Especialistas pedem cautela em mudança no índice de avaliação da educação básica

JC Notícia – 10/10/2023

Criado em 2007, o Ideb leva em conta dados do Censo Escolar sobre a aprovação nas escolas e o desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) para que o poder público crie metas de qualidade educacional

Especialistas da área da educação pediram cautela ao Poder Legislativo em uma possível alteração no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). A audiência pública interativa ocorreu na Comissão de Educação (CE), a pedido da senadora Damares Alves (Republicanos-DF). O presidente da CE é o senador Flávio Arns (PSB-PR).

Criado em 2007, o Ideb leva em conta dados do Censo Escolar sobre a aprovação nas escolas e o desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) para que o poder público crie metas de qualidade educacional. A manutenção da simplicidade de cálculo do indicador foi defendida pelos convidados do debate.

Damares Alves explicou que a comissão vem analisando e debatendo o cumprimento da Meta 7 do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, política pública em análise pelo colegiado em 2023. Ela disse que o objetivo do ciclo de audiências públicas é embasar seu relatório final para subsidiar a elaboração do novo PNE.

As metas do PNE são direcionadas à garantia do direito à educação com qualidade, assegurando o acesso, a universalidade do ensino obrigatório e a ampliação das oportunidades educacionais. O plano também tem metas para a redução das desigualdades, a promoção da diversidade, a valorização dos profissionais da educação e a ampliação do investimento no setor.

A Meta 7 do PNE trata do fomento da qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem. Os entes federativos devem se articular, em colaboração, para garantir o alcance das médias e o nível suficiente de aprendizado a todos os estudantes.

Desigualdades

Ernesto Martins Faria, diretor do instituto Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional), defendeu que o novo Ideb deve indicar quais aprendizagens serão o foco das ações e monitoramentos. Para ele, o Ideb precisa continuar usando o Saeb, que deve ser revisto para se adequar à Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Segundo o diretor, isso vai ajudar a garantir mais alunos nos níveis adequados de aprendizagem. Ernesto também defendeu que as informações do Ideb sejam usadas para mostrar as “desigualdades educacionais que precisam ser combatidas, como as relacionadas à condição socioeconômica dos estudantes, sua cor/raça, localização, gênero, entre outras”.

— O Ideb deve sinalizar a preocupação da sociedade com uma educação inclusiva e que promova a diversidade — defendeu Ernesto Faria.

O professor da Universidade de Brasília (UnB) Joaquim José Soares Neto, membro da Associação Nacional de Avaliação Educacional, concorda igualmente com a manutenção da simplicidade do Ideb. Segundo ele, a maioria das escolas do país já estão familiarizadas com o indicador e sabem que ele tem como objetivo a melhoria constante da qualidade da educação. Ele também afirmou que as metas do novo PNE “precisam ser alcançáveis” para continuarem mobilizando as escolas.

— Qualquer proposta tem que manter a simplicidade da estrutura do Ideb, não pode mudar de forma brusca — opinou o professor.

Também participaram do debate a senadora Tereza Cristina (União-MT); Fábio Pereira Bravin, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep); e o professor Reynaldo Fernandes, da Universidade de São Paulo (USP).

Agência Senado

 

Potência do ‘bê-a-bá’: estudo pós-pandemia mostra que criança tem 2,6 vezes mais chances de sucesso escolar se bem alfabetizada

JC Notícias – 09/10/2023

A probabilidade de um aluno alcançar o nível avançado de proficiência em Língua Portuguesa no 5º ano é de 55% se ele foi alfabetizado no tempo adequado e de apenas 21% se não foi

amuel Alves, de 10 anos, fez o 2º ano do ensino fundamental em 2020, bem no ano da maior crise sanitária dos últimos cem anos. Mineiro de Ubá, acabou não conseguindo — como muitos da sua geração — se alfabetizar plenamente durante a pandemia de Covid-19 e chegou ao 5º ano, em 2023, com dificuldades.

— O professor do Samuel me informou que a leitura dele não era fluente, que faltava compreensão e que havia dificuldade de escrita — contou Aline Ferrer de Oliveira, professora de reforço do menino na Escola Municipal Mere Maria D’Aquino.

Dados de uma pesquisa inédita no Brasil mostram que a dificuldade encontrada por Samuel é compartilhada. O estudo descobriu que crianças bem alfabetizadas até o 2º ano do ensino fundamental têm 2,6 mais chances de atingirem um nível avançado de aprendizagem no 5º ano do ensino fundamental.

Em outras palavras, a probabilidade de um aluno alcançar o nível avançado de proficiência em Língua Portuguesa no 5º ano é de 55% se ele foi alfabetizado no tempo adequado e de apenas 21% se não foi. Em Matemática, essa diferença é, respectivamente, de 40% para o primeiro grupo de estudantes e 15% para o segundo.

O trabalho foi desenvolvido por pesquisadores do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social (Lepes) da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal do Ceará, com apoio da Fundação Lemann e do Instituto Natura. Ele conseguiu analisar o desempenho dos mesmos alunos quando estavam no 2º ano e depois no 5º ano do fundamental. A base de dados utilizada é a da rede pública do Ceará, e os resultados foram projetados para nível nacional usando o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).

Leia na íntegra: O Globo

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O GEPA e suas contribuições

Enílvia R. Morato Soares

Imbuído do compromisso de buscar, cada vez mais, aprofundar e produzir conhecimentos acerca da avaliação desenvolvida na e pela escola, o Grupo de Pesquisa em Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico – GEPA – tem investido esforços em pesquisas científicas que possam contribuir com o debate acerca da temática, e em decorrência, promover avanços na prática educativa.

Considerando que a realidade concreta é sempre o nosso ponto de partida e que essa realidade é histórica e socialmente produzida, importa conhecer as concepções que hoje fundamentam a avaliação idealizada e vivida no dia a dia de nossas escolas, bem como o caminho percorrido para que tais entendimentos se façam presentes.

Nessa perspectiva, optamos, a princípio, por analisar a abordagem da avaliação em livros, desde 1960 até a década atual, trabalho que resultou na obra “Avaliação das Aprendizagens em Livros: de 1960 a 2020”, publicada em 2022.  O entendimento da avaliação em cada um desses períodos possibilitou compreender a relevância da construção de um processo avaliativo comprometido com as aprendizagens de todos os estudantes e de toda a escola, bem como identificar desafios que precisam ser enfrentados a fim de que a “sina classificatória” (VASCONCELOS, 2014) fortemente cultivada ao longo dos tempos possa ser superada.

Contribuir nessa direção apontou a necessidade de tomar como foco o tempo presente, buscando analisar o idealizado por cada escola em relação à organização do trabalho pedagógico, em especial, à avaliação que pretende desenvolver. O planejamento de cada escola constitui norte orientador de suas práticas e, por isso, de grande importância para a percepção do contexto avaliativo que comportam.

A análise dos Projetos Político-Pedagógicos (PPP) de parte significativa das escolas do DF constitui, então, a nova pesquisa iniciada pelo Grupo. Uma amostra representativa do total de escolas foi selecionada e o acesso aos seus PPP realizado por meio do site da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF). Análises criteriosas desses documentos têm sido realizadas, acompanhadas de estudos que possam fundamentá-las.

Projeto, do latim projectum, “é o resultado da reflexão de todos os segmentos no momento em que enjeitam para frente, para fora, o que querem da sociedade planetária, e, também, o que a escola, com cada uma das disciplinas e com cada um dos segmentos envolvidos, tomará como responsabilidade para contribuir na efetivação desse plano, na prática”. (MEURER, 2007, p.90)

O PPP é, portanto, um documento que, para além do atendimento a uma exigência formal, representa o compromisso de todos os segmentos envolvidos com o repensar constante da educação oferecida e a implementação de ações e relações capazes de desencadear mudanças e promover melhorias. Constitui um processo multilateral de responsabilização chamada por Bondioli (2004) de “qualidade negociada”’, que permite definir valores, objetivos, prioridades e ideias sobre a escola que temos e a que queremos, explicitando caminhos rumo à sua construção.

            A avaliação integra todo esse percurso. É ela que impulsiona a própria construção e o acompanhamento sistemático do PPP, garantindo a ele o caráter dinâmico que o mantém vivo e em constante movimento de reconstrução.  É ela que dá lugar, a partir de reflexões autoavaliativas do trabalho realizado, à proposição de novas formas de organização do trabalho pedagógico, incluindo a avaliação praticada em sala de aula e em/por toda a escola. Conhecer o papel ocupado pela avaliação nos PPP do DF propiciará, a nosso ver, uma visão totalizante da realidade concreta de nossas escolas, podendo constituir um valioso contributo rumo à instauração de práticas avaliativas guiadas por intenções formativas.

Referências:

BONDIOLI, A. O Projeto pedagógico da Creche e a sua Avaliação: A Qualidade Negociada. Campinas: Autores Associados, 2004.

MEURER, Ana Carine. A articulação do Projeto Político-Pedagógico da escola de Ensino Médio e do Projeto Político-Pedagógico Social: Perspectivas dos alunos. In.: VEIGA, Ilma Passos Alencastro (Org.). Quem Sabe faz a Hora de construir o Projeto Político-Pedagógico. Campinas-SP: Papirus, 2007.

VASCONCELLOS, C.S. Avaliação classificatória e excludente e a inversão fetichizada da função social da escola. In: FERNANDES, C.O. (Org.). Avaliação das aprendizagens: sua relação com o papel social da escola. São Paulo: Cortez, 2014.

 

Crise nos programas de licenciatura

JC Notícias – 02/10/2023

Políticas para melhorar a atratividade da carreira docente e reformular currículos são caminhos para reverter cenário de escassez de professores na educação básica brasileira

Uma medida paliativa vem ocorrendo com frequência cada vez maior em escolas públicas e privadas de todo o país. Muitos estudantes estão finalizando o ano letivo de 2023 sem ter tido aulas de física ou sociologia com professores habilitados para ministrar essas disciplinas. Diante da ausência de candidatos para ocupar as docências, as escolas improvisam e colocam profissionais formados em outras áreas para suprir lacunas no ensino fundamental II e no ensino médio. A medida tem se repetido em diferentes estados e municípios brasileiros, como mostram dados de estudo inédito realizado por pesquisadores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep): em Pernambuco, por exemplo, apenas 32,4% das docências em física no ensino médio são ministradas por licenciados na disciplina, enquanto no Tocantins o valor equivalente para a área de sociologia é de 5,4%. Indicativo da falta de interesse dos jovens em seguir carreira no magistério, o número de concluintes de licenciaturas em áreas específicas passou de 123 mil em 2010 para 111 mil em 2021. Esse conjunto de dados indica que o país vivencia um quadro de apagão de professores. Para reverter esse cenário, pesquisadores defendem a urgência da criação de políticas de valorização da carreira docente e a adoção de reformulações curriculares.

“O apagão das licenciaturas é uma realidade que nos preocupa”, afirma Marcia Serra Ferreira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretora de Formação de Professores da Educação Básica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). As licenciaturas em áreas específicas são cursos superiores que habilitam os concluintes a dar aulas nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio na área do conhecimento em que se formaram. Dados do último Censo da Educação Superior do Inep, autarquia vinculada ao Ministério da Educação (MEC), divulgados no ano passado, mostram que desde 2014 a quantidade de ingressantes em licenciaturas presenciais está caindo, assim como ocorre em cursos a distância desde 2021. “As áreas mais preocupantes são as de ciências sociais, música, filosofia e artes, que apresentaram as menores quantidades de matrículas em 2021, e as de física, matemática e química, que registraram as maiores taxas de desistência acumulada na última década”, assinala Ferreira.

Dados do Inep disponíveis no Painel de Monitoramento do Plano Nacional de Educação (PNE) indicam que, em 2022, cerca de 59,9% das docências do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e de 67,6% daquelas oferecidas no ensino médio eram ministradas por professores qualificados na área do conhecimento. Ao analisar os números, o pedagogo e professor de educação física Marcos Neira, pró-reitor adjunto de Graduação da Universidade de São Paulo (USP), comenta que a situação é diferente em cada área do conhecimento. “Por um lado, a média nacional mostra que 85% dos docentes de educação física são licenciados na disciplina, enquanto os percentuais equivalentes para sociologia e línguas estrangeiras são de 40% e 46%, respectivamente. Ou seja, os problemas podem ser maiores ou menores conforme a área do conhecimento e também são diferentes em cada estado”, destaca Neira, que atualmente desenvolve pesquisa com financiamento da FAPESP sobre reorientações curriculares na disciplina de educação física.

A falta de formação adequada do professor pode causar impactos no processo de aprendizagem dos alunos, conforme identificou Matheus Monteiro Nascimento, físico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em pesquisa realizada em 2018. De acordo com o pesquisador, na ausência de docentes licenciados em física, quem acaba oferecendo a disciplina nas escolas, geralmente, são profissionais da área de matemática. “Com isso, observamos que a abordagem da disciplina tende a privilegiar o formalismo matemático”, comenta. Ou seja, no lugar de tratar de conhecimentos de mecânica, eletricidade e magnetismo por meio de abordagens fenomenológicas, conceituais e experimentais, os professores acabam trabalhando os assuntos em sala de aula apenas através de operações matemáticas e equações sem relação direta com a realidade do aluno. “O formalismo matemático é, justamente, o elemento da disciplina de física que mais prejudica o interesse de estudantes por essa área do conhecimento”, considera Nascimento.

Preocupados em mensurar se as defasagens poderiam ser sanadas com a contratação de profissionais formados em licenciaturas no Brasil nos últimos anos, pesquisadores do Inep realizaram, em setembro, estudo no qual olharam para as carências de escolas públicas e privadas nos anos finais do ensino fundamental e médio. “Se todos os licenciados de 2010 a 2021 ministrassem aulas na disciplina em que se formaram nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio em 2022, ainda assim o país teria dificuldades para suprir a demanda por docentes de artes em 15 estados, física em cinco, sociologia em três, matemática, língua portuguesa, língua estrangeira e geografia em um”, contabiliza Alvana Bof, uma das autoras da pesquisa. Além disso, o estudo avaliou se a quantidade de licenciados de 2019 a 2021 seria suficiente para suprir todas as docências que, em 2022, estavam sendo oferecidas por professores sem formação adequada. Foi constatado que faltariam docentes de artes em 18 estados, física em 16 estados, língua estrangeira em 15, filosofia e sociologia em 11, matemática em 10, biologia, ciências e geografia em 8, língua portuguesa em 5, história e química em 2 e educação física em um estado. “Os resultados indicam que já vivemos um apagão de professores em diferentes estados e disciplinas”, reitera Bof, licenciada em letras e com doutorado em educação.

Outro autor do trabalho, o sociólogo do Inep Luiz Carlos Zalaf Caseiro esclarece que o cenário de falta de professores não está relacionado com falta de vagas em cursos de licenciaturas. “Em 2021, o país teve 2,8 milhões de vagas disponíveis, das quais somente 300 mil foram preenchidas. Isso significa que 2,5 milhões de vagas ficaram ociosas, sendo grande parte no setor privado e na modalidade de ensino a distância”, relata. Licenciaturas oferecidas no ensino público, na modalidade presencial, também tiveram quantidade significativa de vagas ociosas. “De 2014 a 2019, a taxa de ociosidade de licenciaturas em instituições públicas foi de cerca de 20%, enquanto em 2021 esse percentual subiu para 33%”, informa. Cursos como o de matemática apresentaram situação ainda mais alarmante. “Licenciaturas de matemática em instituições públicas no formato presencial registraram 38% de vagas ociosas em 2021”, destaca Caseiro, comentando que muitas vagas, mesmo quando preenchidas, logo são abandonadas. Além disso, segundo o sociólogo, somente um terço dos estudantes que finalizam as licenciaturas vai atuar na docência; o restante opta por outros caminhos profissionais. O estudo foi desenvolvido a partir do cruzamento de dados relativos a docentes presentes no Censo da Educação Básica e referentes a ingressantes e concluintes em licenciaturas captados pelo Censo da Educação Superior. Ambas as pesquisas são realizadas anualmente pelo Inep para analisar a situação de instituições, alunos e docentes da educação básica e do ensino superior.

Os cursos de licenciatura enfrentam, ainda, o desafio de atualizar seus currículos. Tomando como exemplo a área de física, Marcelo Alves Barros, físico da USP de São Carlos, explica que os licenciados na disciplina, tradicionalmente, recebem formação pautada em uma abordagem com pouca conexão com outras disciplinas e a realidade do estudante da educação básica. Essa forma tradicional de pensar o conteúdo de física e ministrá-lo em sala de aula, conforme Barros, difere de diretrizes estabelecidas por documentos oficiais, entre eles a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio. Homologada em 2018, a BNCC dessa etapa de ensino determina que os currículos escolares devam deixar de ser organizados conforme disciplinas para passarem a funcionar por meio de áreas do conhecimento. Com isso, aulas de física, por exemplo, poderiam ser integradas à grande área de ciências da natureza e suas tecnologias que abarca, também, conteúdos de química e biologia. “Apesar da proposta interdisciplinar ser aspecto positivo da BNCC, a maioria dos professores de física do país não está preparada para atuar com esse viés nas escolas”, avalia Barros.

Na perspectiva do pesquisador, o novo ensino médio – criado pela Lei nº 13.415, em 2017, prevendo a flexibilização da grade curricular por meio da oferta dos chamados itinerários formativos (ver Pesquisa FAPESP nº 316) – traz desafios à formação tradicional de graduados em física. Isso porque os professores licenciados na disciplina não são preparados para ministrar aulas alinhadas com as propostas do novo ensino médio. “O descompasso entre o currículo atual do ensino médio e os conhecimentos do professor prejudica o processo de aprendizagem dos estudantes. Mais tarde, as deficiências no ensino de física na educação básica contribuem para que o jovem não queira cursar licenciatura nessa área do conhecimento”, relaciona. Segundo Barros, o caso do Instituto de Física da USP de São Carlos constitui exceção, na medida em que desde a década de 1990 os alunos da licenciatura recebem formação interdisciplinar, concluindo o curso aptos para lecionar aulas de ciência, física, química e matemática tanto para turmas do 6º ao 9º ano do ensino fundamental como para o ensino médio. Seguindo esse modelo, o pesquisador sustenta que currículos das licenciaturas em física devam ser reformados para aproximar a disciplina dos avanços da ciência moderna, tratando de temas atuais de mecânica quântica, relatividade e astrofísica e buscando desenvolver metodologias inovadoras de ensino. “Para que essa abordagem possa ser aplicada em sala de aula, um ponto-chave são as escolas contarem com laboratórios de atividades experimentais, que podem ajudar a conquistar o interesse de alunos”, aponta Barros, integrante de projeto financiado pela FAPESP voltado à busca por estratégias de renovação do ensino de ciência.

A BNCC e a reforma do ensino médio também trouxeram desafios para as licenciaturas em história, assegura Marieta de Moraes Ferreira, historiadora da UFRJ. “As novas diretrizes enxugaram os conteúdos específicos de áreas como sociologia, história e filosofia que devem ser ministrados na educação básica, em prol de uma abordagem interdisciplinar. Porém os professores não foram preparados para atuar com essas mudanças”, enfatiza Ferreira. Ela recorda que as primeiras graduações nessa área do conhecimento foram criadas no Brasil nos anos 1930 com foco na formação de professores. Mais tarde, na década de 1970, com a expansão de programas de pós-graduação, as instituições de ensino passaram a valorizar atividades de pesquisa nessa disciplina, de forma que a preocupação em formar alunos para o magistério ficou em segundo plano. O debate sobre o ensino de história voltou à cena nos anos 2000, quando as instituições passaram a diferenciar quem queria ser licenciado e dar aulas de quem se graduaria como bacharel para atuar como pesquisador. “Não concordo com essa divisão e penso que não dá para ser professor sem saber pesquisar. Para formar melhores docentes, as licenciaturas deveriam articular atividades de ensino com pesquisas focadas em questões suscitadas pelo ambiente escolar”, propõe.

Ao refletir sobre a BNCC, o matemático Jorge Herbert Soares de Lira, da Universidade Federal do Ceará (UFC), concorda que a nova base curricular pode trazer melhorias aos processos de ensino e aprendizagem, mas as mudanças precisam ser trabalhadas com alunos formados nas licenciaturas. Lira, que também é cientista-chefe da Secretaria de Educação (Seduc) daquele estado, considera que, no caso da matemática, é preciso incentivar a integração entre o enfoque aprofundado no conteúdo e estratégias de ensino. Na última edição do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), estudo da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) para analisar o desempenho de estudantes nas áreas de matemática, ciências e leitura, o Brasil ficou entre os 10 países do mundo com pior desempenho em matemática.

Em 2018, para entender as razões pelas quais o desempenho dos alunos em matemática não progredia ou até recuava a partir de seu ingresso no ensino fundamental II, um grupo de pesquisadores da UFC liderados por Lira realizou um levantamento em parceria com a Seduc. “Diretores e coordenadores se perguntavam por que na virada do fundamental I para o II o desempenho matemático dos alunos não avançava tanto quanto em outras áreas”, conta. “Então, resolvemos investigar a fundo a origem desse problema.” Foram analisados dados históricos de estudantes da rede pública do Ceará do ensino fundamental até o final do ensino médio, mapeando curvas de aprendizagem e detectando os gargalos que começavam de forma massiva na passagem do ensino fundamental I para o II. Em paralelo, desenvolveram análise para avaliar o conhecimento pedagógico de professores, identificando a existência de lacunas envolvendo conceitos básicos que são trabalhados desde os anos iniciais do ensino fundamental, entre eles frações, leitura de gráficos e tabelas, o sistema de numeração decimal e as operações aritméticas. “Os docentes têm lacunas na compreensão profunda dessa matemática básica e em habilidades complexas próprias do ensino de conceitos fundantes ministrados nos primeiros anos da educação básica, que são retomados em toda a trajetória curricular. Assim, não estavam preparados para ensinar os alunos a utilizá-los em abordagens mais complexas, que começam a partir do 6º ano”, comenta Lira.

A partir desse diagnóstico, a Seduc passou a promover avaliações periódicas para identificar os conteúdos nos quais os estudantes não progridem. Conforme os resultados das análises, a secretaria realiza processos formativos aos docentes com vistas a melhorar seu preparo para abordar os tópicos mais estruturais do currículo. “Nesses treinamentos, mostramos aos professores como retomar conhecimentos básicos e alinhá-los com competências complexas, por meio de estratégias pedagógicas nas quais os alunos são expostos a problemas em contextos cotidianos, científicos e sócio-econômicos”, conta o pesquisador, cujo projeto é financiado pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap). Para Lira, aproximar estudantes do conhecimento matemático durante a educação básica é uma forma de ampliar seu interesse por lecionar a disciplina no futuro.

Para evitar os problemas identificados por Lira no Ceará e resolver outros mapeados em São Paulo, Neira propõe atualizar os 28 programas de licenciatura da USP. O pró-reitor conta que a instituição desenvolve ações para apoiar coordenadores de cursos na reformulação de currículos. “Queremos oferecer graduações com viés integrativo, abandonando a ideia de que a formação do bacharel deva ocorrer de forma separada daquela oferecida ao licenciado”, resume. A USP estuda uma parceria com a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo para oferecer estágios remunerados em escolas públicas a alunos de licenciaturas.

Os pesquisadores defendem que as licenciaturas precisam se renovar para oferecer formações sólidas tanto no conteúdo da área do conhecimento como em questões de caráter prático e didático, preparando os alunos para saber como ensinar. “Em todas as áreas do conhecimento, alunos de licenciaturas devem ter formação nas disciplinas específicas da educação, como políticas educacionais, teorias curriculares, planejamento e avaliação, gestão escolar e organização do trabalho pedagógico”, resume a pedagoga Márcia Aparecida Jacomini, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Segundo a pesquisadora, hoje, muitos cursos de licenciatura ainda enfatizam o ensino da disciplina em si, deixando de lado aspectos práticos e metodológicos fundamentais para o sucesso do processo de aprendizagem.

Projetos

  1. A educação física no contexto do novo ensino médio: Traduções e potencialidades (nº 22/06919-5); Modalidade Programa Ensino Público; Pesquisador responsável Marcos Garcia Neira (USP); Investimento R$ 241.790,97.
  2. Estudo de implementação de inovações curriculares, estratégias pedagógicas e tecnologias emergentes para qualidade-equidade na educação básica (nº 22/06977-5); Pesquisador responsável Mauricio Pietrocola Pinto de Oliveira (USP); Modalidade Projeto Temático; Investimento R$ 1.111.669,40.
  3. Mudanças curriculares e melhoria do ensino público (nº 21/11390-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Márcia Aparecida Jacomini (Unifesp); Investimento R$ 555.785,29.

Artigos científicos

BOF, A. M. et al. Carência de professores na educação básica: Risco de apagão? Cadernos de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais. v. 9. Brasília: Inep. 2023, No prelo.

NASCIMENTO, M. M. O professor de física na escola pública estadual brasileira: Desigualdades reveladas pelo Censo escolar de 2018. Revista Brasileira de Ensino de Física. 42: SciELO Brasil. 2020.

Livro

FERREIRA, M. M. A história como ofício. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2013.

Relatório

Censo da Educação Superior 2021. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Brasília: Ministério da Educação, 2022.

Pesquisa Fapesp

 

Caldart-sobre-as-tarefas-educativas-da-escola

Publicado em 01/10/2023 por Luiz Carlos de Freitas, no blog do Freitas

A editora Expressão Popular acaba de lançar o esperado livro de Roseli Salete Caldart: Sobre as tarefas educativas da escola e a atualidade.

Acesse aqui.

“Este livro reúne rigor teórico e reflexão prática para nos ajudar a pensar quais são as tarefas educativas básicas da escola frente aos desafios postos à formação das crianças e jovens na atualidade. Formação humana integral, multilateral e voltada ao seu desenvolvimento emancipatório mais pleno.

Ao mesmo tempo que oferece uma estratégia que abrange forma e conteúdo escolar, ele não obriga a implementação completa de toda a formulação. Sua constante advertência de que o plano de estudos da escola deve abrir-se criticamente para a própria realidade da vida permite tomar dessa estratégia abrangente aquilo que a comunidade escolar julgue possível realizar em um determinado momento.

O livro também é escrito em conexão com a nossa atualidade, em um momento em que se agrava a crise do capital colocando, com suas guerras e pandemias, o futuro da humanidade em risco. A face neoliberal prepara a opção fascista. Como explicita a autora ao longo do livro, as escolas são um dos locais que esses movimentos procuram aprisionar e controlar por meio da formulação de finalidades educativas que colocam a organização, o conteúdo e até mesmo a própria formação do magistério a serviço de tarefas alinhadas com a perpetuação da lógica nefasta do capital. É uma obra imprescindível para docentes e dirigentes das escolas públicas. Também, uma leitura indispensável nas diferentes licenciaturas e cursos de pós-graduação em educação. Um livro que reafirma o horizonte a partir do qual faz todo sentido continuar trabalhando com educação.”

 

Precisamos formar professores em cursos presenciais, diz ministro da Educação

JC Notícias – 28/09/2023

Camilo Santana disse que MEC estuda mudanças para melhorar formação docente e reduzir ensino a distância

O ministro da Educação, Camilo Santana, disse na manhã desta quinta (28) que o país precisa voltar a garantir que os professores sejam formados em cursos presenciais. Segundo o último Censo do Ensino Superior, a cada dez professores formados no país em 2021, seis cursaram graduação a distância.

Santana disse que um grupo de trabalho foi formado no MEC, em conjunto com especialistas de universidades públicas e privadas, para estudar mudanças nos cursos de licenciatura. O ministro participou na manhã desta quinta da abertura do 25º Fnesp (Fórum Nacional de Ensino Superior Privado), em São Paulo.

“Precisamos garantir que os cursos de licenciatura sejam de forma presencial. Podemos usar o ensino a distância, mas de forma complementar e para aperfeiçoar. O professor não pode ser formado sem experiência prática, sem ter experiência de sala de aula”, disse o ministro.

Leia na íntegra: Folha de S. Paulo

O Grupo Folha não autoriza a reprodução do seu conteúdo na íntegra. No entanto, é possível fazer um cadastro rápido que dá direito a um determinado número de acessos.

 

A infância na era da vigilância

JC Notícias – 17/08/2023

Nunca houve uma geração tão vigiada quanto a atual. Crianças e adolescentes são vítimas da coleta excessiva de dados por aplicativos online e alvos de intenso direcionamento de conteúdo publicitário específico – uma invasão que pode causar riscos e prejuízos a suas vidas offline. No entanto, embora seja uma realidade global, a vigilância online se espalha de maneira desigual pelo mundo: crianças e adolescentes na Europa desfrutam de níveis mais altos de privacidade e proteção de dados do que aquelas que vivem no chamado Sul Global

No Brasil, 93% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos acessam a internet, segundo a pesquisa “TIC Kids Online Brasil”, realizada em 2021 pelo Centro Regional para o Desenvolvimento da Sociedade de Informação (Cetic.br), uma organização que atua em parceria com a Unesco. São 22,3 milhões de usuários mirins atrás das telas. Desses, 78% usam redes sociais, 62% têm um perfil no Instagram e 58% participam do TikTok. Trata-se de uma geração de “nativos digitais” que cresceu conectada e tem, desde os primeiros anos de vida, suas interações mediadas pelas novas tecnologias. A identidade e a autoestima dessas crianças são moldadas no ambiente virtual, e toda a sua atividade na rede produz dados valiosos na era do “capitalismo de vigilância”.

Até completar 13 anos de idade, estima-se que uma criança nos Estados Unidos tenha por volta de 72 milhões de pontos de dados coletados por empresas de ad-tech. “É um capitalismo que se alimenta de dados e do monitoramento contínuo e da vigilância ininterrupta de tudo o que fazemos online, e extrai valor dessa vigilância, prevendo e influenciando nosso comportamento”, comenta Fernanda Bruno, professora de Comunicação e coordenadora do MediaLab da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “A agenda é produzir engajamento e mais dados, pois são eles que geram valor nas plataformas. Nesse universo, a criança é um alvo de extração de dados e de direcionamento de conteúdo e propaganda muito forte”, completa.

Privacidade violada

As consequências da coleta intensa de informações para o futuro desta geração ainda são desconhecidas, mas hoje já se sabe que sua privacidade está ameaçada. Um estudo da Human Rights Watch (HRW) lançou um sinal de alerta ao revelar que, entre março e agosto de 2021, em plena pandemia de Covid-19, crianças e adolescentes do mundo inteiro foram vigiados sistematicamente enquanto assistiam a aulas online por meio de aplicativos educacionais. A privacidade das crianças foi posta em risco ou violada diretamente em 49 países, incluindo o Brasil, por 145 das 163 plataformas de aprendizado investigadas pela organização.

Entre outros dados, as plataformas podiam colher informações sobre quem são as crianças, onde moram, o que fazem durante as aulas e quem são seus familiares. As tecnologias de rastreamento instaladas podiam ainda “seguir” os alunos até mesmo fora do horário das aulas virtuais. “Essa coleta excessiva de dados é preocupante, primeiro por uma questão de segurança. Alguns aplicativos coletaram o endereço IP do aluno, que pode determinar sua localização em um raio de um quilômetro. Se essa informação é vazada, pode expor a criança a perigos offline, a algum tipo de ataque real”, alerta Marina Meira, advogada e coordenadora de projetos da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa.

Direcionamento e manipulação

O HRW mostrou ainda que os aplicativos enviaram ou permitiram o acesso aos dados pessoais de menores a empresas de publicidade, na maior parte das vezes secretamente ou sem o consentimento dos pais. Meira salienta que no Brasil a publicidade infantil é ilegal, e o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes deveria ser realizado em seu “melhor interesse”, segundo a Lei Geral de Proteção de Dados, que entrou em vigor em 2020.

“Crianças e adolescentes em fase de desenvolvimento têm o direito de experimentar e entender quais são seus interesses, gostos e hábitos. A partir do momento em que há direcionamento de conteúdo publicitário específico para o seu perfil, acaba-se dirimindo esse espaço de experimentação e compreensão da própria personalidade. A proposta desses anúncios é realmente manipular os consumidores”, afirma Meira.

Riscos e benefícios

Com a mudança brusca do ensino presencial para o remoto, os próprios professores se adaptaram às novas ferramentas digitais de modo improvisado, muitas vezes ignorando os riscos e os benefícios oferecidos pelos aplicativos. De acordo com a pesquisa “TIC Educação”, também realizada pelo Cetic.br em 2021, os docentes não costumam escolher a ferramenta de sua preferência para usar em aulas virtuais: apenas 45% deles participam sempre das decisões sobre o uso de tecnologias digitais nas atividades escolares. Para Tel Amiel, professor de Educação da Universidade de Brasília, a adoção dessas plataformas educacionais que se revelaram abusivas durante o isolamento social foi uma solução paliativa de emergência, resultado de “anos de desatenção para a questão da infraestrutura na educação básica” no Brasil.

Amiel critica a falta de transparência dos contratos entre as redes de ensino e as empresas que desenvolvem as plataformas, muitos feitos sem uma consulta pública, tanto no ensino básico quanto no superior. “Havia uma infinidade de plataformas alternativas absolutamente viáveis, em escala industrial, como por exemplo o Moodle, usado por quase todas as universidades públicas, e o Conferência Web, em vídeo, que funciona muito bem, maravilhosamente bem, e são softwares livres”, diz o também ativista e defensor de recursos educacionais aberto.

A especialista Fernanda Bruno lembra que a extração e o compartilhamento de dados para fins estranhos à educação geraram uma “bola de neve” preocupante, pois os dados fogem facilmente ao controle. “O aplicativo Descomplica, por exemplo, podia monitorar os cliques e movimentos do mouse do aluno na plataforma. E uma das empresas com quem o app compartilhou dados é a Hotjar, que busca entender como o usuário se comporta em determinado site para mantê-lo engajado ali. Ou seja, é uma empresa claramente voltada para a influência de comportamento online, e isso, pensando no público infantil e adolescente, é muito grave”.

Políticas ilegíveis

A falta de transparência das plataformas acaba transferindo para os pais a responsabilidade de buscar informações e de se proteger de possíveis perigos no uso dos aplicativos. Estes, porém, muitas vezes não têm discernimento nem tempo para se dedicar a documentos obscuros e difíceis de decifrar.

“As políticas de privacidade são ilegíveis e incompreensíveis para a maior parte das pessoas. É muito difícil alguém parar para ler aquelas letrinhas pequenas, mas isso é um indicativo de que não existe uma preocupação geral com a proteção de dados”, afirma Meira, da Data Privacy Brasil. “É injusto colocar esse fardo só nas famílias. Precisamos cobrar do Estado e das empresas que dominam o ambiente digital uma postura mais ativa, para que efetivamente respeitem os direitos de crianças e adolescentes e criem produtos para o ambiente digital que sejam protetivos”.

Vigilância assimétrica

Embora seja uma realidade global, a vigilância online se espalha de maneira desigual pelo mundo. Em geral, crianças e adolescentes na Europa desfrutam de níveis mais altos de privacidade e proteção de dados do que aquelas que vivem no chamado Sul Global, que contam com legislações menos rígidas. Um adolescente de 17 anos que instala o TikTok no Brasil, na Colômbia ou na África do Sul, por exemplo, tem sua conta automaticamente definida como “pública”. Se estiver no Reino Unido ou na Alemanha, porém, o aplicativo oferece ao jovem imediatamente a opção de conta privada. Plataformas como Instagram e Whatsapp também oferecem variações semelhantes no tratamento de dados de acordo com o país onde se encontra a criança – uma “discriminação pelo design” criticada por organizações de proteção à infância.

“A vigilância acaba sendo assimétrica e aproveitando as brechas dos países do Sul Global. O Brasil até tem uma boa lei de proteção de dados, mas não um bom sistema de supervisão que garanta que ela seja aplicada”, afirma Bruno. “E há outra questão que nos torna mais vulneráveis: a população brasileira, em situação de pobreza maior, tem muito menos condição de optar por uma plataforma que seja mais adequada à proteção de dados pessoais. De modo geral, as pessoas utilizam o primeiro aplicativo que aparece. A própria condição de escolha é muito mais reduzida em países como o nosso”.

Goethe Institut

 

Ambiente escolar é o mais citado por brasileiros entre os locais onde já sofreram o racismo, diz pesquisa

JC Notícias – 15/08/2023

“A escola é um microcosmo que reproduz o ambiente em que vivemos na sociedade como um todo”, afirma Ana Paula Brandão, gestora e pesquisadora do Seta

Uma pesquisa da Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (IPEC), contratada pelo Projeto SETA e pelo Instituto de Referência Negra Peregum, coloca o ambiente escolar no topo da lista de locais em que os brasileiros mais afirmam ter sofrido a violência racial.

A cada 10 pessoas que relatam ter sofrido o racismo no Brasil, 3,8 foram vítimas da violência em escolas, faculdades ou universidades, de acordo com a pesquisa Percepções Sobre o Racismo, que foi concluída em julho.

O levantamento — que será debatido nesta terça-feira (15) no Auditório da Editora Globo, no Rio de Janeiro, em evento com apoio da Fundação Roberto Marinho — busca compreender de que forma a população brasileira percebe o racismo.

Veja o texto na íntegra: G1

Leia também:

O Globo – Experiência da escola é mais violenta para pessoas pretas, mostra pesquisa

 

Adoção de tecnologias digitais nas escolas não pode ser precipitada

JC Notícias – 04/08/2023

Nesta editoria especial do JC Notícias, deixamos claras a preocupação com a adoção de conteúdo 100% digital nas escolas de SP e a defesa dos livros nas mãos de quem quer e precisa aprender, mas também propomos uma conversa sobre como seria possível incluir as tecnologias em sala de aula de modo que elas ampliem oportunidades de aprendizado, sem limitar, excluir ou condenar o já tão prejudicado sistema de educação pública

A decisão do Secretário de Educação do Estado de São Paulo, Renato Feder, de abandonar o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para alunos do 6º ao 9º ano em favor do uso exclusivo de conteúdos digitais a partir de 2024 é motivo de grande preocupação na comunidade acadêmica.

Primeiramente, não se compreende qual o critério do governo estadual para tomar tal decisão que perturba uma série de direitos fundamentais de crianças e adolescentes, uma vez que o programa do MEC é financiado inteiramente com verba federal. Ou seja, não é um problema de falta de dinheiro.

Segundo, há um risco de conflito de interesse que deverá ser investigado: Feder foi membro efetivo do conselho de administração de uma empresa de informática que, segundo levantamento feito pelo site Metrópoles a partir de dados da Secretaria da Fazenda, é fornecedora do governo Paulista de longa data, e em 2021 faturou quase R$190 milhões com a venda de tablets e notebooks para a Secretaria da Educação – a pasta que hoje é comandada por ele.

Terceiro, e isso de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), não existem ainda evidências robustas o suficiente sobre a contribuição da tecnologia digital na educação. No Relatório Global de Monitoramento da Educação 2023, intitulado “A tecnologia na educação, uma ferramenta a serviço de quem?“, a Unesco alerta que grande parte dessas poucas evidências são produzidas pelas empresas que querem vender essas tecnologias.

O documento aponta também que a presença de equipamentos eletrônicos nas salas de aula prejudica a aprendizagem e a concentração dos estudantes, além de atrapalhar a gestão dos professores, porque cria obstáculos na interação com os alunos na condução das aulas. Dados de avaliações internacionais, como o Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (PISA), sugerem que o simples fato de um aparelho celular estar próximo aos estudantes já é suficiente para causar distrações e impactar negativamente o processo de aprendizagem, acrescenta a Unesco em seu relatório.

A Suécia é um exemplo.  A introdução indiscriminada de recursos digitais em sala de aula fez com que o desempenho dos estudantes despencasse no Estudo Internacional de Progresso em Leitura (PIRLS), exame internacional que avalia o desempenho em leitura dos(as) estudantes. Preocupado com a possível formação de analfabetos funcionais, o país suspendeu seu projeto de digitalização do ensino.

Quarto, todas as experiências estão indicando que é necessária uma transição do analógico ao digital. Não se substitui uma tecnologia por outra, de um momento para o outro, sem se saber muito bem dos resultados. Uma invenção que tem pelo menos 2 mil anos, que é o livro, em formato de códice, substituindo o formato de rolo, adotado na Antiguidade, é extremamente eficiente, além de ser um objeto fácil de manusear. Acresce que o manuseio do livro, como objeto físico, inclusive com a possibilidade de riscá-lo, ou rasgá-lo, faz parte do aprendizado da criança em relação à leitura, fundamental para a formação dela como sujeito de conhecimento.

Ao adotar exclusivamente conteúdos digitais, o Estado de São Paulo corre o risco de tolher o potencial dos estudantes e aprofunda ainda mais as desigualdades educacionais. Além de todas as questões sobre a importância da relação com os livros para o desenvolvimento criativo e intelectual dos jovens, a medida adotada ainda deixa para trás milhares de crianças que não têm acesso à tecnologia em suas casas ou que pertencem a comunidades com recursos limitados.

Nesta editoria especial do JC Notícias, deixamos clara nossa apreensão quanto a tal medida e nossa posição em defesa dos livros nas mãos de quem quer e precisa aprender, mas também propomos uma conversa sobre como seria possível incluir as tecnologias em sala de aula de modo que elas ampliem oportunidades de aprendizado, sem limitar, excluir ou condenar o já tão prejudicado sistema de educação pública.

Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC

 

Cidadania e participação infantil na escola de anos iniciais: relato de experiência

Erisevelton Silva Lima – Diretor da Escola Classe 29 de Taguatinga-DF, pedagogo, professor da rede pública de ensino do Distrito Federal, doutor em educação pela Universidade de Brasília- UnB

          As ações voltadas para a formação para cidadania no interior da escola podem fluir de vários espaços, ou externos à sala de aula. Nossa escola é pública, vinculada ao Governo do Distrito Federal, localizada na área urbana da região administrativa de Taguatinga-DF, conta com cerca de 370 estudantes matriculados, pertencentes à faixa etária entre seis e doze anos. São 16 (dezesseis) turmas distribuídas, igualmente, nos dois turnos (matutino e vespertino). As crianças estão matriculadas em dois blocos: o primeiro diz respeito aos três primeiros anos do ensino fundamental, com possibilidade de retenção no terceiro ano; as demais, no segundo bloco, que corresponde ao 4º e 5º anos do ensino fundamental, com possibilidade de retenção no último ano. Trabalhamos com a organização escolar denominada ciclos para a aprendizagem. Não utilizamos sistema de notação e a  avaliação é pautadas pela função formativa. O desempenho dos estudantes é comunicado às famílias por meio de relatórios bimestrais, com ênfase nos aspectos qualitativos das aprendizagens evidenciadas.

            Conforme consta no Projeto político-pedagógico da escola, os temas da cidadania e do protagonismo estudantil tomam forma nas ações docentes, no serviço de orientação educacional e, também, na direção da escola.

Pelo terceiro ano consecutivo, após a realização da festa julina da escola, convidamos todas as crianças para o pátio a fim de realizarmos a assembleia definidora da aplicação da verba arrecadada pela referida ação com a comunidade escolar. Constituem passos da ação:

  1. Convite para sensibilização no pátio da escola, com a presença de todos os docentes e discentes.
  2. Explicamos a importância dos recursos, da boa aplicação do dinheiro público e do papel de todo cidadão e cidadã em participar e fiscalizar os recursos.
  3. Realizamos uma comparação entre o papel deles e dos pais, mães e familiares quanto à posição que ocupam na sociedade, em razão dos impostos que pagamos.
  4. Cada turma elege um menino ou menina como representante responsável pela realização da assembleia na sua sala de aula,  orientada e apoiada pelos(as) docentes.
  5. A turma define quais melhorias, aquisições de brinquedos, reformas e ou necessidades são prioritárias.
  6. O/a representante entrega ao diretor da escola as reivindicações.
  7. A equipe diretiva reúne-se, avalia as solicitações de todas as turmas e procede com as compras e melhorias, utilizando a verba da referida festa julina.
  8. No pátio da escola nova assembleia se realiza para apresentar os bens adquiridos e as melhorias realizadas, tudo por sugestão das crianças.

Os resultados são agradáveis, as crianças participam, levam a sério, fazem inclusive visitas a lojas e outros comércios acompanhadas dos seus pais para levantar preços e orçamentos. Sentem-se partícipes da vida econômica e política.

Continuamos apostando que a cidadania é objeto de ensino, aprendizagem e de avaliação.