Em tempos de pandemia: banalização da educação a distância?
Benigna Maria de Freitas Villas Boas
Professora emérita da UnB
No momento em que enfrentamos o Novo Coronavírus, receio que a educação a distância (ead) esteja sendo banalizada, pelos motivos que se seguem.
Em primeiro lugar, ela vem sendo praticada pelos sistemas de ensino e escolas com um grande número de estudantes e professores, sem terem passado por nenhuma ou quase nenhuma preparação. Em muitos casos, foi implantada repentinamente. Tenho lido e ouvido comentários a seu favor e contra, por pessoas envolvidas no processo. Um dos comentários positivos é a possibilidade de os estudantes darem continuidade às atividades escolares. Um dos negativos é a dificuldade das famílias de enfrentarem esse desafio.
Em segundo lugar, a preparação para o seu uso deveria envolver não somente os professores e coordenadores pedagógicos, mas, também, estudantes e pais. Os estudantes não têm o hábito de estudar sozinhos e nem sempre conseguem organizar seu tempo para o trabalho. Parte deles está acostumada a jogos online e a se comunicar com amigos e colegas, em situações divertidas. Estudar pela internet requer postura apropriada para isso. Não é brincadeira para passar o tempo. Quanto aos seus pais, estão sendo envolvidos em uma sistemática de trabalho para a qual não receberam orientações. Já li reclamações de alguns deles dizendo não terem tempo para acompanhar as atividades dos filhos, principalmente os mais jovens, ou por não saberem o que lhes caber fazer. Permanecem junto aos filhos enquanto trabalham ou os deixam “se virando”? E os que não conhecem a dinâmica da ead? E os que não têm ou não usam computador? E os que não têm internet?
Em terceiro lugar, é preciso levar em conta que nem todas as atividades podem ser desenvolvidas online. A ead não substitui o trabalho presencial, no caso de estudantes da educação básica. Estas duas modalidades podem ser complementares, quando o seu planejamento é bem estruturado.
Em quarto lugar, usada de forma intempestiva, como tem acontecido nesses meses de enfrentamento do Novo Coronavírus, a ead pode contribuir para o alargamento das desigualdades sociais e educacionais. Os estudantes que têm as condições necessárias, tais como computador, espaço próprio para a realização das atividades e acompanhamento familiar, cumprirão o plano de estudos e avançarão. Aqueles que não as possuem ficarão em desvantagem. Quando as aulas forem retomadas, como os professores atuarão com esses dois grupos?
Por último, usada de maneira inadequada, a ead poderá ficar mal vista, por não conseguir atender a todos, o que não é desejável. Os gestores, professores e coordenadores pedagógicos já pensaram em como irão articular as atividades online realizadas pelos estudantes com o trabalho presencial que acontecerá quando as escolas reabrirem?
Não rejeito a ead. Pelo contrário. Ela constitui um valioso recurso quando utilizada na hora certa, pelas pessoas certas, com planejamento bem estruturado, do qual faça parte o processo avaliativo condizente com esse formato pedagógico.
Não cabe, neste momento, banalizá-la, atribuindo-lhe o papel de justificar o pagamento dos professores, no caso das escolas privadas, e de cumprimento de dias letivos.
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Qual EaD estamos debatendo?
Nas últimas semanas, a pauta das escolas é recorrente, quer sejam públicas ou privadas a Educação a Distância (EaD) está presente. No contexto da Escola Pública manifestações em formatos diversos com pareceres contrários e favoráveis foram e estão sendo divulgados de maneira intensa.
Aproveitando a sugestão do cantor Gilberto Gil “Eu quero entrar na rede. Promover um debate “. Sugiro então uma olhada no site da SEDF ou SINPRO DF. Pare um pouco e façamos uma consulta às publicações. Refiro-me ao Currículo em Movimento da Educação Básica – Educação Profissional e a Distância no qual é possível compreender aspectos legais e históricos da EaD no Brasil. E assim, identificar pontos referenciais para poder refletir sobre as possibilidades da EaD, bem como alguns elementos da dinâmica necessária para o sucesso na aprendizagem dos estudantes.
A oferta de formação em EaD pela iniciativa governamental tomou
impulso a partir de 1998, com a instituição de Programas como a UAB
– Universidade Aberta do Brasil, Mídias em Educação, ProInfantil, ProInfo Integrado, ProLetramento, ProLicenciatura, ProFuncionário, Programa e-Tec Brasil e Plataforma Freire. Todos têm como princípio o estudo mediado por tecnologias e utilizam o meio eletrônico de fluxo de trabalho e informações: e-Proinfo. ( p.63)
Tais informações explicitam a trajetória brasileira nessa modalidade. Nossa estrutura para a EaD necessita ainda de muita formação e investimento. Investir é a palavra de ordem, pois não podemos agora lançar mão de uma estrutura precária dual. De um lado falta estrutura pedagógica e técnica para as escolas. Do outro falta para os docentes, os estudantes, e toda a comunidade escolar condições para desenvolver uma Educação a Distância, na qual considere os perfis a serem construídos para a modalidade, bem como os referenciais de qualidade para a EaD. Destaco entre eles o planejamento, material didático, sistemas de comunicação, equipe multidisciplinar, infraestrutura de apoio e infraestrutura técnica. Não cabe, portanto, o improviso e o espontaneísmo também desfavoráveis no ensino presencial.
É preciso cautela no desenvolvimento das aprendizagens em ambientes virtuais, ou seja, na educação a distância. Pois, as ferramentas ou metodologias online precisam da análise e mediação pedagógica do professor. As questões abordadas reforçam a ideia de que ao avaliar o professor precisa ter clareza da dimensão pedagógica e técnica, dada às especificidades da modalidade EaD. Qual a melhor opção pedagógica? Trabalhar de forma síncrona em um chat /café ou assíncrona em um fórum de discussão/ vídeo?
Para avaliar é preciso investir na autonomia, no feedback e na aprendizagem colaborativa. A dialogicidade, interatividade permeiam uma EaD de qualidade. Considero tais aspectos primordiais para organizar o trabalho pedagógico na EaD.
Segundo declarações do Secretário de Educação João Pedro Ferraz o objetivo é o complemento. Explicou ainda que as teleaulas tem o objetivo de “levar o máximo de conteúdo, manter o aluno focado e que o aluno não esqueça da escola”. Sabemos das possibilidades pedagógicas de utilização de TV/ Vídeo. A cautela está na no acesso para todos e a qualidade desse complemento. Espero que tal iniciativa não DIABOLIZE a Educação a Distância. Na medida que, a tendência em geral é estigmatizar ou mesmo banalizar o que não foi devidamente tratado, discutido e analisado como alternativa para os objetivos propostos e o contexto atual.
Diante da Pandemia da COVID 19 e da desigualdade social endêmica. Pairam algumas dúvidas sobre a proposta e os objetivos. Serão as teleaulas o caminho? Elas cumpriram no processo de elaboração as fases de concepção, planejamento, execução e avaliação, nas quais todos podem opinar e considerar as variáveis presentes em processos coletivos? Quais complementos serão priorizados? Como qualificar o professor de forma tão aligeirada? Não tenho no momento as respostas. Mas, vale ponderar que a qualidade social de um currículo se configura com o ensinar e aprender. Desejo que o desafio proposto pela SEDF repercuta como direito de aprender para todos sem exceção, em qualquer que seja o tempo, espaço ou caminho.