DEMOCRACIA CONDICIONADA E DITADURA: MAIS DO MESMO?

DEMOCRACIA CONDICIONADA E DITADURA:

MAIS DO MESMO?

Enílvia Rocha Morato Soares

Após 20 anos de ditadura militar, o Brasil recuperou, em 1984, o direito de viver democraticamente. A Constituição Federal promulgada em 1988 contempla, entre outras coisas, a liberdade de expressão. É certo que a oficialização de leis, por si só, não garante a instituição automática e adequada de seu conteúdo. Por esse motivo, desde esse período temos exercido os direitos (re)conquistados com erros e acertos que nos trazem consequências proveitosas ou não.

Com o direito de expressar nossas opiniões e desejos por meio do voto não acontece diferente.  Muito temos aprendido por meio da participação em eleições livres, inclusive a não incidir em novos erros. Isso implica dizer que o exercício da democracia demanda aprendizagens construídas de diferentes formas, entre elas, por meio das consequências de nossas escolhas. A despeito de termos a democracia assegurada por lei, o que já garante que as vontades expressas por meio do voto devem ser acatadas, esse é um forte argumento em defesa do respeito às preferências manifestas pelos indivíduos que são ou serão afetados pelos desdobramentos desse processo.

Essa realidade não tem sido vivenciada em parte das escolas públicas do Distrito Federal selecionadas para implementação do projeto gestão compartilhada ou, dito de outro modo, para serem militarizadas. Para melhor compreender esse cenário, vale um breve retrospecto dos trâmites seguidos até os dias atuais.

Desde que assumiu, em janeiro de 2019, o atual governador do DF, junto com o então secretário da educação, investiram esforços no sentido de convencer a comunidade de que dividir a gestão das escolas públicas entre professores e policiais militares seria a medida adequada para garantir melhorias na qualidade do ensino oferecido nessas instituições. Essa iniciativa foi adotada sob o argumento de instaurar nas escolas um ambiente pacífico e propício ao ensino. Para respaldar tal deliberação decidiram consultar, por meio de plebiscito, a opinião da comunidade escolar das instituições onde seria implementado o projeto. O modelo escolar militarizado seria, assim, implantado nas escolas de forma democrática, porque validado pelos indivíduos a elas vinculados.

Tudo parecia correr conforme o esperado quando, no início do ano letivo, quatro escolas consultadas disseram sim à política de militarização. Não contavam, no entanto, com obstáculos como foi o caso da recente recusa de duas escolas ao projeto. A pretensa democracia não se sustentou diante desse resultado. Ignorando o resultado da consulta feita a essas escolas, o governador decidiu fazer valer seu intento inicial de militarizá-las, ignorando a vontade dos principais sujeitos que vivenciarão tal experiência.

Como se não bastassem os diferentes problemas advindos do compartilhamento da gestão das escolas entre professores e policiais militares (fartamente discutidos em textos já publicados nesse Blog), estarrece a truculência implícita no posicionamento de um governante eleito pelo voto direto com o compromisso de agir sempre em respeito às leis do nosso país, que tem a democracia como sistema político.

Ao tentar se explicar a esse respeito, o governador afirmou que foi feita uma “consulta pública e não uma eleição”. E complementou: “na eleição, você tem que respeitar o resultado. Na consulta, você informa a sociedade”. A justificativa de difícil (ou seria impossível?) compreensão indica um posicionamento em que a democracia se mostra condicionada ou mesmo esvaziada de seu real sentido. Ou seja, as decisões a que se chegam por meio de processos em que os interessados são consultados só são legítimas quando conferem com o esperado ou com o que havia sido previamente definido. Condicionar resultados a medidas antecipadamente determinadas nada mais é que uma tentativa de camuflar posicionamentos ditatoriais.

Considerando ser a escola espaço em que diferentes aprendizagens se efetivam, essa é uma maneira profícua de ensinar/aprender que todas as vozes têm o direito de ecoar, porém, são ouvidas apenas as que convergem com o que delas se ouve. Contrário a isso, o voto democrático, incluindo as consequências dessa opção, exige dos que dele se valem uma leitura crítica das proposições, oportunizando aprendizagens necessárias à formação de sujeitos conscientes e autônomos.

 

 

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