AVALIAÇÃO E APRENDIZAGEM: UMA RELAÇÃO INDISSOCIÁVEL?

 

AVALIAÇÃO E APRENDIZAGEM: UMA RELAÇÃO INDISSOCIÁVEL?

Enílvia Rocha Morato Soares

Pesquisadora do GEPA

 

A avaliação carrega, ainda hoje, marcas acentuadas dos exames escolares criados no século XVI com o objetivo de selecionar estudantes em função da capacidade de memorização por eles demonstrada. A presença desse modo de avaliar se mostra fortalecido pelas atuais políticas de avaliação que se ocupam de avaliar sistemas de ensino por meio de exames, cujos resultados têm servido muito mais para ranquear escolas e estudantes do que para incitar a adoção de políticas públicas necessárias à melhoria da qualidade da educação.

Embora respaldada em documentos que legislam sobre a educação, a avaliação contínua e processual do desempenho dos estudantes e do trabalho escolar, visando intervir para promover aprendizagens, não é, ainda, uma realidade em nossas escolas.  Prevalece ainda o uso de instrumentos e procedimentos avaliativos com o objetivo de determinar, de tempos em tempos, o que foi ou não aprendido pelos estudantes, findando o processo. Nesse caso, avaliação e aprendizagem se cindem, em prejuízo da formação integral dos sujeitos que seria possibilitada pelo movimento gerado pelas intervenções aplicadas a partir do que se conhece sobre o desempenho de cada estudante.

O distanciamento da avaliação do processo de construção de aprendizagens tem contribuído para trazer de volta (ou seria fortalecer?) a concepção de avaliação como recurso de empoderamento do professor para usos diversos. Diferentes situações ocorridas recentemente ilustram esta afirmativa.

Uma delas diz respeito à proposta de mudança do novo Regimento Escolar da rede pública de ensino do DF. Entre arbitrariedades como a retirada de atividade em sala ou externa e a transferência compulsória do estudante como medidas disciplinares, foi proposto um verdadeiro comércio de notas, elegendo o comportamento como moeda de troca.

A atribuição de pontos negativos e positivos no cálculo da nota atribuída aos estudantes por cada componente curricular corresponderá, caso seja o Regimento oficializado, ao cumprimento ou descumprimento das normas disciplinares estabelecidas no documento. Medidas dessa natureza deslocam a avaliação do papel que lhe cabe de acompanhar o desempenho dos estudantes e promover melhorias no trabalho pedagógico visando a aprendizagem contínua e progressiva de todos, aproximando-a do controle comportamental. O domínio do comportamento dos estudantes por meio da avaliação utilizada para punir ou premiar via aumento ou diminuição da nota coaduna com uma formação voltada à adequação dos sujeitos à sociedade que se tem, privando-os da necessária compreensão que lhes possibilitaria compreender esse meio e nele atuar visando modificá-lo e torná-lo mais justo.

Outro exemplo de uso da avaliação como forma de opressão e, nesse caso, a serviço da desconstrução de aprendizagens, aconteceu recentemente na Universidade de Brasília, quando um professor ofereceu aumento de cinco pontos extras na nota dos estudantes que comparecessem à escola no dia 15 de maio pela manhã, dia e horário marcado para uma grande manifestação contra o bloqueio de verbas para a educação. Além de modelar comportamentos para a aceitação passiva de abusos governamentais, a avaliação foi, nessa situação, utilizada, também, como veto a aprendizagens que são imprescindíveis ao exercício da cidadania autônoma e democrática. Aprender que o acesso à educação de qualidade referenciada no social é direito de todos e que a luta por esse direito é legítima e, por isso, deve ser garantida, constitui valioso aprendizado em um processo educativo comprometido com a formação integral e crítica. Como toda aprendizagem essa também deve ser acompanhada de avaliações para que redirecionamentos ocorram sempre que necessários.

(re)conectar avaliação e conquista permanente de aprendizagens requer a inclusão equânime de todos os que participam desse processo. Em outras palavras, cabe a todos, com respeito e ética, avaliar, autoavaliar-se e ser avaliado. É essa a dinâmica que permite a todos aprender. Ao avaliar e autoavaliar-se, o estudante compreende que a avaliação integra um processo que permite melhorar e melhorar-se. Em outras palavras, propicia a conquista e o enriquecimento de aprendizagens aos que lhe são próximos e a si mesmo.

O papel do professor nesse contexto merece ser destacado. Como principal responsável pela concretude do trabalho pedagógico desenvolvido em sala de aula, o docente assume grande parcela da responsabilidade de articular avaliação e aprendizagem de tal modo que cheguem mesmo a se confundir. Quando prevalece o compromisso ético de avaliar para promover aprendizagens, fazendo do projeto escolar um projeto social, é da avaliação formativa que está se falando.

 

 

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