Avaliação informal entre os estudantes

Benigna Maria de Freitas Villas Boas

A avaliação informal não tem merecido a devida atenção por estudiosos em avaliação,  em suas publicações e apresentações, em que conferem mais espaço à formal. Quando a abordam, costumam referir-se à avaliação informal dos estudantes praticada por professores. Contudo, com frequência, os estudantes avaliam uns aos outros informalmente. Este é o tema deste texto. Inicialmente, analisemos as contribuições de Freitas et al  (2009), que nos dizem:

A parte mais dramática e relevante da avaliação se localiza aí, nos subterrâneos onde os juízos de valor ocorrem. Impenetráveis, eles regulam as relações tanto do professor para com o aluno, quanto do aluno para com o professor. Este jogo de representações vai construindo imagens e autoimagens que terminam interagindo com as decisões metodológicas que o professor implementa em sala de aula (p. 27).

Concluem os autores que este processo informal acontece de forma encoberta, sendo desvinculado da avaliação formal (p. 28). Por meio dele o professor toma decisões que afetam as aprendizagens dos estudantes. É tão poderoso que pode mudar o rumo do trabalho pedagógico. Percebe-se, então, a força de que se reveste essa modalidade avaliativa.  Em outro momento, os autores  afirmam que os “processos de avaliação informal terminam sendo mais relevantes no processo de exclusão” (p. 16), por induzirem a tratamento desigual aos estudantes que necessitam de mais apoio pedagógico. Até mesmo na organização escolar feita por progressão continuada ou por ciclos “o processo de avaliação informal se mantém intato, quando não valorizado” (p. 16), isto é, continua promovendo exclusão.

A avaliação informal é a que traça o destino dos alunos para o sucesso ou o fracasso, complementam os mesmos autores. O trabalho do professor em sala de aula, consciente ou inconscientemente, argumentam,  por ela se orienta. E o que é mais sério: “é nesta informalidade que se joga o destino das crianças mais pobres” (p. 28).

A lógica da exclusão da escola e/ou dos saberes se alia à da submissão, podendo ter a avaliação informal como aliada. É o que tem acontecido nas escolas cívico-militares. Por meio dessa aberração, os militares se encarregam da disciplina para que os professores possam cumprir o currículo. A lógica contrária é a da formação do “estudante-cidadão para a autonomia e para a auto-organização, para a intervenção na sociedade com vistas a torná-la mais justa, no sentido da eliminação da exploração do homem pelo homem” (FREITAS, 2003, p. 38).   

Nas diversos encontros nas escolas, os professores costumam tecer comentários sobre a situação de aprendizagem dos estudantes e seu modo de agir. Além disso, socializam fatos ocorridos em suas famílias. Tudo isso forma um conjunto de informações que contribui para que a escola forme sua imagem sobre cada um deles que, uma vez constituída, pode dificultar o processo de aprendizagem e a convivência no ambiente escolar. A prática da avaliação formativa impede que isso aconteça porque seu objetivo é impulsionar as aprendizagens de todos os estudantes, o que compreende a incorporação dos saberes curriculares e o desenvolvimento de atitudes socioemocionais condizentes com o trabalho pedagógico.     

Embora a avaliação informal esteja tão presente, podendo impactar positiva ou negativamente o processo de aprendizagem dos estudantes, o tema mais discutido durante atividades de formação de professores tem sido a avaliação formal. Praticada inadvertidamente, a informal pode causar danos à continuidade de estudos e à formação dos estudantes.

Conversamos até agora sobre a avaliação informal praticada por professores. O que motivou a escrita deste texto foi um fato por mim presenciado em uma escola inclusiva, no final do ano letivo de 2022. Caminhando pelo pátio da escola durante o recreio, parei à porta de uma sala de aula para conversar com duas estudantes quando, de repente, uma menina portadora de autismo pulou à minha frente e mexeu em meu cabelo (que é vermelho). Ela não fala. Quando estive em sua sala de aula, inicialmente me rejeitou mas, em seguida, se interessou pelo meu cabelo e se aproximou. Dirigi-me às duas meninas com quem conversava dizendo que aquela colega parecia gostar de mim. Imediatamente uma delas me disse: leva ela pra você e entrou na sala, sem que eu pudesse responder. Depreendi que estava fazendo uma crítica à colega que, talvez, a importunasse durante  o recreio, porque tem o hábito de ficar correndo.   

A avaliação informal entre colegas é inevitável e muitas vezes descortês. Nem sempre é  presenciada por professores.  Por meio da convivência diária os estudantes se conhecem e desenvolvem relações de amizade ou de atritos. Faz parte do trabalho pedagógico a construção de ambiente saudável na sala de aula e em toda a escola, para que se evitem animosidades, competição, classificação, rotulação e toda sorte de comportamento agressivo e antidemocrático. Com tais características a avaliação informal desencoraja o processo de aprendizagem e cria situações de afastamento da escola. Cabe aos professores permanecerem atentos a essas manifestações para impedirem que se alastrem e contaminem as atividades da sala de aula. É o que se espera da avaliação para as aprendizagens e como aprendizagem. Cabe aos professores darem o exemplo.  Os estudantes neles se inspiram.  São perspicazes e costumam repetir ações dos seus mestres.

O processo avaliativo é um componente estratégico do trabalho pedagógico pautado pela ética. O desejável é que a avaliação informal se ocupe das atividades de aprendizagem e não atinja a pessoa do estudante. Acompanhando e observando as atitudes dos professores os estudantes nelas se inspiram para se relacionarem com os colegas. Olhares de desaprovação, reprimenda e impaciência, assim como rótulos, não se alinham à avaliação formativa, comprometida comas aprendizagens de todos.    

Como conclusão, assinalamos que a sistematização do projeto político-pedagógico da escola, no qual a avaliação ocupa lugar central, parte da explicitação da função social da escola: qual o seu papel na vida das pessoas? Por que e para que as crianças e os jovens do século XXI vão à escola? Por que e para que avaliamos na escola?  (FERNANDES, 2014, p. 113).  “Para que avaliamos os alunos que têm direito constitucional de frequentar o Ensino Fundamental e a Educação Básica? Para que aprendam ou para ensiná-los que se vai à escola para passar de ano?” (FERNANDES, 2014, p. 113).  A avaliação informal acolhedora, respeitosa, que integre os estudantes e lhes transmita confiança e apoio é a que fortalece a função social da escola de proporcionar aprendizagens a todos os estudantes.  

Referência

FERNANDES, Cláudia. Por que avaliar as aprendizagens é tão importante? In FERNANDES, Cláudia de O. (org.). Avaliação das aprendizagens: sua relação com o papel social da escola. SP: Cortez, 2014.  

FREITAS, Luiz Carlos et al. Ciclos, seriação e avaliação: confronto de lógicas.  SP: Moderna, 2003.

FREITAS, Luiz Carlos et al. Avaliação educacional: caminhando pela contramão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

 

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