Desafios da avaliação formativa no ensino remoto

Benigna Maria de Freitas Villas Boas

Coordenadora do Grupo de Pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico – GEPA

Este texto foi escrito para ser usado em formato de podcast durante um curso sobre avaliação formativa desenvolvido pela  EAPE, no primeiro semestre de 2021

Vamos conversar sobre a avaliação formativa como a que contribui para a construção de aprendizagens por estudantes e professores. Sim, dos professores também, porque, para que os estudantes aprendam, temos de contar com as aprendizagens permanentes dos professores, que precisam estar em dia com os saberes do currículo, com as metodologias e tecnologias apropriadas, assim como com a avaliação que alavanca toda essa engrenagem. Os docentes aprendem muito com as interações realizadas em sala de aula e em toda a escola. Incluo a escola porque ela é lugar de aprendizagens, em todos os seus momentos e espaços. Por isso usamos a expressão avaliação das aprendizagens. Não apenas as aprendizagens previstas nos conteúdos curriculares, mas, também, as que resultam do convívio tão benéfico de todos. Pensemos: assim que o/a estudante chega à escola, passando pelo portão da entrada, dizendo ou não bom dia ou boa tarde ao funcionário ali presente, e sendo ou não por ele acolhido, está incorporando aprendizagens. E isso vai se desenrolando ao longo do dia e do tempo de permanência na instituição.

Aliás, proponho que passemos a falar de avaliação PARA as aprendizagens, o que significa concebê-la em constante movimento, rumo às aprendizagens, isto é, está sempre em ação. Não é um mero jogo de palavras. Estamos falando de um processo avaliativo e não de uma ação episódica.

A avaliação formativa é diferente da função somativa porque se desenvolve ao longo do trabalho pedagógico, por diferentes meios, enquanto a somativa ocorre em períodos definidos, para avaliar o que foi aprendido ao longo de um determinado tempo, como ao final de uma unidade ou de um semestre ou um ano e, geralmente, por meio de provas. Quando se adota a avaliação formativa, todas as atividades de aprendizagem são avaliativas, até mesmo a prova, que passa a ser uma atividade de aprendizagem. Na avaliação somativa a prova é um instrumento pontual de avaliação. A prova, então, pode ter propósito formativo ou somativo, dependendo dos seus objetivos.

A avaliação formativa se norteia pelos seguintes princípios: inclusão, intervenção, investigação, colaboração, continuidade e ética.

Ser inclusiva é sua marca. Dizer que a avaliação formativa é inclusiva é até um pleonasmo. Ser inclusiva significa que ela se compromete com a conquista das aprendizagens por todos os estudantes. Nenhum pode ficar para trás. Avaliação e aprendizagem são faces da mesma moeda, ou dito de outra forma, se interligam. Enquanto o processo de aprendizagem ocorre, a avaliação o acompanha para identificar se todos os estudantes estão aprendendo e o que lhes falta aprender. Pode-se dizer que a avaliação é a guardiã das aprendizagens. Por outro lado, enquanto a avaliação atua, aprendizagens não previstas poderão acontecer.

Mas, simplesmente conhecer o que os estudantes aprenderam e o que ainda não aprenderam não basta. Entra em cena a intervenção pedagógica, ao longo do processo.  Esqueçamos a recuperação de aprendizagem, porque não se recupera o que não foi aprendido. Além disso, costuma ser oferecida muito tempo depois e, geralmente, para se elevarem as notas. Não é este o espírito da avaliação formativa. As intervenções são realizadas pelo/a professor/a assim que as necessidades surgem. Este não é também um aspecto da inclusão? A não realização de intervenções pode deixar o estudante excluído das aprendizagens.  

Sendo inclusiva e interventiva, a avaliação formativa é, também, investigativa. O que ela investiga? Está atenta ao que vem dificultando ou impedindo o avanço das aprendizagens. Por isso, se diz que os professores são pesquisadores da sua própria atuação.  

Todo esse processo avaliativo requer colaboração entre docentes, estudantes, coordenadores pedagógicos, gestores e pais/responsáveis. O professor responsável pela turma ou pela disciplina não pode ficar desamparado. O trabalho coletivo apresenta melhores resultados quando é desenvolvido em grupo. Isso vale também para os estudantes: por meio de atividades realizadas em grupo muitas aprendizagens têm lugar e eles próprios exercitam a avaliação.

Por ser contínua, a avaliação formativa é aliada do professor e dos estudantes. Propicia a identificação das necessidades dos estudantes, facilitando o trabalho dos professores, que estão sempre em condições de apresentar aos pais a situação de aprendizagem de seus filhos. O mesmo acontece em reuniões com colegas e coordenadores pedagógicos, quando se discute o trabalho pedagógico em desenvolvimento. E mais: estão sempre formulando meios de promover as intervenções.

A ética é um princípio fundamental da avaliação. Na escola lidamos com gente em processo de aprendizagem. Não cabe a avaliação informal punitiva, segregadora, negativa e desencorajadora. Lembremo-nos de que atitudes de interesse e de disponibilidade para ajudar o/a estudante, assim como olhares de aceitação, fazem bem a qualquer um deles. Outro aspecto da ética consiste em não basearmos a avaliação em aspectos pessoais e familiares dos estudantes. Não se avalia a sua pessoa, mas o seu processo de aprendizagem. Os princípios anteriores (inclusão, intervenção, investigação, colaboração e continuidade) dão sustentação à ética.

A avaliação formativa dá uma grande contribuição ao trabalho dos professores, porque lhes mostra se devem continuar conforme o planejado ou se devem alterar e o quê.

Não nos esqueçamos do feedback. É um componente imprescindível à avaliação formativa. É um forte coadjuvante da inclusão. Para que os estudantes avancem, precisam receber constantes informações sobre seu progresso e as necessidades de melhoria.  Após a realização das atividades, merecem conhecer com que competência elas foram realizadas. Não bastam meias palavras, como: muito bem; ótimo; faça de novo; incompleto; parabéns. O que isso significa? Eles precisam saber em quais aspectos ainda não conseguiram avançar e como fazê-lo. O feedback não é feito por meio de notas. O que significa a nota 6? E a nota 9? Interessa saber o que ainda não foi aprendido. Aliás, é bom lembrar: ainda é uma palavra mágica quando se trata de avaliação formativa. Significa que, com orientação, todos avançarão.

Outro aspecto a considerar sobre o feedback: costuma ser confundido com devolutiva. Ele é mais do que isso: a simples devolução de provas ou a entrega de notas não significa que houve feedback.  

Será que assim entendida, a avaliação formativa pode ser praticada em aulas remotas? Sim, porque todas as atividades são avaliativas. Charles Hadji, professor francês, em seu livro Avaliação desmistificada, nos ensina que não há procedimentos/instrumentos próprios para a avaliação formativa. A intenção do professor é que a torna formativa.

Tenho preocupação com o fato de os estudantes, em situação de aulas remotas emergenciais, terem de receber notas e poderem ser reprovados. Qualquer tipo de classificação, como notas e reprovação, são questionáveis no trabalho pedagógico presencial. Em aulas remotas isso se agrava. Será que as experiências pelas quais estamos passando nos levarão a repensar a avaliação na escola?

Não defendo a aprovação automática. Não é disso que falo. Ao nos posicionarmos em favor das aprendizagens e de uma avaliação que a apoie, não podemos aceitar que os estudantes avancem nos anos escolares sem aprender. Estaríamos ferindo o princípio da inclusão, que não significa apenas estar dentro da escola, mas, também, ser beneficiado por ela. O abandono de recursos classificatórios possibilitará a organização de um autêntico trabalho pedagógico, isto é, voltado exclusivamente para a conquista das aprendizagens por todos.

Pensemos agora com carinho na avaliação formativa durante as aulas remotas emergenciais, em desenvolvimento no momento. Digo com carinho porque ela poderá ser de grande valia. Fomos pegos de surpresa e não nos preparamos para enfrentar tal situação. Como ponto de partida, pensemos nos seus princípios. Como fica a inclusão? Que providências tomar para que as aprendizagens de todos se efetivem? Sabemos que há um grande número de estudantes sem condições de acesso à internet e a um computador ou celular. Esta constatação já é um exemplo de exclusão. Como avaliar as aprendizagens dos que estão acompanhando as aulas, na perspectiva da inclusão? Por meio de quais atividades? Muitas vezes nos preocupamos com procedimentos avaliativos: as atividades desenvolvidas é que serão avaliadas. Cada professor/a criará as mais adequadas ao seu componente curricular. Uma atividade que poderá contribuir é a autoavaliação, se praticada devidamente, isto é, sem atribuição de nota pelo estudante e pelo professor, respeitando a individualidade dos estudantes, e sem divulgar as informações por eles fornecidas. Além disso, não será um meio de avaliação da pessoa do estudante. Que isso fique bem claro. Inicialmente, um roteiro poderá ser encaminhado pelo/a professor/a. Mas, o ideal é que, com o tempo, o estudante escreva livremente. Uma ocasião uma estudante do Curso de Pedagogia me disse que eu não deveria ler sua autoavaliação por ser de seu foro íntimo. Disse-lhe tratar-se de um recurso pedagógico no qual ela não deveria incluir informações que não pudessem ser lidas por mim. Vejam, é uma oportunidade de discutirmos com nossos estudantes o papel dos diferentes procedimentos de avaliação.

A observação é um dos meios que favorecem a avaliação formativa. Se a falta de convívio com os estudantes a torna limitada, o que pode ser observado e como, para que eles se sintam seguros e acompanhados?

Pensemos, também, nas singularidades da avaliação dos estudantes em cada etapa/modalidade de ensino/componente curricular. Além das atividades que desenvolvem, quais outras são específicas em cada situação? Por exemplo: o que é próprio da educação infantil, da socioeducação, da educação profissional, da EJA etc?

Como oferecer feedback em cada situação? Há informações gerais que podem ser dirigidas a todos. De que forma isso poderá ser feito? E as individuais?

Detectadas as necessidades dos diferentes estudantes, como oferecer as intervenções? Este é um grande desafio. Certamente, serão criadas maneiras condizentes com cada etapa/modalidade de ensino.

Atividades em pares são benéficas nesse momento porque promovem interação e colaboração. Os estudantes são criativos e têm facilidade de usar os recursos da internet. Podem atuar junto aos professores para o desenvolvimento de atividades interessantes.

Que tal a construção de portfólios pelos estudantes? É uma atividade dinâmica, criativa e prazerosa.

A construção de registros reflexivos também é apropriada. Constituem-se de anotações ou narrações sobre aprendizagens desenvolvidas, aspectos considerados relevantes, articulações entre os estudos realizados. Apresentam várias vantagens, dentre elas: como o nome indica, favorecem a reflexão; constituem oportunidade para a escrita; compartilham experiências; sistematizam observações recolhidas. Em cada situação eles cumprem objetivos próprios. Os registros podem ser feitos por estudantes de qualquer idade.

Registros reflexivos e autoavaliação se complementam. Um favorece o outro. Quando o portfólio é adotado, ambos poderão nele ser incluídos.   

O que os diferencia da autoavaliação é que esta permite aos estudantes avaliarem como estão aprendendo e até mesmo criarem seus próprios objetivos. É um recurso pontual de avaliação. Os registros reflexivos se referem aos saberes/conteúdos em desenvolvimento. Podem ter como referência um tema ou uma unidade. Possibilitam a organização, a formulação e a escrita de ideias.   

Antes de finalizarmos esta conversa, deixo uma reflexão: quando as aulas presenciais forem retomadas, o processo de aprendizagem e o de avaliação terão continuidade, não devendo simplesmente “fazer parte do passado” e serem esquecidos. É importante que não se crie um hiato. O processo de avaliação terá de ser retomado. Professores e estudantes estão trabalhando muito durante as aulas remotas. Não será um esforço perdido, mas um período que propiciará muitas análises e revisões. A escola não será a mesma depois disso. Muitas lições estão sendo aprendidas.

E para finalizar, faço uma sugestão aos colegas que estão atuando em aulas remotas: mantenham um registro geral de todo o processo avaliativo durante a pandemia. Como pesquisadores da sua prática, organizem um portfólio com tudo que forem coletando. Vocês terão um rico material para divulgação ou publicação. Estamos vivendo uma experiência inusitada. Coube a vocês serem os protagonistas de parte dessa história.      

 

Não é hora de aprovar nem de reprovar estudantes

Benigna Villas Boas

A Circular n.º 240/2020 – SEE/SUBEB,  de 12 de setembro de 2020, da Subsecretaria de Educação Básica, da Secretaria de Educação do DF, trata da reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da pandemia da Covid-19.

A referida circular determina que os/as estudantes que não frequentaram as aulas nos 20 dias letivos presenciais, não acessaram a plataforma ou outros meios, nem foram atendidos por meio de materiais impressos, a partir do dia 13/7/2020, tenham como resultado final registrado no Diário de Classe “Reprovado/Não Apto (NA)”. Isso significa que esses(as) estudantes não estarão aptos a progredir para a etapa/segmento/ semestre/módulo seguinte.

Os (as) estudantes que frequentaram os dias letivos presenciais ou acessaram a plataforma ou outros meios ou que foram atendidos por meio de materiais impressos, a partir do dia 13/7/2020, independentemente do número de dias ou acessos/vezes, terão como resultado final, registrado no Diário de Classe, “Aprovado/Apto (A)”, ou seja, estarão aptos a progredir para a etapa/segmento/semestre/módulo seguinte.

A circular orienta, ainda, que a organização do trabalho pedagógico no semestre seguinte leve em conta a “progressão continuada das aprendizagens”, ou seja, o “planejamento das atividades terá como prática inicial os conhecimentos prévios e os objetivos de aprendizagens alcançados por cada estudante.

A Secretaria de Educação esquece que ela mesma, por meio de suas diretrizes, assumiu o desenvolvimento da avaliação formativa em suas escolas, com vistas à construção das aprendizagens por todos os estudantes. Nesse momento único que estamos vivendo, não cabe aprovar nem reprovar estudantes. Não cabe rotular nem classificar. Não sabemos quando as escolas voltarão a desenvolver o trabalho tal como vinham fazendo. Por isso, não cabe tomar decisões precipitadas. Os documentos de registro escolar podem esperar.

Os estudantes e suas famílias estão fragilizados e precisam de apoio. Não estão em condições de receber vereditos. Cuidemos das aprendizagens possíveis de serem construídas, sem instalar mais angústias e apreensões. Cabe à escola ser educadora e não, destruidora. A avaliação tem uma história de opressão. Não deixemos que esse sentimento tome conta dos estudantes e seus pais/responsáveis.

A escola terá de reorganizar seu trabalho quando voltar a receber todos os estudantes. Antes disso, toda decisão será prematura e angustiante. Esqueçamos a burocracia.

Saibamos tirar lições da pandemia que assola o mundo e o Brasil.

 

Curso sobre avaliação formativa em desenvolvimento pela EAPE

Cristhian Spindola Ferreira

A Escola de Aperfeiçoamento de Profissionais da Educação, da Secretaria de Educação do DF, vem desenvolvendo o curso Avaliação formativa: princípios, processos e instrumentos, em formato online. São 80h, das quais 40 de forma direta, isto é, por meio dos encontros síncronos no Google Meet, e 40 de forma indireta, por meio da realização das atividades inseridas no Ambiente Virtual de Aprendizagem (Plataforma Moodle). As atividades tiveram início no dia 24/08/2020, estando seu término previsto para o dia 13/11/2020.

O curso tem como objetivo geral a compreensão dos aspectos que fundamentam e norteiam a avaliação formativa como elemento da organização do trabalho pedagógico para as aprendizagens. Os objetivos específicos são os seguintes: compreender os conceitos e princípios da avaliação formativa; articular a avaliação formativa com os outros elementos da organização do trabalho pedagógico; compreender as características dos procedimentos e instrumentos de avaliação; relacionar o processo de avaliação para as aprendizagens com o registro documental; compreender a função da avaliação informal na avaliação formativa; desenvolver práticas de análises de dados articulando com o planejamento de intervenções avaliativas.

Levando em conta o período de pandemia da Covid – 19 pelo qual estamos passando e as aulas remotas emergenciais em desenvolvimento, o curso tratará, também, do processo avaliativo nesta modalidade. O curso utilizará várias ferramentas online como podcasts e entrevistas, assim como lives, que posteriormente serão disponibilizadas no Canal da EAPE e Estação EAPE.

Cabe salientar a importância da realização desse curso porque, além de a avaliação formativa ainda não ser compreendida por grande parte dos docentes, a sua prática em aulas remotas ainda é uma novidade que necessita de discussão.

Além desse curso, a temática da Avaliação Formativa está inserida em outras ações formativas da EAPE, como no percurso comum do Projeto Aprender Sem Parar, destinado a todas as etapas da Educação Básica.

 

Educação e pandemia

Educação e Pandemia: a avaliação em foco

Enílvia Rocha Morato Soares

Em entrevista ao periódico El País (apresentada ao final deste texto), Andreas Schleicher, diretor de Educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e principal responsável pelo relatório do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), aponta consequências do prolongado afastamento de crianças e adolescentes do ambiente escolar em função da crise do coronavírus, bem como para mudanças que deverão ser introduzidas nas escolas após o final do isolamento, visando dirimir os efeitos negativos decorrentes dessa ruptura.

Medidas adotadas na China e dificuldades enfrentadas na Espanha para o enfrentamento do problema, citadas pelo pesquisador para exemplificar suas ideias, potencializam preocupações diante do contexto brasileiro de avassaladoras desigualdades sociais e investimento em políticas que, se não as ignoram totalmente, desconsideram o fato de que esforços pessoais não são suficientes para superá-las. Na esteira dessa realidade caminha a educação. Distante de ser uma prioridade do atual governo e conduzida por ideais meritocráticos, desigualdades de aprendizagem tendem a se fortalecer com e a partir da quarentena, elitizando oportunidades de ascensão educacional e social.

Dentre as alternativas apresentadas por Andreas Schleicher para minimizar os efeitos da crise, destaco aqui a avaliação, uma vez que, segundo o próprio entrevistado, “educação e avaliação andam de mãos dadas”.

O termo “avaliação” é mencionado somente ao final da entrevista, o que não impediu que a temática pautasse grande parte das respostas do interlocutor. A função formativa da avaliação também não foi nominalmente citada como a mais adequada para que o ensino não se dissocie da conquista permanente de aprendizagens, deixando dúvidas quanto ao posicionamento do pesquisador a esse respeito, especialmente se considerada a oscilação de suas considerações.

Uma delas diz respeito à importância da manutenção da avaliação em tempos de isolamento.  Ao afirmar que a avaliação é “uma forma de conseguir que os alunos não se desconectem”, Andreas Schleicher sugere o uso dessa prática como meio de coerção para a manutenção dos estudos. Mesmo quando ressalta a necessidade de uma avaliação que possibilite aos professores “acompanhar a evolução do aluno”, uma vez que, “se não fizerem isso, […] se tornarão cegos”, não faz referência aos movimentos que devem suceder às percepções desveladas visando promover avanços, característicos de um processo avaliativo formativo.

A defesa da função formativa da avaliação pode, no entanto, ser percebida quando o entrevistado repudia a reprovação, afirmando ser ela “a pior solução” em tempos de pandemia e atribuindo aos sistemas educacionais a tarefa de “encontrar a forma de redobrar seus esforços e analisar como os alunos com menos recursos em casa podem continuar aprendendo”. A avaliação formativa é parte indissociável dessa dinâmica, seja por parte dos sistemas educacionais que precisarão avaliar os diferentes contextos visando adotar medidas que permitam atender a todos, indistintamente; seja por meio das escolas e de seus educadores que deverão atentar-se para as particularidades de cada estudante, visando assisti-los em suas necessidades. Trata-se, portanto, de um processo que descarta a classificação de estudantes, válido, a meu ver, não só para tempos de afastamento social, mas sempre que prevalecer o desejo de democratizar saberes.

O trabalho colaborativo entre os docentes, viabilizado e retroalimentado, entre outras coisas, por avaliações sistemáticas do trabalho pedagógico realizadas na e pela escola, é também destacado por Andreas Schleicher para o enfrentamento da crise. O pesquisador assegura que, em momentos como o que estamos vivendo, o professor “não tem como resolver os problemas sozinho, só em equipe”.  É preciso, segundo ele, “fomentar a cultura colaborativa e não estar esperando instruções dos Governos, e sim assumir a responsabilidade da situação e contatar colegas para lançar medidas inovadoras”.

Embora a solidariedade e o espírito cooperativo entre professores seja uma necessidade que se acentua em momentos de distanciamento social, colocar nas mãos dos professores a responsabilidade de, unilateralmente, “lançar medidas inovadoras”, significa minimizar, ou mesmo isentar o Estado da responsabilidade de buscar meios para assegurar a todos o direito inalienável de aprender. Sem desconsiderar a distinção do papel do professor para o alcance desse propósito, a complexidade do processo educativo envolve ações que extrapolam o âmbito das escolas, demandando do poder público, a adoção de medidas que viabilizem e fomentem iniciativas locais.

As contradições presentes na fala do entrevistado, oriundas, possivelmente, do trabalho que realiza junto à OCDE, que induz a uma sinonímia entre exames externos e avaliação, não diminui o valor de análises que sugerem formas de condução do trabalho escolar durante e após a pandemia. Diferentes abordagens nessa direção são necessárias e devem ser meticulosamente analisadas, uma vez que esse período certamente deixará marcas e o caminho a ser trilhado determinará os novos rumos da educação.

Independentemente das decisões definidoras desse percurso, tornar a escola uma instituição com potencial de “maior igualador social”, conforme defendido por Andreas Schleicher, depende, em grande parte, de processos avaliativos que possibilitem a construção e a condução de um trabalho pedagógico colaborativo e promotor de aprendizagens emancipadoras. Vencer os desafios impostos por uma realidade social fortemente marcada pelo individualismo e pela competitividade, que influencia o trabalho escolar, condenando “desavantajados” a assim permanecerem, se apresenta, portanto, como obstáculo a ser superado. A imprescindibilidade da educação escolar nesse processo reforça a necessidade de buscar meios de minimizar os efeitos da pandemia. Avaliar formativamente está, certamente, entre eles.

Entrevista:

El país – 23/04/2020

Pandemia de coronavírus

“Professores terão que mudar seu jeito de ensinar depois da quarentena”

Andreas Schleicher, principal responsável do relatório PISA da OCDE, considera que o custo social do fechamento das escolas pela pandemia é dramático Andreas Schleicher (Hamburgo, 55 anos), diretor de Educação da OCDE e principal responsável pelo relatório PISA ―que mede o nível de conhecimento dos alunos de 15 anos de 75 países em ciências, matemática e leitura― acredita que a pior consequência do fechamento das salas de aula pelo coronavírus é o desaparecimento durante meses do maior igualador social: a escola. Na sua opinião, é o único lugar onde todas as crianças recebem o mesmo tratamento, independentemente da situação pessoal que cada um tenha em casa. “Ali veem outra forma de pensar, de agir e até de andar… Aprendem o conceito de responsabilidade social.” Por isso, seu maior medo é de uma fratura da “fábrica social” em que os colégios se transformaram. Pergunta. Um dos últimos estudos da OCDE indica que um em cada 10 estudantes não têm uma mesa de estudos em casa.

Qual é a melhor solução para os alunos mais desavantajados? É passar de ano com o resto de seus colegas? Resposta. É uma pergunta complicada. Acho que fazer os jovens repetirem o ano é provavelmente a pior solução, porque, além de perder um ano, vai estigmatizá-los. Os sistemas educacionais devem encontrar a forma de redobrar seus esforços e analisar como os alunos com menos recursos em casa podem continuar aprendendo. Há uma grande espera depositada nos professores, e são eles os que têm de agir como mentores, inclusive dos trabalhadores sociais, e se manterem em contato permanente com seus alunos. P. Pode ser problemático que em setembro [início do ano novo letivo na Europa, após a atual quarentena] as salas de aula se encontrem com uma proporção elevada de alunos que não assimilaram bem os conhecimentos do curso anterior?

R. Em setembro o ambiente de aprendizagem e o ambiente das salas de aula serão mais diversos que em qualquer outro ano. Haverá alunos que voltarão entusiasmados, com muitas aprendizagens on-line que os terão enriquecido, graças ao apoio de suas famílias. Outros chegarão desmotivados, e esse é o desafio: aumentar o reforço escolar para essas crianças. P. A reabertura das escolas ocorre a diferentes velocidades na Europa. Os especialistas insistem em que a cada mês a desigualdade cresce exponencialmente.

R. O custo social do fechamento das escolas é dramático. Diferentes pesquisas mostram que não é a cada mês, e sim a cada dia. Inevitavelmente, a lacuna de desigualdade vai aumentar, e precisamos encontrar fórmulas para mitigá-la: os alunos terão que dedicar mais horas ao estudo, será preciso envolver as famílias… Não há uma resposta clara. As famílias com mais recursos poderão compensar com aulas extracurriculares pagas do seu bolso. O que as famílias querem para seus filhos é o que o Governo terá que assegurar para todos. P. Levando-se em conta a crise econômica que está começando, é realista pensar que os Governos vão priorizar o orçamento educacional para assegurar esse reforço?

R. O futuro dos nossos países depende da educação; as escolas de hoje serão a economia de amanhã. Desde que começou a pandemia, o caso da China me impressionou. Uma das suas prioridades foi a educação. O Governo lançou uma plataforma gratuita de aprendizagem na nuvem com 7.000 servidores e 90 terabytes de banda larga, que permite que 50 milhões de alunos se conectem simultaneamente. Apostar na educação é uma decisão que toda nação deveria tomar.

P. É uma questão de dinheiro ou de vontade política?

R. Efetivamente, essa medida custou muito dinheiro, e grande parte dele foi doado por companhias tecnológicas. Há dois pontos de partida que são importantes. Desde o primeiro dia, todos os professores na China se envolveram com o uso dessa plataforma. Não se limitaram a dizer aos alunos que a usassem, como, além disso, telefonaram diariamente para eles a fim de entender claramente suas necessidades. Prestou-se muita atenção aos alunos sem possibilidade de acessar a Internet, que receberam livros didáticos e materiais, dentro de um plano organizado pelas escolas. P. Por que em países como a Espanha e a França não se tentou lançar esse tipo de plataformas, se as já existentes não têm capacidade suficiente? R. O Governo espanhol tem feito um grande esforço para usar ferramentas digitais e tem agido bem na busca por aliados da indústria tecnológica. Acredito que o mais difícil para eles tenha sido envolver os docentes, é aí onde provavelmente os esforços devem ser concentrados, em conseguir que os professores sejam parte ativa nesta mudança. O ensino on-line será crucial no futuro do ensino, os professores deveriam se esforçar mais.

P. Qual é sua recomendação para que o trabalho nestes dias seja eficiente?

R. Como professor, neste momento você não tem como resolver os problemas sozinho, só em equipe. Nisso a Espanha tem muito trabalho a fazer. Segundo os resultados do relatório Talis, os docentes espanhóis estão entre os que menos colaboram entre si, trabalham de forma isolada em sua sala de aula. Só 24% declaram participar de uma rede de colaboração para desenhar planos de docência ou compartilhar material pedagógico, frente aos 40% de média dos países da OCDE. É importante respeitar a autonomia dos docentes, mas neste momento é preciso fomentar a cultura colaborativa e não estar esperando instruções dos Governos, e sim assumir a responsabilidade da situação e contatar colegas para lançar medidas inovadoras. Os líderes de cada escola têm que se conectar aos professores, criar comunidades e comitês entre diferentes colégios. Um dos resultados do PISA é que 50% dos professores em escala mundial não se sentem cômodos com o ensino digital.

P. Os dados do Talis dizem que apenas 59% dos diretores desenvolvem ações para conseguir a colaboração entre docentes. Quem deve mandar essa mensagem? R. A crise amplifica a necessidade de estarmos conectados. Essa mudança deve partir da própria comunidade educativa. Os bons líderes não estão nos gabinetes decretando ordens, estão envolvidos na solução, de forma ativa. O Governo afinal está muito longe de ter um efeito sobre o que acontece nas salas de aula. Os professores na Espanha continuam muitos dependentes do que a Administração dita.

P. Os docentes deverão modificar sua forma de ensinar em setembro?

R. Absolutamente. O grande preço que vamos pagar pela crise não é só a perda de aprendizagem, e sim os jovens afetados pela insatisfação, pela decepção e que perderam sua confiança no sistema educativo. [As escolas] terão que escutar mais, detectar a necessidade de cada um e desenhar novas formas de aprendizagem para se encaixar em diferentes contextos pessoais. Não se pode voltar como se nada tivesse acontecido.

P. Como se deve avaliar durante o confinamento? R. Devemos realizar a máxima avaliação possível. Educação e avaliação andam de mãos dadas. Quando você está na escola, sabe como cada estudante está evoluindo, mas, quando não os vê dia a dia, é preciso usar ferramentas on-line para ver se ele está aprendendo. Sou muito otimista e acredito que podemos ser muito criativos com novos formatos de avaliação. P. Deve-se manter a avaliação nestes meses de confinamento, ou focar o apoio emocional?

R. Talvez seja preciso mudar a natureza da avaliação, mas insisto em que é importante mantê-la para poder acompanhar a evolução do aluno. Se não fizerem isso, os professores se tornarão cegos, e também é uma forma de conseguir que os alunos não se desconectem.

P. Você criticou que não haja uma maior colaboração público-privada para confrontar a crise educativa pela covid-19.

R. A inovação educacional exige a colaboração entre o público e o privado, e na Espanha há uma cultura de confrontação entre o público e o privado. Parece que a educação é só coisa do Governo, e é preciso que a sociedade se envolva e contribua com ideias criativas. As empresas também têm que tomar partido e propor soluções, por exemplo, para as práticas dos alunos de Formação Profissional. O futuro do país depende de como se administre esta crise educativa.

 

Avaliação como articuladora da emancipação humana

Avaliação como articuladora da emancipação humana

Dra. Sílvia Lúcia Soares

Na educação, o termo avaliação tem assumido significados diferentes, em momentos históricos distintos, na busca incessante de resposta para questões estruturantes de seu percurso, tais como: o que avaliar; para que avaliar; quem é avaliado; como avaliar; quando avaliar; o que fazer com os resultados obtidos.  No entanto, muitas das vezes, as respostas as essas indagações tornam-se dependentes das idiossincrasias de quem a utiliza, da finalidade a ela atribuída ou ao juízo de valor que se emite sobre o sujeito avaliado. Continue lendo “Avaliação como articuladora da emancipação humana”

 

O PODER EMANCIPADOR DA AVALIAÇÃO

                               O PODER EMANCIPADOR DA AVALIAÇÃO

Enílvia Rocha Morato Soares

Doutora em Educação pela UnB

Integrante do Grupo de Pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico – GEPA

           

Parece ser senso comum associar avaliação a poder. Quando acontece no campo educacional, diz-se que o poder da avaliação está centrado no avaliador que, na maioria das vezes é o professor e ou demais profissionais da educação que atuam na escola, podendo eles decidirem sobre o destino escolar dos estudantes. Assim entendida, a avaliação se desvela mecanismo que confere, a quem avalia, poder suficiente para julgar e definir quem está apto a prosseguir, ou seja, quem terá o direito de continuar aprendendo. Aos considerados inaptos, resta a alternativa de redobrar esforços para tentar, sob condições semelhantes (conteúdos trabalhados da mesma forma como quando não foram aprendidos) ou ainda piores (em menor tempo e paralelo ao ensino de novos conteúdos), aprender o que não foi aprendido ou, pelo menos, não foi percebido como tal pelo avaliador. Continue lendo “O PODER EMANCIPADOR DA AVALIAÇÃO”

 

A avaliação formativa e a realidade das salas de aula

 

A avaliação formativa e a realidade das salas de aula

Enílvia Rocha Morato Soares

Não é necessariamente uma novidade afirmar que avaliar formativamente requer o olhar atencioso, a observação sistemática e a análise rigorosa do professor sobre o desempenho de cada estudante, a fim de que seu trabalho seja organizado e desenvolvido em atendimento às demandas evidenciadas. A essa retórica não há grandes contestações. Uma prova disso é a inserção desse discurso em grande quantidade de documentos que orientam o trabalho pedagógico das escolas que compõem diferentes redes de ensino, bem como sua incorporação por parte da maioria dos professores, mesmo quando suas práticas não coadunam com tais entendimentos. Continue lendo “A avaliação formativa e a realidade das salas de aula”

 

DISCIPLINA E AVALIAÇÃO FORMATIVA: um diálogo possível

DISCIPLINA E AVALIAÇÃO FORMATIVA: um diálogo possível

Enílvia Rocha Morato Soares

Para além da historicidade que condiciona o comportamento humano, é no meio social onde vive que o homem constrói sua identidade, incorporando conhecimentos e, ao mesmo tempo, criando novos modos de agir. A aprendizagem de normas, regras, preceitos e valores, formal ou informalmente instituídos, ocorre por meio da educação que se faz presente nas mais diferentes esferas da vida social, entre elas, na escola. Continue lendo “DISCIPLINA E AVALIAÇÃO FORMATIVA: um diálogo possível”