A RELAÇÃO DO AVALIADOR E DO AVALIADO: TERRITÓRIO DE PODER?

Por: Erisevelton Silva Lima (Professor e gestor escolar na SEEDF,  Doutor em Educação pela Universidade de Brasília-UnB)[1]

               A avaliação e, especialmente o clima que se instaura em torno dela, sempre foram alvos de críticas e receios quase sempre naturalizados por aqueles que avaliam ou detêm o poder sobre o uso da mesma. Enquanto isso, do outro lado da mesa os sujeitos avaliados ficam expostos, indefesos e muitas vezes oprimidos por causa da relação verticalizada de poder demarcadora daquele instante e dos seus efeitos. Freitas (2009) nos lembra que a avaliação abre ou fecha portas, isso parece simples e natural, mas não é. O que evoco para este texto diz respeito à postura do avaliador, que a meu ver será sempre uma questão ética, nem mais e nem menos. Por causa disso convido para nossa reflexão vossos olhares sobre a linha tênue que separa o conceito de autoridade da prática do autoritarismo quando o assunto é o poder que está implícito no ato de avaliar.

 Ao enfrentarmos o conceito estruturalista do poder trazido por Foucault (2008) nem minimizamos e nem ampliamos os efeitos do que produz a avaliação, o professor e o estudante só o são na escola e nas suas dependências; essas, quase sempre, demarcadas por datas, prazos e outros penduricalhos institucionais. A vida e seu cotidiano não só invertem os papéis, como destitui-nos deles quando o assunto é o que de fato se aproveita quando questionamos o que a escola ensina. Mesmo assim, encarar a avaliação seu uso e suas intencionalidades podem reverberar sobre nossas maiores inquietudes no campo relacional da escola e das suas teias sutis, principalmente quando o desejo é fazer obedecer. Atualmente, avaliar o avaliador ainda é terreno complexo e comprometedor, sob o qual paixões e disputas parecem não ter fim, se a avaliação não pode ser um fim em si mesma, isto deveria valer para os sujeitos que avaliam, concordam?

Ninguém coloca uma roupa nova e bonita e aguarda felicíssimo o momento de uma suposta avaliação, pode ser que após o resultado o faça, do contrário parece mais um rito de dor e sofrimento que não se pode fugir caso queira transpor um estado ou condição. As mitologias nos trazem inúmeros exemplos do que pode acontecer com quem não corresponde ao desejo do avaliador ou perguntador, qual seja: decifra-me ou te devoro. As lógicas que invadem essa relação são inequívocas, representam poder e o uso que se pode fazer dele. A reprovação em nosso caso, por mais ‘lógica’ que seja, é a esfinge da vez e da hora. Não vamos discutir sua validade ou não, apenas consideremos sua existência e o poder que dela emana. Arendt (2010), por exemplo, lembra-nos que a violência se converte numa estratégia ou metodologia que visa a garantia do domínio. E a escola, desde sua criação, usa de tal artefato para assegurar seus fins, se eles são bons ou ruins o tempo tem dado sinais A esta altura alguns podem questionar se poderia ser diferente. Algo poderia mudar? Existe outra maneira de fazer? É viável que alteremos trezentos anos de modus operandi da escola capitalista?

A resposta é sim, podemos e devemos fazer diferente. O avaliado não precisa ser exposto, o tratamento formal e informal que dispensamos pode e deve ser respeitoso. Os instrumentos não podem conter erros e armadilhas, as reais intenções e interesses dessa avaliação devem ser pautadas pela ética e pelo humanismo. Mesmo quando a avaliação se destina selecionar pessoas para um cargo ou emprego ela não precisa depreciar, diminuir ou expor os avaliados. Conduzir processos avaliativos de maneira acolhedora e transparente ajudam, inclusive, na aceitação dos resultados, quando nos sentimos injustiçados na forma, dificilmente aceitamos o resultado. Van Yperen (1998) em um estudo com profissionais da área de saúde constatou que quanto mais baixo forem os níveis de informação e equidade dispensados aos sujeitos, maiores são as incidências de estresse e exaustão emocional seja no trabalho ou numa relação de poder como ocorre com a avaliação. Por fim, o território, como bem definiu Santos (1996) não se impõe ou define pela materialidade de uma gleba ou cerca que o instituí, são as relações simbólicas e as práticas materiais que legitimam certas apropriações. No caso da avaliação ou o uso que dela se faz pode reificar os sujeitos transformando o campo do saber e do poder em ‘terrenos’ áridos e instransponíveis. Se a escola existe para garantir as aprendizagens de todos, estariam os usos dos processos avaliativos na contramão da função social da escola? O que seria uma avaliação ética e comprometida com as aprendizagens? O que seria uma autoavaliacao e uma avaliação por pares éticas e encorajadoras? Por que avaliar para as aprendizagens ao invés de ser uma avaliação, tão somente, da aprendizagem? O que são indicadores e critérios de avaliação? Como promover retornos, feedback, ou devolutivas éticas e encorajadoras?

Este texto é para iniciar a conversa.

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. Sobre a Violência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

FREITAS, Luiz Carlos de, (et all). Avaliação Educacional: caminhando pela contramão. Vozes, 2009.

FOUCAULT. Michel. Micro Física do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 2008.

VAN YPEREN, N. W. (1998). Informational support, equity and burnout: The moderating effect of self-efficacy. Journal of Occupational and Organizational Psychology71, 29-33. 


[1] Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal – SEEDF

 

Países do G20 destacam cuidados com o uso da inteligência artificial (IA) na educação em documento final aprovado por ministros da Educação do grupo. Para os países, que representam cerca de 85% de Produto Interno Bruto (PIB) global, as soluções digitais “precisam ser desenvolvidas com forte ênfase em padrões éticos, diversidade, equidade e inclusão, reconhecendo a importância de superar a divisão digital”.

JC Notícias – 30/10/2024

O trecho faz parte dos três parágrafos que foram acordados ao longo das discussões do Grupo de Trabalho (GT) em Educação. O texto será anexado à Declaração dos Líderes, que é o documento final das reuniões do G20, definido pelos chefes dos Estados-Membros.

O texto da educação também coloca como necessárias a educação e alfabetização digital e midiática, que, de acordo com os países, devem ser desenvolvidas “ao lado do pensamento crítico, aprendizado socioemocional, cidadania digital e outros temas importantes”.

Em um momento em que o Brasil e outros países discutem o uso da tecnologia nas salas de aula e as regras para o uso do celular no ambiente escolar, o documento do G20 ressalta: “Educadores e alunos precisam estar envolvidos no desenvolvimento de recursos digitais, que podem complementar o ensino presencial. A experiência do usuário tornou-se um elemento-chave para medir o sucesso nessa área, incluindo a extensão em que o conteúdo de qualidade é acessível e adaptável a diferentes contextos de conectividade.”

Além de tratar do uso da tecnologia, o documento traz também um parágrafo sobre a valorização dos professores. Estudos têm mostrado que menos jovens têm se interessado pela profissão, que corre um risco de “apagão” em alguns anos.

No documento, o grupo reconhece o papel essencial dos profissionais da educação e “convoca todos os envolvidos a continuar trabalhando para valorizar e garantir a inclusão na profissão docente”.

O texto também reconhece a preocupante falta de professores observada em muitos países: “Iniciativas que promovam recrutamento, retenção, melhores condições de trabalho e desenvolvimento profissional contínuo, incluindo oportunidades de mobilidade e intercâmbio, são vitais para enfrentar a preocupante escassez de educadores observada em muitos países do G20 e além.”

O terceiro parágrafo trata da importância do envolvimento da escola e da comunidade “catalisadores de uma educação universal inclusiva, equitativa e de qualidade, além de um desenvolvimento sustentável”. O assunto foi discutido na terceira reunião do GT.

Repercussões

Segundo o assessor especial para assuntos internacionais do Ministério da Educação (MEC), Francisco Souza, que coordenou o GT, a inteligência artificial não constava na pauta original do grupo de trabalho, mas se mostrou uma preocupação dos países. “Não quer dizer que ela é ruim, não, acho que isso também ficou muito claro no debate, ela é potencialmente algo muito interessante. Mas este momento que a gente vive, ainda inaugural, de entrar em contato com essa tecnologia sem uma regulação clara, é uma preocupação. Acho que essa é a palavra mesmo de vários países. E isso aparece nos parágrafos.”

Souza reconhece que ainda há muito para avançar no âmbito da educação, mas ressalta que os parágrafos transmitem mensagens importantes. “O parágrafo sintetiza o que foi o debate. Não é o parágrafo que vai resolver nenhum problema do mundo. O problema do mundo não vai ser resolvido ali brigando por uma vírgula ou um adjetivo. Isso é uma maneira que existe de os países comunicarem em conjunto determinadas mensagens.”

Neste ano, pela primeira vez a sociedade civil, que compõe o grupo chamado C20, pôde participar formalmente de espaços de decisão do G20. A coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda representou o C20 no GT em Educação.

Para ela, um resultado importante da discussão foi o avanço para uma agenda de direitos digitais e o compromisso de países que sediam grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs. “Para além de acesso à tecnologia e à internet, estamos olhando para a proteção de dados, estamos olhando para o uso ético de tecnologia e de inteligência artificial, o que é um passo bastante importante considerando que os países do G20 são os países que cediam as grandes corporações internacionais de tecnologia, as big techs, como a gente chama.”

Segundo ela, no entanto, faltaram discussões sobre questões financeiras, algo que o GT optou por não discutir. “Quando a gente fala de apagão de professores, quando a gente fala de infraestrutura e tecnologia, é uma infraestrutura cara para a educação, com certeza esse é um dos temas centrais, e isso não passou pela discussão”, ressalta.

Andressa Pellanda acrescenta: “Sempre se fala que a educação é pilar para o desenvolvimento, sustentável, a educação é porta para os outros direitos, que sem a gente investir em educação a gente também não vai conseguir crescimento econômico, se for para falar na linguagem do próprio G20. E, infelizmente, é um tema que fica muito à margem da discussão do G20.”

No discurso de encerramento da reunião ministerial, o ministro da Educação, Camilo Santana, defendeu um maior investimento na área. “Acho que a importância do GT de educação é a gente unir os países do G20 em torno da necessidade de lutarmos e defendermos o financiamento para a educação, que ainda está longe de ser o adequado para a maioria dos países do G20 e do mundo. A gente sabe que ainda há muitas desigualdades educacionais no Brasil inteiro”, ressaltou, em coletiva de imprensa. “Nós precisamos nos unir em torno da defesa desses países para o financiamento da educação no planeta”, concluiu.

Segundo ela, no entanto, faltaram discussões sobre questões financeiras, algo que o GT optou por não discutir. “Quando a gente fala de apagão de professores, quando a gente fala de infraestrutura e tecnologia, é uma infraestrutura cara para a educação, com certeza esse é um dos temas centrais, e isso não passou pela discussão”, ressalta.

Andressa Pellanda acrescenta: “Sempre se fala que a educação é pilar para o desenvolvimento, sustentável, a educação é porta para os outros direitos, que sem a gente investir em educação a gente também não vai conseguir crescimento econômico, se for para falar na linguagem do próprio G20. E, infelizmente, é um tema que fica muito à margem da discussão do G20.”

No discurso de encerramento da reunião ministerial, o ministro da Educação, Camilo Santana, defendeu um maior investimento na área. “Acho que a importância do GT de educação é a gente unir os países do G20 em torno da necessidade de lutarmos e defendermos o financiamento para a educação, que ainda está longe de ser o adequado para a maioria dos países do G20 e do mundo. A gente sabe que ainda há muitas desigualdades educacionais no Brasil inteiro”, ressaltou, em coletiva de imprensa. “Nós precisamos nos unir em torno da defesa desses países para o financiamento da educação no planeta”, concluiu.

A questão do investimento, apesar de aparecer no discurso do ministro, não fez parte do texto final, por não ter sido acordada entre todos os países.

Etapas de discussão

O Grupo de Trabalho (GT) em Educação faz parte da chamada Trilha de Sherpas do G20, ou seja, está entre os grupos de discussão comandados por emissários pessoais dos líderes do G20, que supervisionam as negociações, discutem os pontos que formam a agenda da cúpula e coordenam a maior parte do trabalho. Além do GT em Educação, fazem parte da Trilha outros 14 grupos de trabalho, duas forças-tarefa e uma Iniciativa.

Os parágrafos propostos para serem anexados à Declaração dos Líderes foram definidos ao longo de três reuniões realizadas este ano. A terceira ocorreu nessa terça-feira (29), em Fortaleza. Nesta quarta-feira (30), o texto foi submetido e aprovado na reunião dos ministros de Educação que representam os países e blocos e que compõem o grupo.

A Cúpula de Líderes do G20, que encerra a agenda do grupo e na qual será definido o documento final do encontro, ocorre nos dias 18 e 19 de novembro de 2024, no Rio de Janeiro.

O Grupo dos Vinte (G20) é o principal fórum de cooperação econômica internacional. É composto por Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, República da Coreia, México, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos, além da União Europeia.

Os membros do G20 representam cerca de 85% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de todos os bens e serviços produzidos por um país) global, mais de 75% do comércio global e cerca de dois terços da população mundial.

Mariana Tokarnia – Agência brasil

 

Educadores buscam diálogo e enfrentam resistência em meio a tensões ideológicas

JC Notícias – 28/10/2024

Polarização e aumento da agressividade ampliam tensões geradas pela abordagem de política e temas sociais em sala de aula

Os professores têm, entre suas atribuições, a tarefa de ajudar os alunos a compreenderem o mundo em que vivem e, a partir disso, formularem o pensamento crítico. Na atualidade, temas como raça, gênero, formação de novas famílias e meio ambiente aparecem para compor esse repertório e estimular o debate, já que fazem parte da sociedade.

Mas como tratar destes temas quando há polarização de ideias e os assuntos são vistos como ideológicos ou tabus? Ou, ainda, como agir quando o trabalho do professor é levado ao escrutínio público das redes sociais, muitas vezes sem diálogo prévio?

Veja o texto na íntegra: Folha de S. Paulo

O Grupo Folha não autoriza a reprodução do seu conteúdo na íntegra. No entanto, é possível fazer um cadastro rápido que dá direito a um determinado número de acessos.

 

O que aprendemos com uma escola que busca ser antirracista

JC Notícias – 15/10/2024

“Em um País com tanta desigualdade, políticas de inclusão podem trazer uma oportunidade para a sociedade inteira se desenvolver e reduzir barreiras históricas”, comentam Leticia Lyle, cofundadora da Camino Education e da Cloe e diretora da Camino School, e Vítor Del Rey, presidente do Instituto Guetto e professor da Fundação Dom Cabral, em artigo para o Nexo

A tarefa de construir, manter e aprimorar espaços de convivência ética, diversa e inclusiva tem se tornado um desafio cada vez mais urgente. Quando esses espaços são escolas, o peso das decisões parece triplicar, especialmente diante do compromisso social de formar cidadãos para o mundo em que vivemos. É interessante perceber que, para atingir esse objetivo, dimensões como o caráter antirracista da escola, parecem se tornar prioritárias. Não se trata de ser uma escola de excelência ou inclusiva, inovadora ou antirracista. Precisamos trabalhar no território do “e”, pois a excelência e a inovação passam, no mundo de hoje, inevitavelmente, pela capacidade de um ambiente educacional ser inclusivo e antirracista.

Para isso, inúmeros esforços precisam ser empreendidos. Construção coletiva de conhecimento, publicação e geração de recursos didáticos, compartilhamento de boas práticas e de aprendizagens coletivas são fundamentais. A representatividade precisa fazer parte de toda a escola, dos estudantes à equipe docente, da gestão à curadoria de recursos, para garantir um programa curricular e formativo que contemple e expanda o trabalho proposto na Lei 10.116 e sustentar uma comunidade de famílias engajadas em apoiar nosso projeto, que se percebem representadas e pertencentes a essa construção.

Transformações significativas não vêm fácil. Os sistemas respondem: quando você insere um material ou mesmo uma formação sobre o tema do antirracismo, por exemplo, as aprendizagens sobre relações raciais na escola são exponenciais, mas com elas, também crescem os números de conflitos, conversas e mediações. Para que uma escola antirracista exista, esses desafios precisam ser encarados como oportunidades para aprender, colocando toda a nossa comunidade no lugar de estudantes. Para que isso aconteça, os desafios precisam ser encarados com a magnitude que têm.

Veja o texto na íntegra: Nexo

 

Sem celular na escola: alunos citam ‘crises de abstinência’, melhora nas notas e mais socialização; ‘como a saída de um vício’, diz professora

O Ministério da Educação apresentará um projeto de lei para vetar aparelhos em todas as instituições de ensino. g1 visitou três colégios que, mesmo antes da decisão da pasta, já implementam a regra — os smartphones não são permitidos nem na hora do recreio

Poderia ser o começo de um “Globo Repórter”: como vivem os alunos que não podem usar celular na escola? O que fazem? Como se relacionam? Você descobrirá as respostas ao longo desta reportagem, mas já adiantamos que:

As primeiras semanas após a proibição são “um pesadelo”, com “crises de abstinência” entre os jovens e choro de bebês que não aceitam nem comer, nem trocar a fralda sem a tela.

✌️Em pouco tempo, a maioria consegue se adaptar e passa a prestar bem mais atenção às aulas. Os menores reaprendem a brincar, e os adolescentes trocam os chats de Whatsapp por esportes e por interações “à moda antiga”, cara a cara.

Veja o texto na íntegra: G1

 

Os grandes estão derrubando a educação

JC Notícias – 26/08/2024

“Estados estão remando em diferentes direções: uns avançam, outros retrocedem”, comenta Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos pela Educação, em sua coluna para a Folha de S. Paulo. Em resposta ao artigo, o presidente da SBPC e ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, concorda com a autora sobre a relevância das políticas públicas na educação, mas critica a falta de ênfase na valorização dos professores e aponta para a importância de uma aproximação do terceiro setor com o professorado

Há uma ideia equivocada, mas muito disseminada, de que a educação pública brasileira está estagnada. O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) permite vários recortes de análise —e um dos piores é a média nacional. Numa comparação de 2023 (ano da realização da última avaliação) com 2019 (último levantamento pré-pandemia), o resultado Brasil, rede pública, numa escala de 0 a 10, foi de queda de 0,11 no ensino fundamental 1; 0,12 no ensino fundamental 2; e 0,09 no ensino médio. A verdade é que os estados estão remando em diferentes direções: enquanto alguns avançam, outros retrocedem.

Comparando cada estado consigo mesmo no ensino médio, as maiores quedas na rede pública são do Distrito Federal (-0,35), Rio de Janeiro (-0,34), Mato Grosso do Sul (-0,32), Minas Gerais (-0,20) e São Paulo empatado com Espírito Santo (-0,19). O Sudeste todo caiu, região mais rica e populosa do país. De modo inverso, estados mais pobres apontam o vetor para cima, notadamente Pará (+0,38), Amapá (+0,20), Amazonas (+0,17) e Piauí (+0,14).

Na comparação entre estados, os maiores patamares de aprendizado são Goiás, Paraná e Espírito Santo, e os menores são Bahia, Maranhão e Rio de Janeiro.

Ao analisarmos o mesmo período nas redes públicas municipais, ensino fundamental 1, verificamos 2.893 municípios com retrocesso na aprendizagem e 2.158 com avanço. Entre as capitais, as maiores quedas no ensino fundamental 1 são de Teresina (-0,95), Belém (-0,58) e São Paulo (-0,52), e os maiores avanços de Goiânia (+0,53), Vitória (+0,47) e Macapá (+0,19).

Os leitores que chegaram até aqui depois desse derramamento de dados já devem ter percebido que a estagnação geral é uma ilusão. Ao colocarmos os holofotes nos avanços e nos retrocessos incentivamos a adoção de melhores políticas públicas e provocamos algum constrangimento e mudança de rumo.

O que tem em comum os que avançaram? De forma geral: 1 – prioridade política, com governadores e prefeitos engajados no dia a dia da Secretaria de Educação e das escolas; 2 – foco nas políticas com robusta evidência de retorno de resultados, em especial avaliação constante da aprendizagem dos alunos com consequência na formação de professores, na gestão das escolas e órgãos administrativos, expansão da educação integral, supressão de políticas e programas que distraem ou são diversionistas; 3 – excelência na implementação, pois alocar os recursos nas políticas certas, mas sem fazê-los chegar a cada uma das salas de aula, é perder o jogo no segundo tempo; 4 – efeitos da pandemia não foram jogados para debaixo do tapete, e a gestão educacional foi direcionada para recompor o aprendizado, tornando a política de recuperação ao longo do ano mais efetiva.

Nenhum dos fatores acima deveria ser uma surpresa (pela obviedade que expressam) e só ampliam o estarrecimento diante dos retrocessos.

Deixo aqui uma proposta para os Legislativos dos entes da Federação que apresentaram piora dos resultados. Uma das atribuições constitucionais das Câmaras Municipais, Assembleias Estaduais e do Congresso Nacional é, ao lado de legislar, fiscalizar o Poder Executivo. As lideranças políticas eleitas dos estados e municípios deveriam ser chamadas às Casas legislativas para explicarem o retrocesso ocorrido.

No mínimo, devem explicações à população que os elegeu; afinal, depois de anos de gestão e recursos, não deveria haver retrocesso. Mesmo que a explicação seja plausível e aceitável, a transparência e o dever de prestação de contas deveriam ser uma prática, ainda mais em uma área como a educação.

O governo federal tem muita responsabilidade também. Apesar de não ser o responsável direto pela gestão das escolas de educação básica, é dever da União assegurar a progressividade e redução na desigualdade dos resultados educacionais.

Ainda espero que o retrocesso provoque muito mais indignação e que os brasileiros entendam que a má qualidade da educação pública é uma cruel forma de segregação e de atraso para a nação.

Folha de S. Paulo

CONTRAPONTO

Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência:

“Priscila Cruz acerta ao dizer que a educação básica melhora ou piora em função de políticas públicas inteligentes —ou de sua inquietante ausência, nos Estados mais populosos e mais ricos. Contudo, a omissão em suas conclusões da atratividade da profissão docente (leia-se salários decentes) tornará difícil aproximar das propostas da Todos justamente aqueles sem os quais jamais teremos uma educação boa: os professores. O terceiro setor tem um trabalho importante em prol da educação básica pública, mas é mais que hora de ele procurar se aproximar do professorado, categoria que necessita de urgente valorização.”

Painel do Leitor – Folha de S. Paulo

 

Mais que comparar desempenhos, Ideb indica por onde pode evoluir a educação

JC Notícias – 22/08/2024

“Desde a divulgação dos dados, há uma corrida para verificar ‘vencedores’ e ‘perdedores’ em uma corrida que deveria ser, antes de mais nada, colaborativa”, comenta Gustavo Borbaprofessor de Design na Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos), em artigo para o The Conversation Brasil

Na semana passada, a divulgação dos dados Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) referentes ao ano de 2023 ganharam grande repercussão nacional, com os estados e cidades (entre elas o Rio de Janeiro) que tiveram evoluções consideráveis no ranking comemorando com razão o desempenho. Mas a leitura dos resultados do Ideb pode e deve ir muito além da mera comparação de desempenhos.

Antes de mais nada: o que é, exatamente, o Ideb? Ele é um indicador gerado a partir de dois vetores: o censo escolar, com foco nas aprovações, e o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica). Um representa o avanço dos estudantes e o outro, o desempenho quando avançam. E o foco do índice está na avaliação de desempenho nas áreas de matemática e língua portuguesa.

Veja o texto na íntegra: The Conversation Brasil 

 

Ideb 2023 mostra que não é só sobre dinheiro

JC Notícias, 20/08/2024

“Práticas pedagógicas obsoletas devem dar lugar a metodologias que valorizem o desenvolvimento do aluno”, afirma Rudá Ricci, presidente do Instituto Cultiva, em artigo para a Folha de S. Paulo

O fracasso da educação no Brasil é um problema que vai além da simples falta de recursos financeiros.

Para compreender esse drama, é preciso enxergar a grave desconexão existente entre as duas etapas do ensino. Nos anos iniciais, ou fundamental 1, o ensino se baseia em métodos construtivistas, focados no comportamento emocional dos alunos. Mas, a partir do ensino fundamental 2, ocorre uma esquizofrenia nas políticas educacionais, que migram para uma formação técnica, pautada pela memorização dos conteúdos. Isso implica uma educação fragmentada, que não atende às necessidades do desenvolvimento integral dos alunos, resultando nos dados revelados na última quarta-feira (14) pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

Calculado a cada dois anos, a partir da taxa de aprovação das escolas e das médias dos alunos em matemática e português, o Ideb, por si só, apresenta falhas no seu papel de indicador de qualidade para a educação no país. Ainda assim, essa régua nos mostra que, quanto mais o aluno se aproxima dos anos finais do ensino fundamental, pior é a sua nota. Nos anos iniciais do ensino fundamental, o Ideb nacional foi de 6, um aumento em relação aos 5,8 de 2021. Já nos anos finais, o índice ficou em 5, abaixo da meta de 5,5. Quando olhamos para o ensino médio, vemos um Ideb de 4,3 —muito aquém da meta de 5,2 para este primeiro ciclo do indicador (2007-2021).

Veja o texto na íntegra: Folha de S. Paulo

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Os resultados do IDEB  e o letramento em avaliação

Helder Gomes Rodrigues

20/08/2024

Com a recente divulgação dos resultados do IDEB, faz–se necessário pensar sobre o letramento em avaliação da sociedade brasileira e principalmente dos profissionais da educação. Nossa sociedade ainda precisa avançar no que se refere ao letramento em avaliação, isso ficou demonstrado quando a população passou a comentar e a ratificar a classificação e o ranqueamento das escolas na avaliação. Nesse sentido, a grande questão não são as provas, nem os resultados, o problema está no baixo letramento em avaliação que leva à incompreensão e à supervalorização desse tipo de avaliação.

É preciso um melhor entendimento por parte da população sobre as avaliações, sobre os exames padronizados, entender as diferenças regionais de um país de dimensões continentais como o nosso e perceber como os índices avaliativos, quando bem interpretados, podem contribuir ou alavancar a qualidade da educação. Apenas classificar as escolas, além de excludente, é uma deturpação do ato de avaliar.

Nesse contexto, quem seriam os responsáveis por esse letramento em avaliação? É claro que o letramento em avaliação dos docentes e da população em geral possui níveis diferentes (Stiggins,1991). Os profissionais da educação têm um papel importantíssimo. Uma vez letrados, eles podem contribuir trazendo reflexões dentro das escolas sobre os níveis de avaliação que, segundo Freitas ( 2009), nomeados como avaliação de redes, institucional e da aprendizagem dos estudantes em sala de aula. Segundo esse mesmo autor, é preciso uma articulação entre esses três níveis de avaliação, caso contrário os indicadores das avaliações de rede nada contribuirão para o sucesso das aprendizagens dentro da escola.

Outro agente que pode contribuir com o letramento em avaliação são os meios de comunicação, ao divulgarem os resultados podem também trazer a contextualização das realidades dos estados brasileiros, a historicidade de algumas escolas, esclarecimentos sobre como as avalições são pensadas e realizadas. Tudo isso pode contribuir para que os cidadãos brasileiros vejam as avaliações para além das provas, notas e resultados.

Já na escola, quanto maior for o letramento em avaliação, mais os profissionais estarão habilitados e seguros para conduzir a avaliação institucional, olhando os resultados dos indicadores das avalições externas, comparando a escola com ela mesma, conscientes de sua realidade e dos seus avanços, progressos e fragilidades. Dessa forma, o impacto se reflete também dentro da sala de aula, numa perspectiva formativa, objetivando as aprendizagens de todos. Conforme afirma Villas Boas ( 2019), a avaliação formativa é para as aprendizagens porque faz movimentos em sua busca, produzindo novas ações e não se contentando apenas com resultados.

Referências

FREITAS, Luiz Carlos et al. Avaliação educacional: caminhando pela contramão.  Petrópolis, RJ: Vozes, 2014, 7ª ed.

VILLAS BOAS, Benigna M. de F. (org.). Conversas sobre Avaliação. Campinas, SP: Papirus, 2019.

STIGGINS, R. Assessment literacy. Phi Delta Kappan, v.72, 1991, pp. 534-539.

 

Jovens invisíveis no Ideb

JC Notícias – 19/08/2024

“Análise da qualidade da educação brasileira não pode mais ignorar esse público que hoje está fora da sala de aula”, salienta o colunista do jornal O Globo, Antônio Gois

Cada nova rodada de divulgação do Ideb suscita, naturalmente, debates sobre os resultados de redes públicas e privadas. É positivo que isso ocorra, mas é preciso também reconhecer que qualquer avaliação da aprendizagem tem suas limitações. No caso do Ideb, uma das principais é o fato de captar apenas o que se passa dentro da escola, por ser baseado em testes de matemática e português, combinados com estatísticas de aprovação. Num país em que parcela expressiva dos jovens abandona os estudos antes de completar o ensino médio, isso resulta num diagnóstico impreciso sobre a educação de toda a juventude.

O ensino fundamental sofre menos com a limitação de não avaliar crianças fora da escola. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, 95% da faixa etária entre 6 e 14 anos estavam matriculados nesta etapa em 2023, percentual que sobe para 99,4% se incluirmos também a população ainda retida na educação infantil. Fora da escola, portanto, estão apenas 0,6%. O percentual registrado na mesma pesquisa em 2005, primeiro ano do Ideb, não era muito diferente: 87% das crianças de 6 a 14 no ensino fundamental. Isso significa que não houve no período inclusão maciça de crianças mais pobres ou grande pressão por expansão de vagas. Pelo contrário, a diminuição nas taxas de fecundidade resultou até em menos demanda.

Veja o texto na íntegra: O Globo

O Globo não autoriza a reprodução do seu conteúdo na íntegra. No entanto, é possível fazer um cadastro rápido que dá direito a um determinado número de acessos.