NOVO ALUNO OU NOVO ESTUDANTE?

Novo aluno ou novo estudante?

Publicado em 12/09/2015 por Luiz Carlos de Freitas no blog do Freitas

Esta semana estivemos no Educação 360, evento promovido pelas Organizações Globo. O tema de nosso debate com o Prof. Mozart Ramos Neves do Instituto Airton Senna, mediado por Antonio Gois, jornalista de O Globo, foi: “Novo aluno, velho aluno: o papel das competências socioemocionais”.

Antes de nosso debate, como cheguei antes, assisti a bela exposição do pessoal da Finlândia sobre as reformas educacionais naquele pais: coisa de dar inveja. Uma frase lapidar ante perguntas sobre avaliação que rolaram logo após sua exposição e que foi dita pela expositora: “Nós não inspecionamos nossas escolas”.

A linha geral de análise que pude desenvolver nos 20 minutos disponíveis, nem sempre de forma clara, foi a seguinte:

  1. A discussão sobre um novo aluno não deve ser feita por contraposição “velho aluno – novo aluno”, mas sim entre “velho aluno – novo estudante”. Isso é importante, pois não devemos transferir as características do velho aluno para o novo, ou seja, não podemos transferir a posição passiva que ele ocupa no interior da sala de aula para a nova formatação. Temos que mudar o papel do aluno e transformá-lo em um estudante. Daí a contraposição “velho aluno – novo estudante”.
  2. O segundo aspecto é que não podemos discutir o novo aluno, sem discutir um novo professor. A escola não é um prédio, como dizia Shulgin, é uma relação. São as relações que promovem a aprendizagem. A principal delas é a que ocorre entre o professor e o estudante. Ambos devem converter-se em estudantes. O que os diferencia é o grau de conhecimento e experiência – e não a autoridade de um sobre o outro, valendo-se da avaliação.
  3. Mudar esta relação, ou seja, introduzir novas formas de ensinar e aprender, implica em negar as funções sociais históricas que a escola teve até agora, ou seja, a função de excluir e subordinar os alunos aos professores no interior do local preferido de realização da atividade pedagógica na escola atual: a sala de aula isolada da vida.
  4. Tais funções sociais antigas, devem ser substituídas por funções sociais novas, ou seja, conectar a escola com a atualidade e promover a auto-organização dos estudantes.
  5. Acontece que a escola, ao atualizar as funções sociais antigas pelas novas, promove o conhecimento da realidade e das suas contradições e com isso conscientiza sobre os problemas da atualidade. Isso nem sempre é interessante para o sistema. Portanto, desde os tempos de Dewey a escola vive esta esquizofrenia: entende que precisa conectar-se com a vida, mas resiste a fazê-lo pois com este passo, abre a escola para os problemas da vida e a conscientização do estudante. A escola sempre procurou, antes de colocar o aluno em contato com a vida, controlar o que ele pensava, dar a ele uma “explicação” sobre o mundo de forma a direcionar sua consciência sobre a realidade.
  6. Como o advento da informatização e dos dispositivos móveis, a escola sente-se, agora, ameaçada. O professor não é mais a única porta de acesso à informação. Além disso, as novas tecnologias empresariais exigem que o aluno tenha uma visão mais abrangente, mais “conectada”, mais abstrata, mais interdisciplinar. Mas tudo isso significa perder controle sobre a constituição da interpretação de mundo do aluno. Na medida em que mais informação se conecta, mais difícil mascarar e controlar a interpretação da vida.
  7. A escola, cobrada pela evolução das tecnologias e novas formas produtivas inevitáveis para a organização da produção, precisa formar o novo trabalhador, mas precisa, ao mesmo tempo, não perder o controle do processo educativo, da formação da visão de mundo do aluno. Solução: aumento de controle sobre a escola.
  8. O aumento de controle se expressa no professor como apostilamento, pagamento por bônus, perda de direitos trabalhistas que o colocam à disposição do empregador, ensino por protocolos, credenciamento, exames e simulados. Em relação ao aluno, se expressa na forma de implementação de formas de controle mais sofisticadas entre as quais se incluem as habilidades socioemocionais e os exames. Trata-se de valorizar determinados traços que facilitam o trabalho da escola e a recuperação do controle do aluno, entre eles, a “cooperação”, a resistência ao fracasso, docilidade e adequação à escola. O aluno “bem comportado”.
  9. No entanto, sobrevém a contradição, aumentar o controle sobre os atores, reforça as relações de poder antigas já existentes na escola e acaba por inviabilizar as pretendidas mudanças nas formas de ensinar e aprender. Eis aí, a fragilidade do documento do Mangabeira no Pátria Educadora. É um mudar para não mudar.
  10. Esta é uma das facetas importantes da crise da escola. Ela não é de fácil solução, pois esbarra em uma contradição entre a necessidade de mudar para atender a evolução da vida, e a necessidade de controlar ideologicamente o aluno e formá-lo segundo relações de poder unilaterais, antigas. Abrir mão destas relações antigas, seria correr o risco de permitir que o novo estudante, “estudasse a vida” e suas contradições. Mas os seres humanos, quando no interior das contradições, costumam assumir posições e podem se converter em lutadores que pretendem novas relações. Isso é perigoso para quem detém o controle do sistema (não falo de governos).

Eis aí um pouco da lógica pretendida naquele debate. A apresentação que fiz, premida pelo tempo, nem sempre revelou claramente esta linha de análise. Mas deixo aqui como uma contribuição adicional.

 

 

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