Ahh!! Estes críticos intolerantes!

Publicado em 01/02/2023 por Luiz Carlos de Freitas, no blog do Freitas

O Ministro da Educação concedeu uma entrevista para a Veja. O resumo da entrevista, na visão de Veja, está na frase “Ministro afirma que, para o país virar a página do mau ensino, é preciso pacto nacional movido a metas, meritocracia e mais dinheiro, este um grande desafio”. Eis os ingredientes do sucesso do governo Lula na educação: metas, meritocracia e dinheiro.

Leia entrevista aqui.

Os que se detiveram a analisar a experiência cearense, que agora deverá ser difundida institucionalmente via MEC para todo o país, sabem da proximidade das Fundações e ONGs na educação naquele estado. O próprio Veveu do PT, ex-prefeito de conhecida cidade, Sobral, sempre apresentada como cartão de visita inclusive pelas Fundações, dirige uma ONG que faz assessoria educacional. Foi sua gestão municipal que impulsionou o modelo na cidade, tendo Izolda Cela como Secretária de Educação (a qual hoje é Secretaria Executiva do MEC e estudou com Manuel Palácios, também hoje no MEC como presidente do INEP). Já divulgamos (veja aqui) os vínculos de Veveu com a Fundação Lemann também.

A primeira constatação a ser feita da entrevista é que o Ministro desconhece o campo da educação. É somente um gestor que ouviu algumas teses gerencialistas, do tipo: bastam metas, meritocracia e dinheiro para resolver o problema da educação (que tal olhar para a experiência fracassada de meritocracia no Estado de São Paulo).

Claro, os reformadores empresariais jamais reconhecem que suas teses fracassam. Quando confrontaram G. Bush com o fracasso da “accountability” americana, ele respondeu: “faltou mais accountability”. Para o reformador empresarial, a “responsabilização” quando não funciona é porque foi mal feita. Como bem aponta Ravitch, a bonificação por desempenho, comum nas meritocracias, nunca funciona, mas é uma crença que nunca morre na educação.

Antevendo embates com os profissionais que entendem de educação, o ministro apressa-se em colocar antídotos, bem ao gosto do privatismo.

Primeiro, ante a colocação da Veja de que a Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação se manifestou contra o secretariado do Ministro dizendo que ele é afinado com instituições privadas, responde que isso não faz “nenhum sentido”, pois todos, como ele, “defendem e trabalham pelo avanço da qualidade. “Este tipo de crítica e um equívoco”, diz.

Para o Ministro, penso, só se privatiza quando se vende um bem público. Mas, quando se introduz a lógica gerencial nas escolas via Fundações, não. E pela lógica de setores do PT, quando se concede ou terceiriza serviços públicos para a iniciativa privada, também não se está privatizando, pois não está havendo venda.

Provocado a reagir sobre um possível embate com pessoal “das fileiras mais radicais e militantes da educação” responde:

“Precisamos desarmar as pessoas nestes tempos de polarização e parar para conversar. Diferenças existem e são salutares. O inadmissível é a falta de diálogo e a intolerância com quem não pensa rigorosamente igual a você.”

Mas, participação vai muito além de receber protocolarmente uma entidade para trocar pontos de vista respeitosamente. Significa criar mecanismos que permitam uma interação criativa. Mas, se o Ministro já definiu unilateralmente a política, pouco se pode fazer nesta direção.

O escudo para esta “participação protocolar” é a frase de sua entrevista: “as diferenças são salutares” mas sem “intolerância”.

Ocorre que a crítica está vindo de entidades acadêmicas, sindicais e científicas do campo da educação com longa experiência na análise da questão educacional e não de indivíduos isolados. Seria de se esperar que tais entidades fossem ouvidas na confecção da política educacional e não as teses de fundações ou entidades privadas. Aqui não pode haver simetria.

Preve-se, portanto, que, como o Ministro já tem uma  política educacional importada do Ceará, qualquer conversa é meramente protocolar e feita em nome de veicular as diferenças. Enquanto as Fundações têm livre acesso à formulação da política, via Ceará, as entidades educacionais podem opinar desde que de forma tolerante.

A entrevista também prepara um segundo antídoto à crítica: o debate, diz, não pode estar pautado pelo “filtro ideológico”. E aqui é que seu desconhecimento da área educacional se mostra pleno. A educação é pautada por finalidades educativas que inevitavelmente apontam para formas de ver e se comportar no mundo. É impossível não ter ideologia – a não ser como farsa e ocultação. Para evitar a ideologia, o Ministro recomenta seguir o que ouve das Fundações: “consultar as pesquisas e ouvir o que diz a ciência”, como se esta fosse neutra…

Enfim, é inócuo que se tente alterar o caminho escolhido pelo MEC sob a gestão Camilo. Ceará virou um modelo a ser seguido. Em suas palavras: “Vou pregar em prol dele em todos os estados, mostrando evidências científicas do que funcionou, dando estímulos e tentando dissolver o clima de polarização, que só atrapalha.” Ou seja, a crítica é admitida apenas para aprimorar o modelo Ceará. Mais que isso é radicalismo ideológico.

A experiência americana com esta política educacional é clara em suas consequências, como afirma Daniel Koretz em seu livro: The Testing Charade: Pretending to Make Schools Better.  Recentemente ele escreveu um artigo sobre o fracasso dos estudantes americanos tanto no PISA como em exames internos nos Estados Unidos. Para ele:

“O debate de rotina está em andamento sobre o quão ruim é essa notícia, mas esses argumentos geralmente perdem uma lição essencial: o movimento de reforma escolar dos EUA claramente falhou. É hora de enfrentar esse fracasso e pensar em novas abordagens para melhorar a educação.

Houve inúmeras reformas nas últimas duas décadas, mas no centro delas estão os esforços para pressionar os educadores a aumentar as notas nos testes. A ideia é enganosamente simples. Os testes medem coisas importantes que queremos que os alunos aprendam. Responsabilize os educadores por aumentar a pontuação e eles ensinarão mais as crianças. E, concentrando a responsabilização em grupos com baixa pontuação – na maioria das vezes, estabelecendo metas uniformes por meio de leis estaduais ou federais, como o No Child Left Behind ou Every Student Succeeds Act -, fecharemos as lacunas de desempenho. Infelizmente, esse conceito acabou sendo mais simplista do que simples, e não funcionou.”

Leia aqui.

E como diz H. L. Mencken: “Para todo problema complexo existe uma solução clara, simples e errada.”

E antes que os mais realistas do que o próprio rei queiram evitar esta crítica que faço ao Ministro argumentando que é muito cedo para criticá-lo, repito aqui as palavras de Lula ditas a sindicalistas em recente pronunciamento: “se ninguém reclama, então, conclui-se que está tudo bem”.

 

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