Por: Erisevelton Silva Lima
Pedagogo, Doutor em Educação pela Universidade de Brasília-UnB
Primeiras palavras
Nossas práticas avaliativas revelam nossas concepções e práticas de ensino. Tal assertiva parece óbvia e simples, todavia, não é. Historicamente somos fruto do que vivemos e entendemos como certo ou errado. Não é por acaso que dizemos que todo docente é o resultado dos professores que o ensinaram ao longo da vida. Mesmo aquele que nunca imaginaria tornar-se docente traz consigo, desde os primeiros momentos de atuação, em uma sala de aula presencial ou virtual, os modelos internalizados dos bons e dos maus docentes com quem conviveu. A questão é quando potencializar e quando inibir tais práticas e seus modelos.
As vivências nos cursos de formação de magistrados para a docência apresentaram-nos alguns questionamentos, cujas respostas podem auxiliar os antigos e os futuros professores, sejam eles atuantes na formação inicial, continuada e/ou no vitaliciamento, quais sejam: a). Existe algum modelo e didática consolidados para a formação de magistrados? b). Dentre os instrumentos e procedimentos avaliativos praticados, quais têm encontrado maiores ecos e adesões nos cursos de formação de magistrados para a docência?
Em primeiro luga,r é preciso considerar que sim, nossas práticas avaliativas revelam nossas adesões ou crenças sobre o que é válido para ensinar, aprender e avaliar. Se para o docente aprender é memorizar, fatalmente seu foco avaliativo seguirá esse sentido. Agora, se para o professor a aprendizagem ou ensinagem (ANASTASIOU E ALVES, 2007) materializa-se por meio da capacidade de analisar, criticar e propor, suas práticas avaliativas reforçarão tais entendimentos. A ética, o humanismo e a interdisciplinaridade ganham destaque no programa de Formação de Formadores (FOFO) da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM – desenvolvido em todo o território nacional.
Em documento próprio, a ENFAM preconiza e demarca sua concepção de avaliação:
Assim compreendida, a avaliação é indissociável do ato de planejar; é categoria central e direcionadora das ações de formação da magistratura, à medida que é instrumento para orientar continuamente a tomada de decisão sobre o processo de ensino e de aprendizagem e de todo o trabalho pedagógico. Nessa ótica, propõe-se articular currículo e planejamento de maneira a orientar e redirecionar o espaço-tempo da formação, visando a qualidade do processo de ensino-aprendizagem, na perspectiva de “ensinagem”, o ensino que gera a efetiva aprendizagem (…) – DIRETRIZES PEDAGÓGICAS DA ENFAM – APÊNDICE B, p. 04/2017).
Não se trata de uma abordagem estanque da integralidade que constitui o trabalho pedagógico: a avaliação apresenta-se antes, durante e no encerramento do processo de ensino, validando e revalidando as aprendizagens. Nos cursos de formação de formadores tais elementos estão presentes – dizemos isso em razão da nossa experiência acumulada por quase uma década atuando nesses cursos de Manaus-AM a Porto Alegre – RS. Em razão disso, apresentamos algumas reflexões sobre as práticas que constituem o modo de ensinar, aprender e avaliar desenvolvidos na formação para magistratura brasileira.
É possível sinalizar a existência de uma didática própria para a formação de formadores magistrados?
Durante as formações promovidas pelas diversas escolas judiciais e de magistratura, o Arco de Maguerez (BERBEL, 1998) tem tomado força e inspirado formadores e alunos durante o planejamento das aulas e dos cursos. Convém ressaltar que o Programa de Formação de Formadores em vigor, da ENFAM, estabelece três módulos para o que denomina de Nível 1: imersão no campo pedagógico e na necessidade de formar formadores com foco na aula no módulo um; o planejamento de cursos no módulo dois; e oficinas que consolidem ou potencializem as práticas interdisciplinares de ensino, aprendizagem e avaliação, em seu terceiro e último módulo. Em razão disso, temos construído e sinalizado o caminho da didática para auxiliar os bacharéis em razão da sua nova função profissional:
- Problematização: Elemento que inaugura, estimula e abre o canal para o diálogo nas aulas ou cursos por meio de vídeos, aprendizagem baseada em problemas, estudos de caso, tempestade de ideias, simulações de audiências e outros.
- Fundamentação e levantamento de hipóteses: O desenvolvimento da aula e dos cursos não prescinde ou abre mão de rico aprofundamento em temas jurídicos e interdisciplinares, para o que lançamos mão de técnicas como estudo de textos, grupos de verbalização- observação, Philips 66, simulações de audiências, estudos de caso e outros.
- Síntese e proposições: A finalização das aulas ou cursos, embora tenham se beneficiado de várias estratégias avaliativas, procuram consolidar tais momentos por meio da avaliação por pares, rodas de conversas e registros reflexivos, dentre outros. A troca de experiências, o apoio aos novos magistrados por meio das vivências dos seus pares marcam a riqueza desses eventos. Cada aula e, por consequência, cada curso evocam a necessidade de refletir sobre as práticas e promover apoio para os novos integrantes em questões e temas nem sempre contemplados por meio dos certames de acesso à carreira.
Longe da ideia de esgotar o assunto ou formatar os cursos, afinal não é este nosso interesse, o movimento acima descrito vem ao encontro do que chamamos de método ativo, ou seja, a inegável necessidade do protagonismo dos estudantes. Esses encontros revelam-se mais exitosos quanto maior for esse protagonismo; ao professor cabe, cada vez mais, a postura de mediador. Propor estratégias de ensino, de aprendizagem e de avaliação, sob sua gestão, fortalece os preceitos de uma pedagogia ativa voltada para a emancipação/autonomia dos discentes. Seja no preparo de uma aula ou curso as etapas, anteriormente descritas, demonstram forte adesão daqueles que agora cuidam da formação direta e indireta dos magistrados e servidores.
É possível falar em unidade avaliativa nesses cursos/formações?
A avaliação para as aprendizagens (VILLAS BOAS, 2014) ou avaliação formativa ganha força quanto maior for o entendimento de que uma técnica de ensino pode servir para ensinar, aprender e avaliar ao mesmo tempo; para que isso ocorra o olhar do professor precisa ser (re) orientado com vistas às aprendizagens de todos. Aí se encontra o papel da formação. Ao trabalhar com a turma por meio de seminário, estudo de caso, GVGO e/ou simulação de audiências, as interações possuem triplo sentido: servem para ensinar, aprender e avaliar, é fato. Mas isso só será possível caso o formador esteja preparado para perceber tais manifestações. O feedback encorajador, tanto dos formadores para as turmas como entre os pares, é outro elemento bastante discutido e fomentando nesses cursos, em todos os módulos. A negociação de indicadores e critérios de avaliação em todas as atividades promove e retroalimenta, gradualmente, as boas práticas avaliativas de maneira respeitosa e ética. Não é por acaso quem em todas as atividades propostas pelo formador, em diálogo com a turma, definem-se ou elegem-se o que desejam alcançar, como desejam alcançar e para que desejam tal alcance. Eis a função básica ou primeira do discurso e da prática avaliativa numa perspectiva formativa. A formação em avaliação tem servido para rediscutir e reinaugurar a prevalência de aspectos qualitativos sobre outros que se reduzam, meramente, a uma nota. Embora muitas escolas judiciais e de magistratura ainda façam uso da avaliação somativa, o uso das notas começa a ser questionado pelos próprios cursistas.
Considerações parciais
A formação de formadores e os seus reflexos nos cursos de formação inicial, continuada e de vitaliciamento já produzem seus efeitos; os depoimentos daqueles que atuavam e dos novos que passam a ministrar aulas são otimistas e reveladores. Acreditamos que pesquisas que apontem o impacto dessas metodologias são o melhor caminho para o alinhamento das ações futuras de todas as escolas judiciais, de magistratura e da própria ENFAM.
O estímulo da ENFAM, já normatizado, no sentido de que todas as escolas construam seus projetos político-pedagógicos ou suas propostas pedagógicas deve sedimentar e consolidar os princípios da ética, do humanismo e da interdisciplinaridade sobejamente defendidos por meio de metodologias ativas.
A formação de magistrados para docência que atinge, por extensão, a formação dos demais servidores deve ser unificada. A distribuição de justiça ganhará mais força e coerência quanto maior for a unidade metodológica e transdisciplinar que comporá as atividades de formação desses profissionais de carreira.
Finalizamos com relatos de juízes e juízas docentes que participaram dos cursos da Formação de Formadores (FOFO), profissionais que atuam na formação inicial, continuada e de vitaliciamento de magistrados e magistradas. Tais relatos foram retirados dos registros reflexivos por eles produzidos:
Nunca imaginei que os métodos ativos fossem tão úteis, utilizei do Philips 66 numa aula de técnica de prolação de sentença. Foi incrível como o tempo passou rápido e produzimos peças ricas e interessantes. (Juíza do Centro-Oeste)
Eu acabei mudando minhas aulas até na graduação. De início os alunos desconfiam, dizem que estamos sem querer dar aulas. Depois eles percebem que o protagonismo tira os mesmos do comodismo. Na formação inicial tenho usado muito da simulação de audiências como forma de avaliação pelos pares. Não tenho dúvida, estamos aprendendo mais. (Juiz do Nordeste)
No dia em que eu disse a eles que antes da avaliação eles e eu teríamos que definir os critérios e indicadores pelos quais nos guiaríamos (muitos ficaram surpresos). Fizemos isso numa aula em que simulamos uma audiência de custódia. Após realização da mesma, todos participaram apontando fragilidades e potencialidades nos papéis desempenhados. Isso foi muito importante para eu avaliar, não somente a técnica, mas a própria aprendizagem. (Juiz do Norte)
Eu era crítica contumaz das metodologias ativas, mas revi meus pré-conceitos durante minha atuação com juízes novos. Eles sabem muito, todas as leis, normas, dogmáticas pareciam estar na ponta da língua. Quando fiz um debate sobre crimes transfronteiriços usando o Philips 66 fiquei surpresa com a riqueza do debate e a troca de experiências. (Juíza do Sul)
Sempre inicio minhas aulas problematizando, as turmas são muito bem preparadas, fui discutir a utilização dos tratados internacionais nas decisões e o estudo de caso foi tão rico e importante, passamos da hora de sair e a turma não reclamou. (Juiz do Sudeste).
REFERÊNCIAS
ANASTASIOU, L. das G. C; ALVES, L. P. Processos de ensinagem na universidade. Pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. 3. ed. Joinville: Univille, 2007.
BERBEL, N. A. N. Metodologia da problematização: experiências com questões de ensino superior. Londrina: EDUEL, 1998.
BRASIL, Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM, Diretrizes Pedagógicas – Apêndice – B, Brasília-DF, 2017.
VILLAS, B. M. F. Avaliação para a aprendizagem na formação de professores. Cadernos de Educação. Brasília, n. 26, p. 57-77, jan./jun. 2014.