com a adoção da avaliação formativa, a sua marca continua sendo a distinção entre testes/provas e demais procedimentos, agora nos seguintes termos: “No caso de serem adotados testes/provas como instrumento de avaliação, o valor a eles atribuído não pode ultrapassar 50% da nota final de cada bimestre. Dessa forma, dos 100% da média bimestral, o professor utilizará:
– 50% para testes e provas;
– 50% para outras formas de avaliação, tais como: observação, trabalhos de pesquisa, seminários, monografias, dramatizações, entrevistas, fichas de acompanhamento, auto-avaliação (sic), portfólios e outros”. (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO DF, 2006, p. 13). Como se pode perceber, alargaram-se as possibilidades de uso de provas.
Acompanhei todos os encontros em que se discutiam os resultados das recomendações feitas em cada Diretoria Regional de Ensino, momentos em que havia representantes de todas elas. Pude observar como os professores defendiam ferrenhamente que provas/testes ocupassem grande espaço no processo avaliativo. Ouvi declarações contrárias à avaliação formativa sendo apresentadas de forma deselegante. Muitos professores do ensino médio sentiam que a minha presença acompanhando o processo de discussão constituía ameaça às sua pretensões. Lembro-me bem de um professor de Física, formado pela UnB, me olhando e dizendo agressivamente que durante seu curso naquela instituição ele e seus colegas nunca ouviram falar “nessa tal de avaliação formativa”. Como todas as sugestões foram votadas, venceu o grupo que queria mais espaço para o uso de provas.
A terceira edição data de 2008, quando o documento anterior foi reestruturado (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO DF, 2008). O seu título revela que passou a abranger toda a Educação Básica: Diretrizes de avaliação do processo de ensino e de aprendizagem para a Educação Básica. Os seguintes itens foram incluídos: apresentação; trajetória das concepções de avaliação e sua repercussão no sistema de ensino do Distrito Federal; a avaliação no contexto escolar; significados e pressupostos da avaliação formativa; orientações procedimentais; registros avaliativos (para a Educação Infantil e Ensino Fundamental – Séries/Anos Iniciais; Ensino Fundamental – Séries/Anos Finais e Ensino Médio; Educação de Jovens e Adultos; Educação Especial); conselho de classe; referências.
O documento de 2008 (p. 25) manteve a orientação anterior para as/os séries/anos finais de ensino fundamental e ensino médio: “No caso de serem adotados testes ou provas como instrumento de avaliação, o valor a eles atribuído não pode ultrapassar 50% da nota final de cada bimestre”.
O Grupo de Trabalho que tem a tarefa de, neste ano de 2013, atualizar as diretrizes de avaliação dando-lhe o formato da quarta edição talvez não esteja enfrentando tantas resistências porque hoje já se compreende que provas podem conviver bem com a avaliação formativa, desde que a sua relação seja bem construída.
Contudo, ainda há práticas não condizentes com a avaliação formativa. Dentre elas cito as que encontrei na última informação que recebi. Em um quadro de uma escola constava a seguinte programação de final de ano letivo:
4º bimestre: 7/10 a 19/12
– Semana de avaliações: 28 e 29/11 e 02 e o3/12
– 2ª chamada: 05/12
– Recuperação processual bimestral: 06 e 09/12
– Conselho de classe: 11 e 12/12
– Aulas de recuperação: 16,17,18 e 19/12
– Recuperação final: 20/12
– Recurso: 23/12
– Conselho de classe final: 20/12
Parece-me que a prática de semana de “avaliações” generalizou-se. Precisa ser repensada: como e por que surgiu? A quem ela beneficia? Algumas incompreensões podem estar presentes. A primeira pode ser percebida pelo uso de “avaliações” como sinônimo de prova. A avaliação é um processo do qual a prova é um dos procedimentos.
A segunda está na destinação de uma semana para aplicação de provas como se o trabalho pedagógico fosse padronizado em todas as turmas e para todos os estudantes. Se essa prática existe para facilitar o trabalho dos professores, que aplicam a mesma prova para todos os estudantes de um mesmo ano e ao mesmo tempo, apresenta várias desvantagens. Dentre elas cito: é uma semana dedicada apenas a provas, sem que haja aulas, em muitas escolas; dá ênfase a provas, retirando a possibilidade de os professores pensarem em outros procedimentos de avaliação; transmite a ideia de que a avaliação tem hora marcada para acontecer, destituindo-a do seu propósito processual; rejeita a autonomia do professor podendo até levar à desqualificação do seu trabalho, que passa a ser organizado por outras pessoas. Neste caso, corre-se o risco de o professor apenas cumprir o que for planejado pela escola. Essa forma de trabalho é vivenciada pelos estudantes, sendo por eles incorporada sem reflexão. Eles a reproduzirão futuramente quando estiverem em atuação profissional. Assim as aprendizagens são construídas.
O outro aspecto que me chama a atenção é o tratamento dado à recuperação. Já discuti amplamente este tema em outros escritos, como, por exemplo, no livro Portfólio, avaliação e trabalho pedagógico, da Editora Papirus, p. 79. A recuperação “processual bimestral” não poderia ser realizada apenas em dois dias. Para ser processual, seria constante. Já mencionei em outros textos que até mesmo o termo “recuperação” é inadequado porque não se recupera algo que não existiu. Melhor seria a realização de intervenções pedagógicas ao longo do ano, assim que surgissem necessidades indicadas pela avaliação processual. Este é o sentido da avaliação formativa, que não espera o fracasso do estudante porque está sempre alerta.
Segundo os princípios da avaliação formativa, torna-se necessário refletir: cabe oferecer “aulas de recuperação” pré- agendadas? Para quem? Sobre o quê? Qual o sentido da recuperação “final”? Mera formalidade? Dar satisfação aos pais?
Levando em conta estas considerações, qual o papel do conselho de classe? A qual lógica ele se vincula: da avaliação classificatória ou da formativa?
Parece-me que todos os problemas criados pela avaliação classificatória provocaram o surgimento dos recursos. Se a escola cumprisse seu papel de promover as aprendizagens de cada estudante esta figura não teria aparecido. Se pensarmos que a escola existe por causa do estudante e em seu benefício chegaremos à conclusão de que a figura do recurso não combina com o trabalho pedagógico. Ele não deveria ser necessário. É uma pena termos chegado a esse ponto.
Sordi (2008, p. 55) nos ensina que a avaliação se coloca a serviço da aprendizagem, “assistindo ao professor e aos alunos, orientando-os formativamente a reverem seus avanços e vulnerabilidades e a construírem possibilidades de superação, rumo ao alcance das competências pactuadas sob a forma do contrato pedagógico que firmaram”. Este entendimento nos conduz a compreender que a existência de semana de provas e a realização de recuperação meramente burocrática, voltada para a substituição de notas, não se coadunam com a avaliação comprometida com as aprendizagens de alunos e professores.
Não basta que o documento sobre as diretrizes de avaliação simplesmente declare que as escolas da rede pública de ensino do DF adotam a avaliação formativa. Terá de apontar o que significa praticar essa função avaliativa. Quando vejo situações como a que motivou as reflexões aqui apresentadas, gosto de dizer aos professores e demais educadores das escolas de educação básica que, parte da responsabilidade pela prática inadequada da avaliação e das dificuldades por eles enfrentadas, cabe aos cursos de nível superior, que não têm dado a merecida importância ao tema avaliação. Mesmo sendo avaliadores por excelência, os professores, de modo geral, não são formados para avaliar e ser avaliados.
Referências
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO DF. Diretrizes de avaliação, 2000.
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO DF. Diretrizes para Avaliação da Aprendizagem: Ensino Fundamental – Anos Finais. Ensino Médio, 2006.
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO DF. Diretrizes de avaliação do processo de ensino e de aprendizagem para a Educação Básica, 2008.
SORDI, Mara Regina L. de. A docência universitária e o dilema da formação pedagógica para a produção de uma avaliação da aprendizagem consequente. Revista de Educação PUC – Campinas, n. 25, nov. 2008, p. 47-58.
Benigna, suas reflexões nos provocam a pensar que refletir sobre a avaliação praticada nas escolas é uma necessidade latente. A avaliação, como nos afirma Fernandes e Freitas, é uma atividade que envolve legitimidade técnica e política na sua realização. Portanto, é preciso realizá-la a partir de critérios previamente estabelecidos, de preferencia coletivamente, e referenciados na proposta pedagógica da escola.
Que a nova proposta que está sendo construída motive discussões e encaminhe ações coletivas que despertem para novas e possíveis práticas de avaliação escolar.
Isso mesmo, Elisângela, o importante é que é uma proposta que está sendo construída e que vai requerer discussões que possibilitem seu avanço. Nenhuma proposta pedagógica permanece inalterada. A cada dia novas reflexões e ações são necessárias.