Notas: para quê? Uma discussão que não pode ser adiada

 

Notas: para quê? Uma discussão que não pode ser adiada

Benigna Maria de Freitas Villas Boas

Novo ano letivo iniciando. Hora de dar continuidade ao planejamento do trabalho pedagógico. Refiro-me à continuidade porque as informações coletadas no ano anterior não são engavetadas. São aproveitadas. A avaliação é um componente crucial desse processo porque é o ponto de partida da organização do trabalho pedagógico, acompanhando todo o seu percurso, o concluindo e oferecendo elementos para a sua retomada. Costumamos discutir vários aspectos relacionados ao trabalho escolar e à avaliação, mas em um deles não tocamos: o uso de notas. Qual a razão de insistirmos na sua adoção? Por que perduram há tanto tempo?

Por isso, é oportuno comentar brevemente um estudo realizado nos Estados Unidos sob a coordenação de Susan Brookhart e Thomas R. Guskey (2019), sobre o uso de notas. Eles reuniram um grupo de renomados professores para sintetizar pesquisas sobre notas, realizadas nos últimos 100 anos. Como se pode perceber, pesquisar o uso de notas em 100 anos demonstra quão importantes têm sido no trabalho escolar.

Os autores ressaltam que todas as pessoas que passaram por escolas receberam notas e muitas delas guardam lembranças desagradáveis. Isso deve continuar? Por quê? Notas, para eles, podem ser letras, números, palavras, figuras ou qualquer descritor para diferentes níveis de desempenho.

Vejamos alguns achados das pesquisas:

– a maioria dos professores incluía aspectos não relacionados ao desempenho, para comporem a nota, como: habilidade, esforço, avanço, conclusão de trabalhos, cumprimento dos deveres de casa, comportamento, hábitos de trabalho, participação, comparações entre os estudantes, créditos extras, atitudes. Esforço e comportamento foram os itens mais citados;

– as escolhas dos professores se baseavam em suas crenças e valores. Alguns atribuíam notas levando em conta apenas o desempenho, enquanto outros misturavam diferentes práticas;

– em alguns casos, esforço e conduta eram registrados separadamente do desempenho;

– os professores primários, de modo geral, concebiam o uso de notas como um processo de comunicação com os estudantes e pais, assim como um meio de diferenciar os estudantes. Os professores secundários acreditavam que elas serviam como controle e gestão da turma. Enfatizavam o comportamento dos estudantes e a conclusão das atividades. Aí está presente a desigualdade de tratamento aos estudantes.

O esforço do estudante, representado pela participação, pelo cumprimento dos deveres de casa, pelo comportamento, pela conclusão de trabalhos e outros indicadores, apresentou-se como o elemento chave da atribuição de nota. Esta foi considerada importante pelos professores para alavancar o desempenho e a motivação. Nota-se a presença da coerção.

Os autores observaram que o julgamento do professor está no coração da atribuição de nota, realizada segundo seu estilo de ensino e seus valores e crenças. Os resultados das pesquisas sugerem que notas são frequentemente vistas como uma forma de feedback para os estudantes. Contudo, indagam: o feedback que o professor oferece é o que os estudantes percebem? O sentido que eles dão às notas é o mais importante. Os professores precisam conhecer como eles as interpretam – a mensagem por elas transmitida, o seu significado para a aprendizagem e o seu efeito na motivação.

Os resultados das pesquisas sobre o uso de notas, realizadas nos Estados Unidos, parecem coincidir com o que presenciamos nas nossas escolas da educação básica e superior e nos conduzem a várias reflexões, que passo a elencar. Notas dão a dimensão pelo menos aproximada das aprendizagens construídas pelos estudantes? Indicam em que precisam avançar? Quais mensagens elas lhes transmitem e a seus pais? Um 10 revela que eles aprenderam o que era esperado? Um 5, um 7 ou um 8 significa que eles deixaram de aprender o quê? A combinação de aprendizagens e esforço, participação, comportamento, frequência e outros ingredientes forma uma salada na qual não se distingue em que o estudante se saiu bem ou não. E pior: listagens das notas por turmas, disciplinas e escolas demonstram o quê?

Pensemos: a atribuição de notas conduz à classificação entre turmas, entre estudantes e à classificação do estudante consigo próprio. Que significado tem para ele o rol de notas durante um ano letivo? Ele se sente animado ou desanimado para prosseguir?

Integrar à nota elementos como esforço, participação, comportamento e outros dá margem para que alguns estudantes sejam beneficiados e outros, não, constituindo uma forma de exclusão.

Diante das considerações acima, cabe indagar: por que insistimos na adoção de notas? Uma resposta que costumo encontrar: os pais exigem. Sim, eles também passaram por esse processo, querem perpetuá-lo, mas cabe à escola torná-los capazes de acompanhar as mudanças sociais e do mundo do trabalho.

Notas não condizem com a avaliação formativa, empenhada em que os estudantes aprendam. Mas, atenção! Enquanto não conseguimos aboli-las, podemos pôr em prática os preceitos da avaliação formativa, para que possamos, colaborativamente, construir o caminho claro e justo de informação da situação de aprendizagem de cada estudante. Escola é local de movimento, de constante atualização, de pensar o agora e o futuro e não, de estagnação.

Referência

Guskey, Thomas R. Brookhart, Susan M. (orgs). What we know about grading: what works, what doesn’t, and what’s next? Alexandria, VA: ASCD, 2019.

 

 

 

 

 

 

 

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