JC Notícias – 26/11/2021

Reflexões sobre a linguagem científica na comunidade escolar

“Linguagem é poder, uma vez que todo pensamento e ação se dão por meio dela, quer seja na educação, no campo social, no econômico, no cultural e, principalmente, nas políticas públicas de educação”, enfatiza Sahda Marta Ide, professora aposentada da Faculdade de Educação (FE) da USP

A necessidade de comunicação para expressar sentimentos e pensamentos surgiu quando o ser humano reconheceu o outro como um ser sensível e, para isto, foi necessário desenvolver a linguagem, tornando a mesma a chave da comunicação humana e o maior instrumento do pensamento. São diferentes e variam de língua para língua, de cultura, de sexo, de profissão, entre outras.

Cada indivíduo vê o referente de uma determinada maneira. É uma estrutura organizada por meio de um sistema de signos linguísticos que podem ser combinados entre si, sendo concretizada pela fala e escrita. A primeira é ato individual e é utilizada de forma coloquial e formal. Coloquial, abrange a comunicação linguística em toda sua totalidade, vindo sempre acompanhada de voz, às vezes de mímicas, fisionomias, entre outras. A formal, em situações cultas, com cuidado no vocabulário e obediência às regras gramaticais.

Na linguagem há uma norma instalada, ou seja, há um sistema linguístico, um sistema cultural e um sistema social, que são interdependentes e têm uma relação dialética conservação mudança. O linguístico muda o cultural e social e vice-versa e ambos modificam o linguístico. Logo, há fatores culturais, contextuais, profissionais e regionais que interferem o tempo todo na linguagem, quer oral, quer escrita.

A linguagem verbal tem função utilitária e científica. A primeira é uma linguagem como instrumento de mensagem e pode ser muito diversificada, como os textos jornalísticos, religiosos, comerciais, empresariais, informáticos, virtuais (como a linguagem das redes sociais) entre outros. A científica se caracteriza pelo rigoroso emprego das denotações, ou seja, uso exato do termo, ordem direta das palavras nas orações, nos períodos, portanto uma linguagem escrita, precisa, objetiva, concisa. Para compreendê-la é necessário um conhecimento científico, não só ao que se refere ao vocabulário, mas também ao conhecimento dos conceitos científicos, estando consciente que o seu uso pode alterar as atitudes e métodos. Para compreendê-la, necessita-se da ajuda dos especialistas, pois o seu significado se restringe somente como se define na ciência.

A linguagem científica, entretanto, é pouco explorada pelos professores de educação básica e especial, pois os obriga a ter conhecimentos científicos não contemplados na sua formação profissional, desconsiderando que ela acompanha todo o processo de ensino-aprendizagem e interfere em ambos os processos. Para compreendê-la, é importante que tenham conhecimentos elementares e gerais da ciência Linguística, uma vez que nela se analisam as mudanças de sentido que ocorrem na língua (sistema) devido a fatores como o tempo, espaço geográfico, bem como na relação dos signos linguísticos e de seus diferentes significados, quando utilizados em diferentes contextos, não só ao que se refere ao vocabulário, mas também — e principalmente — na compreensão da linguagem científica, uma vez que ela tem estrutura própria, regras, exceções, que provocam dificuldades na compreensão de sua terminologia.

O signo linguístico se compõe de duas faces básicas: significante e significado. O primeiro é suporte de conceito e o segundo é o conceito, tendo uma relação de dependência, ou seja, um significante só o é em relação a um significado e vice-versa, quando inserido num contexto linguístico. Caso mude o contexto linguístico, o significado deste significante pode mudar. São os casos dos signos linguísticos: transtorno, dificuldade, distúrbios, problemas (significantes), entre outros, os quais apresentam diferença de conceito (significado) no seu uso na linguagem do cotidiano e na linguagem científica. Por exemplo:

  • João tem muitos “transtornos”, “problemas”, “distúrbios” na sua vida familiar.
    • João tem muitos “transtornos”, “distúrbios”, “problemas” na sua vida escolar.

No primeiro exemplo, os signos linguísticos são usados na linguagem do cotidiano. Já no segundo, pertencem à linguagem científica, uma vez que podem estar relacionados a problemas de aprendizagem, quer seja devido a problemas orgânico-sociais, quer seja pelo mau ensino-aprendizagem.

Nos contextos do cotidiano, esses signos acima não causam problemas e podem ter muitos significados quando inseridos nos contextos jornalísticos, religiosos, comerciais, empresariais, dentre outros. Não provocam nenhuma interpretação inadequada que cause prejuízos de comunicações graves, pois estão mais relacionados aos significados da linguagem do cotidiano. São abrangentes, e a sociedade os utiliza com diversas variações de significados. São partilhados por uma grande parte do grupo social.

Entretanto, ao serem utilizados no contexto escolar pertencem à linguagem científica e causam danos, na maioria das vezes irreversíveis, ao estudante, uma vez que não estão relacionados somente aos problemas neurológicos, mas também como consequência deles, ou, ainda, somente relacionados a fatores ambientais, sociais, econômicos, familiares, problemas do ensino, que levam, muitas vezes, os professores a considerarem essas crianças como problemáticas, mal-educadas e imaturas.

Pode-se concluir que ensinar “mal” é uma problemática que contorna a ênfase do desconhecimento do professor sobre a diferença entre o significado da linguagem científica e do cotidiano dos signos linguísticos: transtornos, distúrbios, dificuldades, problemas, atrasos, entre outros. É necessário que o docente seja bem capacitado, que saiba ler e interpretar os textos científicos adequadamente, bem como escrever corretamente os problemas de aprendizagem com explicações mais contextualizadas e sem “diagnosticar”.

Para o professor conseguir entender bem os diagnósticos efetuados pelas equipes multidisciplinares, é necessário que ele tenha noções elementares de linguística, o que o fará distinguir entre os signos linguísticos — como transtorno, distúrbios, dificuldades, problemas, atrasos, entre outros — quando pertencem à linguagem científica e quando pertencem à linguagem do cotidiano e, assim, entender e questionar suas dúvidas, recebendo ajuda e esclarecimentos necessários para o ensino adequado às dificuldades apresentadas pelos estudantes.

O docente é agente ativo e facilitador da aprendizagem. Suas ideias e conhecimentos devem ser levados em conta, mesmo aqueles adquiridos ao longo de sua vida, mesmo antes de se formar. Entretanto, na maioria das vezes, não há ênfase no espírito crítico e de pesquisa na sua formação. Não há lugar a questionamentos mais profundos de suas atitudes profissionais, em sua preparação acadêmica, que, muitas vezes, é deficitária. A sociedade e o Estado brasileiros lhes diminuem os estímulos e as possibilidades de executar sua tarefa de forma digna. A situação financeira dos professores é caótica (salários baixos), o que os impede de exercer sua profissão de forma pensante e crítica em relação ao ensino-aprendizagem de seus alunos. Estão desamparados e, muitas vezes, em desarmonia com as famílias dos alunos.

Professor e família devem ser parceiros e estar juntos, buscando subsídios para que o estudante se sinta acolhido. Porém, na maioria das vezes, as famílias dessas crianças e adolescentes pertencem a classes socioeconômicas desfavorecidas. Há fatores graves que obrigam as famílias a viver em condições precárias, que as impossibilitam de ter uma participação efetiva e afetiva na educação de seus filhos. Esta situação provoca prejuízos intelectuais, especialmente quando ocorrem na primeira infância, ocasionados pela miséria material, doença mental ou física em um ou nos dois pais, baixo nível educacional dos pais, exposição a maus tratos de natureza física e moral, institucionalização em orfanatos mal administrados, entre outros, provocando péssimo autoconceito, desmotivação, fracasso e evasão.

É crescente o número de alunos com dificuldade de aprendizagem escolar, muitos deles se desinteressam, aliados pela desmotivação, e desenvolvem baixa autoestima, evadem-se ou são reprovados e abandonam a escola por demonstrarem dificuldades em adquirir o conhecimento de determinadas matérias, principalmente as relacionadas à leitura e escrita.

Este contexto dramático da educação no Brasil é histórico. Sempre foi marcado por fatores econômicos, políticos, sociais e culturais que refletem uma perspectiva de segregação e de privilégios desde o período da colonização brasileira, o que torna o ensino seletivo, excludente, acarretando problemas graves e que ainda persistem na sociedade atual.

Jornal Nacional anunciou, na edição de 15 de julho de 2020: “O abandono escolar é uma realidade bem conhecida de milhões de brasileiros e a pesquisa do IBGE registrou, pela primeira vez em números, que dos 50 milhões de pessoas com idades entre 14 e 29 anos, dez milhões, ou seja, 20% delas, não tinham terminado alguma das etapas da educação brasileira […] a grande maioria é de negros e pardos. O principal motivo: necessidade de trabalhar, falta de interesse. Entre as mulheres, a gravidez e as tarefas domésticas”.

Dia 14 de novembro é o Dia Nacional de Alfabetização e, segundo matéria publicada no Jornal USP, “as escolas brasileiras ainda formam analfabetos funcionais. […] Com pouco a comemorar, diante dos 29% da população que ainda possuem dificuldades para interpretar e aplicar textos e realizar operações matemáticas simples no cotidiano. O dado é do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado em 2018, que classifica como analfabetos funcionais os brasileiros que encontram barreiras em suas vidas como cidadãos, incluindo o mercado de trabalho”.

Pode-se incluir, também, que os analfabetos funcionais o são por terem sido mal alfabetizados, ou seja, não compreendem o que leem e não conseguem falar e escrever com clareza e significado seus pensamentos e ações. Portanto, não têm comunicação social.

O simples conhecimento linguístico de diferenciar o significante do significado nos contextos escolares entre a linguagem científica do cotidiano, quando se referem a transtornos, distúrbios, dificuldades, problemas, atrasos, entre outros, evitará graves problemas no ensino-aprendizagem das crianças e adolescentes brasileiros. Caso contrário, ocasionará erros não só na interpretação, que leva a posturas profissionais inadequadas no ensino, inclusive “patologizando” sem necessidade. Na maioria das vezes, estas dificuldades são reversíveis, quando há um ensino adequado e diferenciado necessário a cada caso. O planejamento conjunto entre professores e investigadores de estratégias educacionais são ferramentas fundamentais, que podem ser usadas na sala de aula para promover a aprendizagem. Devem ser enfatizadas por aqueles que se preocupam com a necessidade de ligar teoria e prática na formação dos professores, quer no ensino fundamental, quer no universitário.

Quem concretiza a prática pedagógica é o professor. Seu papel é decisivo no processo educativo, pois o ensino, em última instância, depende dele, uma vez que é o mediador entre o aluno e a busca do conhecimento, porém não se limita somente à matéria que vai ensinar, mas também às necessidades dos alunos e à situação em que se desenvolve a aprendizagem. Um professor bem esclarecido linguisticamente saberá diferenciar a linguagem científica da cotidiana e não utilizar a linguagem científica inadequadamente, e também terá condições de informar e orientar a família do educando, quando este apresentar algum “problema” na aprendizagem.

Linguagem é poder, uma vez que todo pensamento e ação se dão por meio dela, quer seja na educação, no campo social, no econômico, no cultural e, principalmente, nas políticas públicas de educação que, atualmente, estão sendo regidas por um ministro da Educação que diz que “pessoas com deficiências atrapalham”. Esta discriminação ocorre, principalmente, nas crianças de classes sociais desfavorecidas, de extrema pobreza, que apresentam “dificuldades de aprendizagem”, pela falta de estimulação e abandono social e familiar.

Para terminar, um aviso para o atual ministro da Educação brasileira: todos somos potencialmente deficientes. A qualquer momento podemos ter alguma deficiência física (surdez, cegueira) ou mental, ocasionada por um acidente, um AVC e/ou por doenças degenerativas.

Este aviso também serve para o ministro da Saúde, médico, que fez o juramento de Hipócrates: “Respeitarei a autonomia e a dignidade do meu doente e guardarei o máximo respeito pela vida humana”.

Jornal da USP

 

Avaliação formativa, retorno ao ensino presencial e finalização do ano letivo

Erisevelton Silva Lima – professor da SEEDF, gestor escolar, doutor em educação, pela Universidade de Brasília- UnB, integrante do Grupo de Pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico – GEPA

O quarto bimestre nas escolas públicas do DF está marcado por inúmeras questões atípicas e outras rotineiras que nos convidam a repensar o modus operandi da instituição educacional. No dia três de novembro de 2021, por força de decreto, o Governo do Distrito Federal determinou a volta presencial de toda comunidade escolar. As ressalvas não serão objeto deste breve artigo, todavia, o tema da avaliação retoma sua centralidade. Não custa lembrar que a avaliação esteve presente antes do início das aulas, durante o percurso educativo e, agora, na conclusão do ano letivo.

Embora signatária da avaliação formativa em seus documentos e orientações a Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal, por meio de suas quase 700 (setecentas) escolas, ainda vive dilemas e incertezas sobre o que, de fato, representa essa concepção/função avaliativa. Não custa lembrar que o entrelaçamento dos três níveis (aprendizagem, institucional e de redes/larga escala) clama por nossos olhares, especialmente porque, durante tudo, isso tivemos a aplicação da Prova Brasil nas turmas/séries/anos específicas. Como orientamos as escolas, em diversas reuniões, lives e outros espaços, o primeiro momento foi para realizarmos de fato, a avaliação diagnóstica dos estudantes e nossa autoavaliação por meio da avaliação do trabalho pedagógico da escola (também conhecida como avaliação institucional). Em seguida, as intervenções didático-pedagógicas e de trato socioemocional desafiaram-nos em razão das dificuldades comuns e outras bastante específicas, como por exemplo, estudantes cujas famílias foram obrigadas mudar de residência por causa do desemprego ou orfandades causadas por mortes de familiares em razão da Covid 19. Com isso, a busca ativa e a garantia da frequência escolar se tornaram desafios complexos para as equipes gestoras dessas instituições. Por fim, escolas que atendem os anos finais do ensino fundamental e ensino médio são convocadas a conviver com as lógicas contraditórias, ou seja, embora orientadas pela avaliação formativa, precisam utilizar-se da notação e, com isso, se faz presente e determinante a avaliação somativa. Se vocês acham que isso é pouco, aproxima-se as sessões do “tribunal do júri” representadas pelas reuniões do conselho de classe do último bimestre.

 Enfim, com intuito de lançarmos alguma luz sobre esse túnel letivo, arriscamos dizer que precisamos, como nunca, cuidar e preparar melhor o corpo docente para as reuniões do Conselho de Classe. Abaixo um roteiro sugerido para que não cometamos maiores injustiças que aquelas já concretizadas por meio do contexto descrito:

  1. Levantamento dos estudantes com dificuldades de aprendizagens nos diversos componentes curriculares e dos contextos pelos quais passaram (remoto, semipresencial e presencial);
  2. Listar as intervenções realizadas e aquelas em curso na tentativa da garantia das aprendizagens por área e ou componente curricular;
  3. Analisar, qualitativamente, os desempenhos dos estudantes considerando a fase escolar em que se encontram, os registros dessas, as possibilidades e as trajetórias (tanto no ensino remoto quanto no presencial); tudo isso em função da reorganização curricular necessária para o período em que nos encontramos;
  4. Convocação de familiares, quando for o caso, e de todos os estudantes para que firmemos pactos pela aprendizagem em face de ainda termos dias letivos possíveis para intervenções;
  5. E, por último, e não menos importante discutirmos o modo como faremos o Conselho de Classe para que o bom senso prevaleça respondendo sobre o que os estudantes aprenderam, o que ainda não aprenderam, o que foi feito para que eles aprendessem e o que fica pendente para o próximo ano garantindo, conforme o caso, a progressão continuada.

Muitos sabem, mas não custa lembrar, todos os que atuam na escola fazem parte do conselho de classe: docentes, secretário/a escolar, orientadores, equipes pedagógicas, gestores, coordenadores e os próprios interessados. A forma como cada instituição organizará esse evento pode fazer a diferença. A avaliação formativa configura-se pela maneira como se realizaram as intervenções, as retomadas e a inserção de todos os atores comprometidos com as aprendizagens, na organização escolar. Portanto, não é momento para decidirmos somente por aprovação ou reprovação, ou seja, é o momento de iniciarmos o planejamento para o ano letivo de 2022 que esperamos seja denominado de pós-pandemia.

 

JC Notícias, 19/11/2021

Alunos, não desistam do Enem!

“Lembrem-se de que egressos de escolas públicas ainda têm metade das vagas”, escreve Renato Janine Ribeiro, professor titular de ética e filosofia política da USP, presidente da SBPC e ex-ministro da Educação, em artigo para a Folha de S. Paulo

Há muitas razões para vermos o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano com apreensão, e falarei delas no final deste artigo. Mas meu maior receio é que estudantes de escolas públicas fiquem desanimados e não prestem o exame por terem tido um ensino remoto emergencial, nestes quase dois anos, com vários defeitos.

Meu apelo aos alunos das instituições públicas: não desistam. Continua em vigor a Lei de Cotas, que reserva metade das vagas no ensino superior federal a quem fez o curso médio inteiro em escolas públicas. Isso significa que, mesmo que vocês tenham aprendido menos do que gostariam e mereceriam, metade dos lugares em qualquer curso —inclusive medicina, engenharia, direito— serão de vocês. Sua nota talvez não seja tão boa quanto a dos egressos de escolas particulares, que tiveram um bom ensino remoto emergencial, mas a lei é clara: 50% das vagas nas universidades e institutos federais são destinadas a quem cursou escolas públicas.

Um esclarecimento, aqui: há gente, ingênua ou de má-fé, que reclama das cotas “raciais” e diz que deveriam ser “sociais”. Mas elas já são: 50% das vagas vão para escolas públicas. Dentro dessa metade é que há vagas raciais ou étnicas, no mesmo porcentual da população de negros ou de indígenas que vivam no estado onde está a universidade em que você quer entrar. Isso implica que haverá mais lugares para negros na Bahia e menos no Rio Grande do Sul, mais para indígenas na Amazônia que no Sudeste, mas, antes de mais nada, que nenhum negro ou indígena terá direito a cotas se tiver cursado o ensino médio em redes particulares.

Há uma razão para metade das vagas irem para alunos de escolas públicas. Sabemos que na divisão entre escolas caras, particulares, e públicas subfinanciadas se reproduz a desigualdade social clamorosa e injusta que há em nosso país. Cotas são um meio eficaz de compensar essa desigualdade. Várias pesquisas mostram que alunos que entram por cotas em poucos anos se igualam em desempenho aos que vieram de escolas caras, ou até os superam em qualidade. Isso porque enfrentaram na vida dificuldades maiores do que os colegas mais abonados. Mostraram resiliência, dedicação, empenho. E assim conseguimos que muitos jovens com talento, que antes não era identificado nem promovido, estejam contribuindo para o nosso desenvolvimento econômico e social.

Vou explicar melhor. Com base no Enem, o aluno pode se inscrever no Sisu, o Sistema de Seleção Unificada, para o ensino superior federal. Com a nota do Enem, pode escolher qual faculdade federal ele quer. É no Sisu que as cotas funcionam. A nota dele não muda, mas, se veio da escola pública, tem metade das vagas. Qualquer que seja o prejuízo causado pela falta de orientação dos governos para o ensino remoto emergencial público, o aluno ingressará na metade de vagas para quem fez o curso médio público. Por isso é que ninguém deve desistir. As vagas continuam existindo.

E por que eu disse que este ano é particularmente ruim? Os jornais contaram muito da história. No último domingo (14), servidores do Inep, órgão do Ministério da Educação responsável pelo exame, disseram que o governo censurou questões da prova das quais não gostava.

Para além da ideologização do Enem assim efetuada, isso traz riscos de segurança. Quem garante que os censores não passaram as provas a conhecidos ou amigos? O Enem é elaborado com enorme rigor e sigilo, mas, se houve censura, esse cuidado se perde. Além disso, mais grave ainda, o MEC não assumiu a liderança que deveria ter tomado na definição do ensino remoto emergencial. Sabemos que há redes municipais e mesmo estaduais bastante carentes, que precisariam de banda larga e de tablets. Nada disso foi providenciado, nem o treinamento dos professores para um novo tipo de aula a que não estavam acostumados. E, finalmente, a redução do número de candidatos com isenção da taxa, que somente foi reposta depois de ordenada pelo Supremo Tribunal Federal. São falhas sérias.

Mas os alunos de escolas públicas continuam tendo metade das vagas. Vão atrás delas!

Folha de S. Paulo

 

Bolo do Freitas, 17/11/2021

CNE vai regulamentar a introdução do Ensino Híbrido, por Luiz Carlos de Freitas

O Ensino Híbrido será regulamentado pelo Conselho Nacional de Educação de forma a impulsionar seu uso nas redes de ensino. Concedeu magnânimos 10 dias de prazo para manifestações. Ele aparece no texto como uma metodologia de ensino, portanto fora dos limites de controle da Educação à Distância. Na visão do CNE, o ensino híbrido, ao […]

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Luiz Carlos de Freitas | 17/11/2021 às 8:44 AM | Tags: Desqualificação professor, Plataformas de aprendizagem on line, Reformadores empresariais, Tecnologia de Avaliação Embarcada | Categorias: Estreitamento Curricular, Links para pesquisas, MEC sob Bolsonaro, Responsabilização/accountability, Segregação/exclusão | URL: https://wp.me/p2YYSH-7Lj

 

Avaliação formativa e retorno 100% das aulas presenciais

Helder Gomes Rodrigues – Mestre em Linguística Aplicada, integrante do GEPA

Recentemente, a Secretaria de Estado de Educação do DF, assim como outras capitais do país, anunciou o retorno 100% presencial dos estudantes às atividades escolares. Desde o início do segundo semestre de 2021, as aulas presenciais no DF retornaram de forma escalonada, respeitando as diferentes etapas da educação básica. Como havia no período a obrigatoriedade de distanciamento entre os estudantes, as turmas tiveram que ser divididas. Dessa forma, os professores atendiam de maneira híbrida um grupo presencial e outro de forma remota. Esse revezamento dos estudantes vigorou até a decisão da SEDF de descontinuidade desse tipo de atendimento, passando todos os alunos a serem atendidos de forma presencial, exceto os casos de comorbidades.

Durante as lives e as apresentações da SEDF sobre o retorno presencial sem revezamento dos estudantes, uma afirmação que chama a atenção é a fala de que os estudantes podem entregar atividades em atraso para “ recuperar as aprendizagens”. Ora, como recuperar algo que não existiu? Na perspectiva de que a aprendizagem é uma construção, um processo em que a avaliação formativa se faz presente todo o tempo, não se pode falar de entregas de trabalhos e atividades ao final do bimestre ou ano letivo. Para que de fato a avaliação seja para as aprendizagens, é necessário que o professor acompanhe os estudantes durante a realização das atividades, com feedback constante e reorganização do planejamento, quando necessário, para atender as necessidades dos estudantes e não deixar ninguém para trás.

A ideia de “recuperação das aprendizagens” ao final do ano letivo soa como uma prática tradicional e somativa mascarada de avaliação formativa. De acordo com Villas Boas (2019,p.20), “todas as atividades realizadas são avaliadas na perspectiva formativa”. Para que essa avaliação seja viável, é necessário o envolvimento de alunos e professores durante o processo. Uma avaliação realizada apenas por meio de um instrumento e ao final do período letivo é limitada e não consegue abarcar a característica multifacetada da aprendizagem.

Enfatizamos a necessidade de adoção da avaliação formativa ou avaliação para as aprendizagens porque a própria SEDF afirma e reafirma em seus documentos ser esta a concepção de avaliação por ela adotada. Assim, cabe indagar sobre a coerência entre os documentos, os discursos e a prática da SEDF.

Nesse momento de retorno às aulas presenciais, a avaliação precisa superar a lógica de fim ou última etapa do processo. De acordo com Fernandes (2009), a avaliação formativa é centrada na melhoria das aprendizagens, devendo ser participativa e integrada aos processos de ensino e de aprendizagem. Nessa perspectiva, a avaliação formativa necessita desvincular-se de uma ação de mero cumprimento burocrático ou com objetivo de aprovação e reprovação. Aliás, essa dicotomia não deveria permear o olhar na avaliação nesse momento tão complexo e delicado de retorno às aulas em meio a uma pandemia. Precisamos mais que nunca de uma avaliação compromissada com a aprendizagem, essencialmente formativa.

Por fim, as secretarias de educação deveriam preocupar-se com o diagnóstico da realidade dos estudantes. Deveriam utilizar as informações da avaliação diagnóstica para discutir sobre o currículo, o planejamento e os objetivos de aprendizagem para então formular ações que perpassem esse período de um pouco mais de quarenta dias para terminar o ano letivo.

A pandemia não acabou. O futuro ainda é turvo e certamente trará consequências para a escola e para as aprendizagens dos estudantes que não poderão ser negligenciadas. Nesse sentido, podemos afirmar que a avaliação verdadeiramente formativa é atemporal. É também compromissada, ética e encorajadora e pode ser um caminho promissor rumo às aprendizagens.

Referências

FERNANDES, Domingos. Avaliar para aprender: fundamentos, práticas e políticas. São Paulo: UNESP, 2009.

VILLAS BOAS, Benigna M. de Freitas (org). Conversas sobre avaliação. Campinas: SP, Papirus,2019.

 

Hillman: crescem as EduTech, por Luiz Carlos de Freitas , no blog do Freitas – 01/11/2021

Hillman: crescem as EduTech por Luiz Carlos de Freitas

Na esteira de mais uma tempestade de revelações sobre as práticas implacáveis de poderosas empresas de tecnologia, Velislava Hillman, pesquisadora visitante da LSE, analisa o poder crescente das empresas de tecnologia da educação. “A arrogância das empresas de tecnologia não para com a manipulação social. Eles agora estão entrando na educação pública. Muitas empresas de […]

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Desafios da avaliação formativa no ensino remoto

Benigna Maria de Freitas Villas Boas

Coordenadora do Grupo de Pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico – GEPA

Este texto foi escrito para ser usado em formato de podcast durante um curso sobre avaliação formativa desenvolvido pela  EAPE, no primeiro semestre de 2021

Vamos conversar sobre a avaliação formativa como a que contribui para a construção de aprendizagens por estudantes e professores. Sim, dos professores também, porque, para que os estudantes aprendam, temos de contar com as aprendizagens permanentes dos professores, que precisam estar em dia com os saberes do currículo, com as metodologias e tecnologias apropriadas, assim como com a avaliação que alavanca toda essa engrenagem. Os docentes aprendem muito com as interações realizadas em sala de aula e em toda a escola. Incluo a escola porque ela é lugar de aprendizagens, em todos os seus momentos e espaços. Por isso usamos a expressão avaliação das aprendizagens. Não apenas as aprendizagens previstas nos conteúdos curriculares, mas, também, as que resultam do convívio tão benéfico de todos. Pensemos: assim que o/a estudante chega à escola, passando pelo portão da entrada, dizendo ou não bom dia ou boa tarde ao funcionário ali presente, e sendo ou não por ele acolhido, está incorporando aprendizagens. E isso vai se desenrolando ao longo do dia e do tempo de permanência na instituição.

Aliás, proponho que passemos a falar de avaliação PARA as aprendizagens, o que significa concebê-la em constante movimento, rumo às aprendizagens, isto é, está sempre em ação. Não é um mero jogo de palavras. Estamos falando de um processo avaliativo e não de uma ação episódica.

A avaliação formativa é diferente da função somativa porque se desenvolve ao longo do trabalho pedagógico, por diferentes meios, enquanto a somativa ocorre em períodos definidos, para avaliar o que foi aprendido ao longo de um determinado tempo, como ao final de uma unidade ou de um semestre ou um ano e, geralmente, por meio de provas. Quando se adota a avaliação formativa, todas as atividades de aprendizagem são avaliativas, até mesmo a prova, que passa a ser uma atividade de aprendizagem. Na avaliação somativa a prova é um instrumento pontual de avaliação. A prova, então, pode ter propósito formativo ou somativo, dependendo dos seus objetivos.

A avaliação formativa se norteia pelos seguintes princípios: inclusão, intervenção, investigação, colaboração, continuidade e ética.

Ser inclusiva é sua marca. Dizer que a avaliação formativa é inclusiva é até um pleonasmo. Ser inclusiva significa que ela se compromete com a conquista das aprendizagens por todos os estudantes. Nenhum pode ficar para trás. Avaliação e aprendizagem são faces da mesma moeda, ou dito de outra forma, se interligam. Enquanto o processo de aprendizagem ocorre, a avaliação o acompanha para identificar se todos os estudantes estão aprendendo e o que lhes falta aprender. Pode-se dizer que a avaliação é a guardiã das aprendizagens. Por outro lado, enquanto a avaliação atua, aprendizagens não previstas poderão acontecer.

Mas, simplesmente conhecer o que os estudantes aprenderam e o que ainda não aprenderam não basta. Entra em cena a intervenção pedagógica, ao longo do processo.  Esqueçamos a recuperação de aprendizagem, porque não se recupera o que não foi aprendido. Além disso, costuma ser oferecida muito tempo depois e, geralmente, para se elevarem as notas. Não é este o espírito da avaliação formativa. As intervenções são realizadas pelo/a professor/a assim que as necessidades surgem. Este não é também um aspecto da inclusão? A não realização de intervenções pode deixar o estudante excluído das aprendizagens.  

Sendo inclusiva e interventiva, a avaliação formativa é, também, investigativa. O que ela investiga? Está atenta ao que vem dificultando ou impedindo o avanço das aprendizagens. Por isso, se diz que os professores são pesquisadores da sua própria atuação.  

Todo esse processo avaliativo requer colaboração entre docentes, estudantes, coordenadores pedagógicos, gestores e pais/responsáveis. O professor responsável pela turma ou pela disciplina não pode ficar desamparado. O trabalho coletivo apresenta melhores resultados quando é desenvolvido em grupo. Isso vale também para os estudantes: por meio de atividades realizadas em grupo muitas aprendizagens têm lugar e eles próprios exercitam a avaliação.

Por ser contínua, a avaliação formativa é aliada do professor e dos estudantes. Propicia a identificação das necessidades dos estudantes, facilitando o trabalho dos professores, que estão sempre em condições de apresentar aos pais a situação de aprendizagem de seus filhos. O mesmo acontece em reuniões com colegas e coordenadores pedagógicos, quando se discute o trabalho pedagógico em desenvolvimento. E mais: estão sempre formulando meios de promover as intervenções.

A ética é um princípio fundamental da avaliação. Na escola lidamos com gente em processo de aprendizagem. Não cabe a avaliação informal punitiva, segregadora, negativa e desencorajadora. Lembremo-nos de que atitudes de interesse e de disponibilidade para ajudar o/a estudante, assim como olhares de aceitação, fazem bem a qualquer um deles. Outro aspecto da ética consiste em não basearmos a avaliação em aspectos pessoais e familiares dos estudantes. Não se avalia a sua pessoa, mas o seu processo de aprendizagem. Os princípios anteriores (inclusão, intervenção, investigação, colaboração e continuidade) dão sustentação à ética.

A avaliação formativa dá uma grande contribuição ao trabalho dos professores, porque lhes mostra se devem continuar conforme o planejado ou se devem alterar e o quê.

Não nos esqueçamos do feedback. É um componente imprescindível à avaliação formativa. É um forte coadjuvante da inclusão. Para que os estudantes avancem, precisam receber constantes informações sobre seu progresso e as necessidades de melhoria.  Após a realização das atividades, merecem conhecer com que competência elas foram realizadas. Não bastam meias palavras, como: muito bem; ótimo; faça de novo; incompleto; parabéns. O que isso significa? Eles precisam saber em quais aspectos ainda não conseguiram avançar e como fazê-lo. O feedback não é feito por meio de notas. O que significa a nota 6? E a nota 9? Interessa saber o que ainda não foi aprendido. Aliás, é bom lembrar: ainda é uma palavra mágica quando se trata de avaliação formativa. Significa que, com orientação, todos avançarão.

Outro aspecto a considerar sobre o feedback: costuma ser confundido com devolutiva. Ele é mais do que isso: a simples devolução de provas ou a entrega de notas não significa que houve feedback.  

Será que assim entendida, a avaliação formativa pode ser praticada em aulas remotas? Sim, porque todas as atividades são avaliativas. Charles Hadji, professor francês, em seu livro Avaliação desmistificada, nos ensina que não há procedimentos/instrumentos próprios para a avaliação formativa. A intenção do professor é que a torna formativa.

Tenho preocupação com o fato de os estudantes, em situação de aulas remotas emergenciais, terem de receber notas e poderem ser reprovados. Qualquer tipo de classificação, como notas e reprovação, são questionáveis no trabalho pedagógico presencial. Em aulas remotas isso se agrava. Será que as experiências pelas quais estamos passando nos levarão a repensar a avaliação na escola?

Não defendo a aprovação automática. Não é disso que falo. Ao nos posicionarmos em favor das aprendizagens e de uma avaliação que a apoie, não podemos aceitar que os estudantes avancem nos anos escolares sem aprender. Estaríamos ferindo o princípio da inclusão, que não significa apenas estar dentro da escola, mas, também, ser beneficiado por ela. O abandono de recursos classificatórios possibilitará a organização de um autêntico trabalho pedagógico, isto é, voltado exclusivamente para a conquista das aprendizagens por todos.

Pensemos agora com carinho na avaliação formativa durante as aulas remotas emergenciais, em desenvolvimento no momento. Digo com carinho porque ela poderá ser de grande valia. Fomos pegos de surpresa e não nos preparamos para enfrentar tal situação. Como ponto de partida, pensemos nos seus princípios. Como fica a inclusão? Que providências tomar para que as aprendizagens de todos se efetivem? Sabemos que há um grande número de estudantes sem condições de acesso à internet e a um computador ou celular. Esta constatação já é um exemplo de exclusão. Como avaliar as aprendizagens dos que estão acompanhando as aulas, na perspectiva da inclusão? Por meio de quais atividades? Muitas vezes nos preocupamos com procedimentos avaliativos: as atividades desenvolvidas é que serão avaliadas. Cada professor/a criará as mais adequadas ao seu componente curricular. Uma atividade que poderá contribuir é a autoavaliação, se praticada devidamente, isto é, sem atribuição de nota pelo estudante e pelo professor, respeitando a individualidade dos estudantes, e sem divulgar as informações por eles fornecidas. Além disso, não será um meio de avaliação da pessoa do estudante. Que isso fique bem claro. Inicialmente, um roteiro poderá ser encaminhado pelo/a professor/a. Mas, o ideal é que, com o tempo, o estudante escreva livremente. Uma ocasião uma estudante do Curso de Pedagogia me disse que eu não deveria ler sua autoavaliação por ser de seu foro íntimo. Disse-lhe tratar-se de um recurso pedagógico no qual ela não deveria incluir informações que não pudessem ser lidas por mim. Vejam, é uma oportunidade de discutirmos com nossos estudantes o papel dos diferentes procedimentos de avaliação.

A observação é um dos meios que favorecem a avaliação formativa. Se a falta de convívio com os estudantes a torna limitada, o que pode ser observado e como, para que eles se sintam seguros e acompanhados?

Pensemos, também, nas singularidades da avaliação dos estudantes em cada etapa/modalidade de ensino/componente curricular. Além das atividades que desenvolvem, quais outras são específicas em cada situação? Por exemplo: o que é próprio da educação infantil, da socioeducação, da educação profissional, da EJA etc?

Como oferecer feedback em cada situação? Há informações gerais que podem ser dirigidas a todos. De que forma isso poderá ser feito? E as individuais?

Detectadas as necessidades dos diferentes estudantes, como oferecer as intervenções? Este é um grande desafio. Certamente, serão criadas maneiras condizentes com cada etapa/modalidade de ensino.

Atividades em pares são benéficas nesse momento porque promovem interação e colaboração. Os estudantes são criativos e têm facilidade de usar os recursos da internet. Podem atuar junto aos professores para o desenvolvimento de atividades interessantes.

Que tal a construção de portfólios pelos estudantes? É uma atividade dinâmica, criativa e prazerosa.

A construção de registros reflexivos também é apropriada. Constituem-se de anotações ou narrações sobre aprendizagens desenvolvidas, aspectos considerados relevantes, articulações entre os estudos realizados. Apresentam várias vantagens, dentre elas: como o nome indica, favorecem a reflexão; constituem oportunidade para a escrita; compartilham experiências; sistematizam observações recolhidas. Em cada situação eles cumprem objetivos próprios. Os registros podem ser feitos por estudantes de qualquer idade.

Registros reflexivos e autoavaliação se complementam. Um favorece o outro. Quando o portfólio é adotado, ambos poderão nele ser incluídos.   

O que os diferencia da autoavaliação é que esta permite aos estudantes avaliarem como estão aprendendo e até mesmo criarem seus próprios objetivos. É um recurso pontual de avaliação. Os registros reflexivos se referem aos saberes/conteúdos em desenvolvimento. Podem ter como referência um tema ou uma unidade. Possibilitam a organização, a formulação e a escrita de ideias.   

Antes de finalizarmos esta conversa, deixo uma reflexão: quando as aulas presenciais forem retomadas, o processo de aprendizagem e o de avaliação terão continuidade, não devendo simplesmente “fazer parte do passado” e serem esquecidos. É importante que não se crie um hiato. O processo de avaliação terá de ser retomado. Professores e estudantes estão trabalhando muito durante as aulas remotas. Não será um esforço perdido, mas um período que propiciará muitas análises e revisões. A escola não será a mesma depois disso. Muitas lições estão sendo aprendidas.

E para finalizar, faço uma sugestão aos colegas que estão atuando em aulas remotas: mantenham um registro geral de todo o processo avaliativo durante a pandemia. Como pesquisadores da sua prática, organizem um portfólio com tudo que forem coletando. Vocês terão um rico material para divulgação ou publicação. Estamos vivendo uma experiência inusitada. Coube a vocês serem os protagonistas de parte dessa história.      

 

JC Notícias – 27/09/2021

Um cabo, um soldado e as entranhas da avaliação quadrienal da Capes

“A medida acolhida pelo MPF do Rio de Janeiro reclama uma solução há muito demandada por parte expressiva dos avaliados: assegurar o mínimo de previsibilidade e estabilidade no sistema nacional de avaliação”, defende José Gondra, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador do CNPq e da Faperj

Em ação civil pública, o Ministério Público Federal (MPF) intimou a Capes a apresentar os critérios de avaliação empregados no quadriênio encerrado em 2020, cuja avaliação se encontrava em sua fase final. Os procuradores alegam, corretamente, que os critérios de avaliação foram alterados ao final do quadriênio, com efeitos retroativos, sem previsão de regimes de transição entre os dois modelos. Alegam, ainda, que a retroatividade dos parâmetros normativos, regulatórios e fiscalizatórios do complexo sistema nacional de pós-graduação, que envolve cerca de cinco mil programas de Mestrado e Doutorado, consiste em um expediente inadmissível no direito, na medida em que pegam de surpresa as instituições, pesquisadores e alunos; sem possibilitar revisão dos planejamentos e, consequentemente, dos resultados atingidos em termos de formação, pesquisa e comunicação qualificada.

Ao operar com estes argumentos, o MPF também invoca princípios básicos da teoria da avaliação, isto é, as regras e parâmetros de toda e qualquer avaliação, da sala de aula até as macroavaliações, precisam estar definidas antes do apito inicial, isto é, antes do jogo começar a ser jogado. Ao inverter maldosamente os princípios do direito e da pedagogia, os gestores da Capes certamente favorecem uns e prejudicam outros tantos. Os menos favorecidos constituem uma maioria que não cessa de aumentar, sobretudo em um cenário de crescente escassez de recursos para a pesquisa e formação pós-graduada.

No quadriênio encerrado em 2020, modificações drásticas foram operadas no sistema, como a medida genérica de considerar apenas quatro produtos por professor de cada programa. Não bastasse esta imposição, os programas foram responsabilizados pela indicação dos referidos produtos sem terem acesso a nenhum instrumento confiável para qualificar as revistas científicas, livros, eventos, exposições, vídeos e outra formas da comunicação especializada. Tenta-se impor, igualmente, formas de aferição baseada em indicadores elaborados, geridos e comercializados por empresas transnacionais, extremamente lucrativas, que dominam muitas ferramentas da difusão científica, quase naturalizadas, como a Clarivate, Sage, Scopus, Elsevier e Wiley, que disputam parte importante do orçamento mundial destinado a CT&I, da ordem de U$ 1,366 trilhões, segundo estimativas válidas para o ano de 2020.

Ao fazer isto, o sistema opera com a perversa lógica da homogeneização, procurando equiparar as histórias e funcionamentos de campos extremamente diversos, como a física, química, teologia, educação, agronomia, antropologia, engenharia, medicina e as artes.

Não se trata de defender a judicialização de qualquer matéria, a qualquer preço, menos ainda de defender que basta um soldado e um cabo para garantir o fechamento do Supremo Tribunal Federal. A medida acolhida pelo MPF do Rio de Janeiro reclama uma solução há muito demandada por parte expressiva dos avaliados: assegurar o mínimo de previsibilidade e estabilidade no sistema nacional de avaliação.

Como diz a juventude; demorô!

*O artigo expressa exclusivamente a opinião de seus autores

 

JC Notícias – 24/09/2021

Em todo o mundo, 117 milhões de estudantes ainda estão fora da escola, alerta Unesco

Dados da organização indicam que, atualmente, 117 países têm escolas totalmente abertas, atendendo 35% do total da população mundial estudantil, enquanto 18 países permanecem com suas escolas fechadas, afetando 7,5% estudantes

Um ano e meio desde que a pandemia da covid-19 ocasionou o fechamento de escolas em todo o mundo, milhões de estudantes não voltaram às salas de aula. Informações da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) apontam que, atualmente, as escolas estão totalmente abertas em 117 países, com uma população total de 539 milhões de estudantes, da pré-escola até a educação secundária. Isso equivale a 35% do total da população mundial estudantil, comparados com os 16% que retornaram às aulas em setembro de 2020.

Com isso, 117 milhões de estudantes, que representam 7,5% do total da população estudantil, ainda estão sendo afetados pelo fechamento total das escolas em 18 países. Em setembro de 2020, o número de países com escolas parcialmente abertas caiu de 52 para 41.

As escolas permaneceram fechadas por um período total de 18 meses em cinco países, que respondem por 77 milhões de estudantes. Em todos os países que tiveram fechamentos prolongados de escolas, a educação foi fornecida por meio de uma combinação de aulas online, módulos impressos, bem como aulas por meio de TV e rádio.

Desde o início da pandemia, em todo o mundo, as escolas permaneceram completamente fechadas por uma média de 18 semanas (quatro meses e meio). Se forem considerados os fechamentos parciais (por localidade ou por nível educacional), a duração média dos fechamentos em todo o mundo é de 34 semanas (oito meses e meio), ou quase um ano acadêmico completo.

A Unesco e seus parceiros da Coalizão Global de Educação têm defendido a reabertura segura das escolas, insistindo que os fechamentos completos sejam usados apenas como último recurso.

“Nós sabemos que, quanto mais tempo as escolas permanecerem fechadas, mais dramático e potencialmente irreversível será o impacto sobre o bem-estar e a aprendizagem das crianças, especialmente para as mais vulneráveis e marginalizadas”, Stefania Giannini, diretora-geral adjunta do Setor de Educação da Unesco

Com certeza é encorajador que muitos governos estejam realizando todos os esforços para priorizar a reabertura de uma forma que seja segura para estudantes, professores e comunidades, mas nosso objetivo maior e mais urgente deve ser reabrir as escolas em todos os lugares, para todos os estudantes”, completou a diretora-geral adjunta da Unesco.

Perdas de aprendizagem

Interrupções prolongadas ou repetidas de aulas, assim como o fechamento das escolas, ocorridos durante os últimos dois anos acadêmicos, resultaram em perdas de aprendizagem e no aumento das taxas de evasão, afetando de maneira desproporcional os estudantes mais vulneráveis.

Na maioria dos países, as escolas adotaram alguns protocolos sanitários, como o uso de máscaras, o uso de desinfetantes para as mãos, a melhoria da ventilação e o distanciamento social, que também foram fundamentais para a reabertura das escolas no ano passado. Alguns países também introduziram a testagem em grande escala, bem como o fechamento temporário de salas de aula e escolas quando o coronavírus é detectado.

O aumento das taxas de vacinação entre a população em geral e entre os professores tem sido um fator-chave para a reabertura de escolas. Em 80 países foi dado certo grau de prioridade à vacinação de professores, o que permitiu que cerca de 42 milhões desses profissionais fossem vacinados. Em alguns países, a vacinação de estudantes com mais de 12 anos também é um fator determinante para a reabertura total das escolas.

No início das campanhas de vacinação, a Unesco and Education International pediram aos países que incluíssem os professores como grupo prioritário nos planos nacionais para conter a propagação do vírus, que protegessem professores e estudantes e que garantissem a aprendizagem sem interrupções.

Apoio e preparação

As ações corretivas para acelerar a recuperação das perdas de aprendizagem continuam sendo, em todo o mundo, um componente essencial das respostas nacionais do setor educacional à covid-19. Professores e educadores necessitam de apoio e preparação adequados.

A conectividade e a redução da exclusão digital também continuam a ser prioridades fundamentais na construção da resiliência dos sistemas educacionais, assim como no oferecimento de oportunidades de aprendizagem híbrida.

A Unesco, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Banco Mundial uniram forças sob a Missão: Recuperar a Educação 2021, para apoiar os governos a trazer todos os estudantes de volta à escola, executar programas para ajudá-los a recuperar a aprendizagem perdida, e treinar professores para lidar com as perdas de aprendizado e para incorporar as tecnologias digitais em seu ensino.

ONU Brasil

 

JC Notícias – 20/09/2021

“Por que celebrar o centenário de Paulo Freire?”

“Em tempos como o que estamos vivendo hoje, de retrocessos sociais e políticos e de um neoconservadorismo crescente, precisamos de referenciais como os de Paulo Freire, para nos ajudar a encontrar o melhor caminho de resistência e luta nessa travessia”, escreve Moacir Gadotti, professor aposentado da Faculdade de Educação da USP e presidente de honra do Instituto Paulo Freire para o Jornal da USP

Desde o ano passado, celebrações em torno dos cem anos de Paulo Freire estão sendo realizadas em diferentes partes do mundo. Alguns poderiam perguntar: por que celebrar o centenário de Paulo Freire? A pergunta procede, pois ele não gostava de homenagens. Costumava dizer, quando recebia homenagens, e foram muitas, que as recebia porque tinha certeza de que elas só aconteciam em função das causas que defendia.

Ele deixou marcas profundas em muitas pessoas e profissionais de diferentes áreas. Não apenas pelas suas ideias, mas, sobretudo, pelo seu compromisso ético-político. Entretanto, não deixou discípulos como seguidores de ideias.

Deixou mais do que isso. Deixou um espírito. “Para me seguir não devem me seguir”, dizia ele. Pedagogia do Oprimido teve grande repercussão porque expressava o que muita gente já tinha em mente em seus sonhos e utopias, um mundo de iguais e diferentes, e ressoou nos mais diversos ambientes. Sua filosofia educacional cruzou as fronteiras das disciplinas, das ciências e das artes para além da América Latina, criando raízes nos mais variados solos.

Para nós, do Instituto Paulo Freire, ele continua sendo a grande referência de uma educação como prática da liberdade e de uma educação popular. Muitas das mensagens recebidas no Instituto Paulo Freire, em São Paulo, logo depois do dia 2 de maio de 1997, data de seu falecimento, dizem textualmente: “Minha vida não seria a mesma se eu não tivesse lido a obra de Paulo Freire”; “O que ele escreveu ficará no meu coração e na minha mente”. Essas mensagens revelaram o impacto na vida de tantas pessoas de muitas partes do mundo.

Não há dúvida de que Paulo Freire deu uma grande contribuição à educação para a justiça social e à concepção dialética da educação. A pedagogia autoritária e seus teóricos combatem suas ideias justamente pelo seu caráter emancipatório e dialético. Seja como for, aceitemos ou não as suas contribuições pedagógicas, ele constitui um marco decisivo na história do pensamento pedagógico mundial.

As ideias de Paulo Freire continuam válidas não só porque precisamos ainda de mais democracia, mais cidadania e de mais justiça social, mas porque a escola e os sistemas educacionais encontram-se, hoje, frente a novos e grandes desafios. E ele tem muito a contribuir para a reinvenção da educação atual. Essa reinvenção da educação passa pela recuperação dos educadores como agentes e sujeitos do processo de ensino-aprendizagem e da prática educativa. A reinvenção da educação só pode ser obra de um esforço coletivo, colaborativo, plural, não sectário, pensando numa transição gradual para outras formas de conceber os sistemas educacionais, seu planejamento, sua gestão e monitoramento, seus parâmetros curriculares, se quisermos dar uma contribuição significativa para a construção de novas políticas públicas de educação.

Paulo Freire defendia o saber científico sem desprezar a validade do saber popular, do saber primeiro. Dizia que não podemos mudar a história sem conhecimentos, mas que tínhamos que educar o conhecimento para colocá-lo a serviço da transformação social. Educar o conhecimento pelo entendimento da politicidade do conhecimento; entender o sentido histórico e político do conhecimento.

A utopia é uma categoria central do pensamento de Paulo Freire. Por isso, ele se opôs diametralmente à educação neoliberal, pois o neoliberalismo “recusa o sonho e a utopia”, como afirma na sua Pedagogia da Autonomia. O neoliberalismo não só recusa o sonho e a utopia. Ele também recusa o saber dos docentes, reduzindo-os a meros repassadores de informações como máquinas de reprodução social, excluindo-os de qualquer participação no debate sobre os fins da educação. A educação neoliberal não se pergunta sobre as finalidades da educação, investindo toda a energia nos meios e, particularmente, na eficácia e na rentabilidade, quantificadas milimetricamente por um certo tipo de avaliação. Sabemos avaliar com perfeição, sem nos perguntar sobre o que estamos avaliando.

Para essa concepção de educação, os docentes não têm conhecimento científico; seu saber é inútil. Por isso, não precisam ser consultados. Eles só precisam conhecer receitas sem se perguntar por que ensinam isto e não aquilo. Eles só servem para aplicar novas tecnologias: a sala de aula perde sua centralidade e a relação professor-aluno entra em declínio em favor da relação aluno-computador.

Portanto, há razões para celebrar o centenário de Paulo Freire.

E, como nossa celebração não é uma pura homenagem, nossa proposta de celebração do centenário de Paulo Freire é, também, um convite para um compromisso com uma causa. Nossas celebrações têm um sentido estruturante, um sentido propositivo e prospectivo. Para nós, celebrar não é esperar que o amanhã chegue a nós. É fazer, desde já, o amanhã que desejamos ver realizado. Não é pura espera. É esperançar. Entendemos o centenário de Paulo Freire como um espaço-tempo de articulações, como um processo formativo e de mobilização com vistas à transformação da realidade.

A práxis de Paulo Freire opôs-se ao neoliberalismo e hoje, ao celebrar o centenário, estamos também nos contrapondo à ofensiva ideológica neoconservadora e fortalecendo o pensamento crítico freiriano, promovendo ações e projetos alternativos à mercantilização da educação.

Para nós, celebrar Paulo Freire é lutar para democratizar a escola e educar para e pela cidadania. Trata-se, portanto, de lutar por uma escola que forme o povo soberano, o povo que pode mudar o rumo da história, uma escola transformadora, uma escola que emancipa. Paulo Freire nos dizia que essa escola, a escola cidadã, era uma escola de companheiro, de comunidade, que vive a experiência tensa da democracia.

Por isso, saudamos com muito entusiasmo essas celebrações em torno do centenário de Freire. O que se destaca nelas é a defesa da educação pública e popular e a luta contra o neoliberalismo e a mercantilização da educação.

Em tempos como o que estamos vivendo hoje, de retrocessos sociais e políticos e de um neoconservadorismo crescente, precisamos de referenciais como os de Paulo Freire, para nos ajudar a encontrar o melhor caminho de resistência e luta nessa travessia.

Nossa resposta a esses tempos obscuros é celebrar Freire.

Jornal da USP