SEMANA DE PROVAS: ESTRATÉGIA DE AVALIAÇÃO OU ARRANJO ADMINISTRATIVO PARA A ESCOLA?
(Por: Erisevelton Silva Lima – Professor da SEEDF, Doutor em Educação pela Universidade de Brasília – UnB)
A forma como a escola se organiza revela como prioriza seus temas e preocupações no cotidiano da unidade de ensino. Além das tradicionais divisões em bimestres, trimestres ou semestres, outras atividades, outros tempos e seus executores demonstram as intencionalidades e as finalidades a que se destina essa organização. Thurler (2001) denomina-os de ritos laicos do núcleo duro da instituição e, quase sempre, fazem parte da cultura da escola sobre os quais a mudança nem sempre é bem-vinda. Nessa linha de raciocínio, a avaliação e todos os processos e procedimentos que a envolvem materializam essas práticas “naturalizadas” e de difícil interferência e/ou modificações. Partindo desse pressuposto, a questão que orienta este texto procura saber: a semana de provas, utilizada por ampla maioria das escolas, está a serviço das aprendizagens dos estudantes ou da praticidade gerencial das organizações quanto ao fechamento dos seus resultados e términos de períodos?
Villas Boas (2017, p. 21) ressalta que a semana de provas impõe aos docentes as normas, os prazos e o controle hierárquico concebido pela equipe gestora da escola que se manifesta por meio do rigor contido na observância e cumprimento do tempo, da ordem e da disciplina. Em uma pesquisa do tipo etnográfica que realizei no ano de 2010 em um Centro de Ensino Fundamental de anos finais no Distrito Federal, pude compreender a força e o imperativo dessa semana de provas para a escola, especialmente no que tange aos cumprimentos dos prazos e das comunicações escritas que precisavam integrar e alimentar os sistemas de dados da rede pública local, na qual a escola estava inserida. Foi possível analisar que não era vontade de todos os docentes cumprirem essas datas e prazos porque implicavam, diretamente, a ideia de padronizar ações e procedimentos em turmas que não podiam, mesmo que quisessem os professores, seguir o mesmo ritmo e tempos para as aprendizagens. Abaixo, aponto relato de uma docente sobre este assunto:
Não gosto da semana de provas, prefiro eu mesma aplicar as minhas, prefiro ler e explicar o que quero, ir de carteira em carteira e, se preciso, esclarecer dúvidas. Estou avaliando todo tempo, esse momento para mim é um momento privilegiado de avaliação. Quando outro aplica minha prova, como é comum na semana de provas, fico na dúvida se o aluno colou ou se conseguiu, de fato, entender e responder a questão. (Professora de Matemática – relato durante uma palestra que conduzi sobre avaliação formativa – 2017)
No mesmo evento, outro docente questionou a professora acima, dizendo que os estudantes não terão essa “facilidade” nos concursos e nos vestibulares que irão enfrentar. A ideia de que aplicar provas sem orientação faz aprender é um mito que precisa ser desvelado. Quanto ao que alega o professor, insisto na tese de que a avaliação, quando é para garantir as aprendizagens irá, consequentemente, preparar os estudantes para esses desafios e muito mais. Não cumpre à escola de educação básica promover exclusões baseadas em “preparar para a vida”, cumpre, sobretudo, auxiliar para que todos aprendam. Afinal, quanto mais aprenderem, mais bem preparados estarão para os concursos e vestibulares que não são os únicos objetivos daqueles que precisam da escola. Ao ouvir a gestora da mesma instituição, ela alegou que as notas deviam ser entregues rigorosamente para a secretaria escolar em datas fixas pois, do contrário, poderiam inviabilizar outros trabalhos como o conselho de classe e a entrega dos boletins para os pais e familiares.
Desatando alguns nós. As datas e o produto ou a nota que deverão ser cumpridos para agilizar as rotinas administrativas não precisam ser desconsiderados, o problema está na concepção do produto em detrimento do processo. Os professores podem utilizar seus tempos e espaços das aulas para aplicar instrumentos de avaliação, afinal só se tornarão avaliação quando forem analisados e devolvidos para os estudantes sob a forma de feedback. Compreender e agir com o entendimento de que avaliação é o que se faz com os dados e informações coletados, inaugura outra perspectiva que se alia à função formativa da avaliação, ou seja, avaliar para garantir as aprendizagens modificando, sempre que for necessário, o planejamento e a organização do trabalho pedagógico na própria turma. O relato da professora de Matemática, além de assertivo, é bastante coerente e rompe com a ideia de que a avaliação é algo que se faz ao final de um período ou em um momento dissociado do momento de aprender. Quando a semana de prova possibilita que todos realizem ao mesmo tempo, a mesma tarefa, revela-se a prioridade administrativa de um ato que precisa ser revisto para que se volte a atenção para a atividade fim da escola. Mesmo que a equipe gestora argumente que precisa cumprir prazos como a entrega de notas, eles podem ser cumpridos de forma alternativa, ou seja, não é porque uma área ou componente curricular avalia em momentos distintos de outras que isso inviabilizará o cumprimento dos prazos finais para o sistema de ensino ao qual se vincula. A escola seriada tem essa prática de forma mais rígida que as escolas organizadas por meio dos ciclos, vale a observação.
Cabe ao coletivo da escola refletir sobre a semana de provas. Questionar e questionar-se sobre seus efeitos e intencionalidades. Ela tem sido útil para quê e para quem? A prática da semana de provas tem garantido melhoria das aprendizagens na escola? A quem interessa a aplicação de instrumentos como a prova de forma padronizada para as turmas ou séries? É possível considerar como avaliação formativa a que adota a semana de provas, que evita ou dificulta a interferência do próprio professor que irá avaliar a produção dos estudantes? Quantos professores sentem-se incomodados porque precisam zelar e cuidar do sigilo e dos comportamentos de tantos alunos quando o instrumento prova não foi elaborado por ele?
Esses e outros questionamentos podem abrir o debate com todos no interior da escola, inclusive com os estudantes que, normalmente, não são ouvidos.
REFERÊNCIAS
THURLER, Mônica Gater. Inovar no interior da escola. Artmed, Porto Alegre/RS, 2001.
VILLAS BOAS, Benigna M. de F. O dia a dia do trabalho pedagógico: contribuições para a formação do professor e dos estudantes. In. VILLAS BOAS, Benigna Maria de Freitas. Avaliação: interações com o trabalho pedagógico. SP: Campinas: Papirus, 2017.
Sábias palavras Professor Eri! Elas nos levam a uma profunda reflexão sobre a função formativa da avaliação. Ao avaliarmos com foco na aprendizagem, reorganizamos os tempos e espaços para tornar eficiente o “fazer pedagógico, e cumprimos assim com a função social da escola, a busca da cidadania.
Maria das Dores eis o nosso maior desafio, obriagado pelo retorno, abraço ERI
Considero amplamente relevante tal questionamento, embora existindo ou não semana de avaliações, não significa que entre A e B uma avaliação formativa de qualidade esteja em desenvolvimento. O arranjo administrativo é necessário, visto que temos prazos e burocracias para atender, deste modo, considero que no Ensino Fundamental e Médio a semana de avaliações é indispensável.
Fabiana Moura
Professora de História do Ensino Fundamental
Coordenadora Pedagógica do Colégio da Polícia Militar na Bahia
Obrigado pelo texto bem construído e embasado. A Semana de Provas é um tema que vem sendo bastante discutido nas escolas onde trabalho. Suas considerações ajudarão muito a enriquecer o debate com meus colegas e alunos.