Em tempos de pandemia: banalização da educação a distância?

Em tempos de pandemia: banalização da educação a distância?

Benigna Maria de Freitas Villas Boas

Professora emérita da UnB

No momento em que enfrentamos o Novo Coronavírus, receio que a educação a distância (ead) esteja sendo banalizada, pelos motivos que se seguem.

Em primeiro lugar, ela vem sendo praticada pelos sistemas de ensino e escolas com um grande número de estudantes e professores, sem terem passado por nenhuma ou quase nenhuma preparação. Em muitos casos, foi implantada repentinamente. Tenho lido e ouvido comentários a seu favor e contra, por pessoas envolvidas no processo. Um dos comentários positivos é a possibilidade de os estudantes darem continuidade às atividades escolares. Um dos negativos é a dificuldade das famílias de enfrentarem esse desafio.

Em segundo lugar, a preparação para o seu uso deveria envolver não somente os professores e coordenadores pedagógicos, mas, também, estudantes e pais. Os estudantes não têm o hábito de estudar sozinhos e nem sempre conseguem organizar seu tempo para o trabalho. Parte deles está acostumada a jogos online e a se comunicar com amigos e colegas, em situações divertidas. Estudar pela internet requer postura apropriada para isso. Não é brincadeira para passar o tempo. Quanto aos seus pais, estão sendo envolvidos em uma sistemática de trabalho para a qual não receberam orientações. Já li reclamações de alguns deles dizendo não terem tempo para acompanhar as atividades dos filhos, principalmente os mais jovens, ou por não saberem o que lhes caber fazer. Permanecem junto aos filhos enquanto trabalham ou os deixam “se virando”? E os que não conhecem a dinâmica da ead? E os que não têm ou não usam computador? E os que não têm internet? Continue lendo “Em tempos de pandemia: banalização da educação a distância?”

 

Implementação do ensino a distância para as escolas públicas e privadas no Distrito Federal

IMPLEMENTAÇÃO DO ENSINO A DISTÂNCIA PARA AS ESCOLAS PÚBLICAS E PRIVADAS NO DISTRITO FEDERAL

Nota de Grupos de Pesquisa – Faculdade de Educação – UnB

Considerando as providentes decisões do Governo do Distrito Federal de suspender as aulas nas redes pública e
privada do DF, por meio do Decreto distrital nº 40.519, de 19 de março de 2020, e Decreto Distrital nº 40.509, de 11 de
março de 2020, com o objetivo de impedir aglomeração de estudantes e, consequentemente, evitar a disseminação do
novo coronavírus.

Considerando o Parecer nº 33/2020 do Conselho de Educação do Distrito Federal – CEDF que, a partir de sugestão
do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal – SINEPE/DF, dispõe sobre a substituição das
aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus – COVID-19.

Considerando nosso compromisso com a educação pública de qualidade para todos no Distrito Federal, nós,
pesquisadores em educação, representados pelos Grupos, que esta subscrevem, entendemos que a orientação do CEDF
que permite a realização de atividades não presenciais em compensação das aulas presenciais, na rede pública de ensino,
é claramente contrária às políticas públicas educacionais relacionadas ao direito à educação e flagrantemente ilegal, por
contrariar dispositivos constitucionais e legais, conforme verifica-se a seguir:

1) A Constituição Federal de 1988 prevê um rol de princípios que devem balizar e dar sustentação às ações, políticas
públicas e normas infralegais educacionais. Entre tais princípios, o art. 206, I, prevê que O ensino será ministrado
com base na igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. Dada sua importância, o princípio é
reproduzido na LDBEN nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – (art. 3º, I), na Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho
de 1990, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (art. 53, I) e na Lei Orgânica do Distrito Federal
– LODF (art. 221, XII).

2) O sentido deste princípio é proporcionar a isonomia entre os estudantes, condição essencial para se promover
equidade entre eles. Dessa forma, ao admitir a realização de atividades a distância, mediatizadas pelas novas
tecnologias da informação e da comunicação, sem a devida formação do corpo docente e sem igualdade no
fornecimento das tecnologias necessárias ao desenvolvimento do trabalho didático-pedagógico, o CEDF permite
a abissal desigualdade na oferta da educação básica, entre as redes pública e privada de ensino. Isso ocorre
porque é de conhecimento público que há diferenças quanto aos recursos (materiais e humanos) disponíveis nas
escolas públicas e particulares, sobretudo naquelas que fazem parte de grandes redes privadas. Assim, as soluções
sugeridas pelo Sinepe//DF não se enquadram perfeitamente na realidade dos mais de 450 mil alunos da rede
pública de ensino do DF. Aliado a isso, os estudantes das escolas públicas não dispõem das mesmas condições
econômicas que os das instituições particulares, o que gera desigualdade no tratamento de sujeitos que devem
ter iguais direitos de conhecimento produzido pela humidade e previsto no currículo.

3) Em relação ao ENSINO FUNDAMENTAL, a LDB prevê que “O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a
distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais” (art. 32, § 4º). A LDB
não especifica o que são situações emergenciais.

4) O Decreto federal nº 9.057, de 2017, dispõe no Art. 9º que a oferta de ensino fundamental na modalidade a
distância em situações emergenciais, previstas na LDB, se refere a pessoas: impedidas, por motivo de saúde, de
acompanhar o ensino presencial; que se encontrem no exterior, por qualquer motivo; que vivam em localidades
que não possuam rede regular de atendimento escolar presencial; que sejam transferidas compulsoriamente para
regiões de difícil acesso, incluídas as missões localizadas em regiões de fronteira; ou que estejam em situação de
privação de liberdade. (Grifos nossos)

5) Assim, as possibilidades legais para que o ensino fundamental seja oferecido na modalidade a distância estão
taxativamente descritos na norma acima, que é de abrangência nacional. Nesse sentido, quis o legislador delimitar
as hipóteses de aplicação desta modalidade ao ensino fundamental, cabendo à sociedade interpretar a norma de
forma restritiva. Portanto, a situação vivida no DF diante da epidemia do novo coronavírus, como emergência
de saúde pública, não está contemplada na legislação como ensejadora do ensino fundamental a distância.

6) Quanto ao ENSINO MÉDIO, atualmente a LDB passou a prever aplicabilidade da EaD. No mesmo sentido, está a
Resolução CEDF nº 1/2018, que admite percentuais máximos de oferta na modalidade a distância, quais sejam,
até 20% para o período diurno, e até 30% no noturno. Como esta é uma realidade recente, prevista na LDB desde
2017, é preciso perguntar: estão as escolas preparadas para ofertar parte da carga horária da última etapa na
educação básica a distância?

7) Quanto à EDUCAÇÃO INFANTIL, trata-se de despautério vinculá-la à educação a distância. Pela própria natureza
desta etapa, que tem como eixos estruturantes das práticas pedagógicas as interações e brincadeiras, nem as
interpretações mais desarrazoadas podem pensar em seu trabalho pedagógico sem o devido acompanhamento
de profissionais devidamente qualificados. Nesse cenário, é imperioso registrar que a Base Nacional Comum
Curricular – BNCC prevê que as creches e pré-escolas têm o objetivo de ampliar o universo de experiências,
conhecimentos e habilidades dessas crianças, diversificando e consolidando novas aprendizagens, atuando de
maneira complementar à educação familiar. Dessa forma, a Base deixa clara a imprescindibilidade da ampliação
das possibilidades de espaços de desenvolvimento que ocorre, evidentemente, nas instituições de ensino. Ofertar
a educação infantil na modalidade EaD é negar às crianças os direitos de aprendizagem consagrados na BNCC, pois
trata-se de outra lógica na organização do trabalho pedagógico, que vai na contramão do atendimento a distância.

8) Ainda quanto à oferta da EAD, o Decreto nº 9.057/2017 prescreve requisitos sine qua non para oferta da EaD.
Entre elas, podemos destacar: “pessoal qualificado” e “políticas de acesso”, “acompanhamento e avaliação
compatíveis”, condições que não fazem parte de toda a rede pública de ensino, que não possui tradição na oferta
da educação nesta modalidade.

9) A organização de aulas na modalidade EaD deve observar linguagem específica considerando suas especificidades,
o que requer tempo – para planejamento e disponibilização dos materiais em meios digitais e tecnológicos – e
formação específica do professorado. Nesse contexto, é preciso destacar que a literatura é unívoca em afirmar
que é inadequado traspor a forma de organização presencial para a EAD, por tratar-se de modalidades distintas
de educação.

10) O parecer do CEDF menciona a avaliação referindo-se somente à utilização de instrumentos e procedimentos,
omitindo à qual concepção de avaliação eles se atrelam. A avaliação na educação a distância ainda é um tema
negligenciado. No momento em que se pretende pôr em prática essa modalidade, torna-se necessário que esse
componente do trabalho pedagógico seja desenvolvido de forma a promover as aprendizagens de todos os
estudantes.

11) Exercícios domiciliares, com acompanhamento pela escola, são compostos por atividades didático-pedagógicas
planejadas especificamente para o estudante atendido, sob a supervisão de um adulto, é preciso indagar: Quem
serão os responsáveis pela orientação e acompanhamento dessas atividades de EaD?

12) Diante da ampliação para toda a Educação Básica do uso das TICs com intencionalidade pedagógica e
acompanhadas e supervisionadas pelo docente em turmas separadamente, respeitados os limites de acessos às
diversas tecnologias disponíveis às instituições educacionais e de seus respectivos estudantes, questionamos como
se dará a materialização dessa estratégia nas escolas públicas?

13) A LDB, ao prever no art. 23 que a “educação básica poderá adotar forma diversa de organização, sempre que o
interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar”, trata de alternativas de organização pedagógica
e curricular (séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não
seriados) e não das modalidades de educação presencial ou a distância.

14) O Parecer CNE/CEB 05/97, citado pelo CEDF, dispõe que as atividades escolares podem se desenvolver em espaços
convencionais como a sala de aula e em outros locais adequados a trabalhos teóricos e práticos. As disposições
deste Parecer, embora exaradas há mais de 20 anos, dialogam com o Currículo em Movimento da SEDF que tem
como um dos princípios da educação integral a territorialidade, que prevê que as atividades pedagógicas poderão
ser desenvolvidas em espaços da comunidade. Nesse caso, trata-se da ampliação de espaços de aprendizagem,
com a presença direta do professor. O Parecer, portanto, nesse aspecto, não se refere à EaD.

15) Ainda quanto à oferta da educação básica por meio da EaD e, portanto, em espaços distintos da escola,
questionamos se serão garantidas as condições adequadas a todos os estudantes para o desenvolvimento de
trabalhos teórico-práticos. É preciso levar em conta os estudantes em situação de vulnerabilidade social, em
atendimento socioeducativo, em situação de rua, com deficiência, superdotação/altas habilidades ou
necessidades educacionais especiais que requerem tecnologias assistivas.

16) A Rede Pública de Ensino do Distrito Federal já passou por inúmeros períodos de greve dos seus profissionais, por
motivos justos, todavia, a categoria docente SEMPRE cumpriu, de forma presencial os calendários de
recomposição e reposição escolar, garantindo que os estudantes não tivessem prejuízo acadêmico.

17) O currículo das escolas de educação básica comporta atividades e ações, que podem ser desenvolvidas na
modalidade EaD, contudo não devem ser a única forma de compensar as aulas presenciais, sobretudo, no contexto
político e de calamidade pública, que vivemos atualmente. É preciso reiterar que as formas de organizar o
conhecimento, sua distribuição, lógica de estrutura, as metodologias, os recursos e os processos didático
avaliativos perpassam a participação ampla e democrática de todos os sujeitos implicados com a prática
pedagógica, sobretudo os professores.

Em face do exposto, declaramos que não somos contrários à modalidade de educação a distância, reconhecemos
o seu valor e a sua importância social, para alguns públicos, e em algumas modalidades de ensino. Todavia, não é o caso de
implementá-la de forma aligeirada.

Por fim, reafirmamos o nosso compromisso com a educação pública, democrática e de qualidade socialmente
referenciada para todos no Distrito Federal.

Brasília, 26 de março de 2020.

Grupo de Pesquisa sobre Formação de Professores/Pedagogos – Gepfape

Grupo de Estudo e Pesquisa em Docência, Didática e Trabalho Pedagógico – Prodocência

Grupo de Pesquisa: Currículo e Processo Formativo: inovação e interdisciplinaridade

Grupo de Pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico – GEPA

 

A educação a distância na educação básica: a realidade e a efetividade do ensino

 

A educação a distância na educação básica: a realidade e a efetividade do ensino

Dra. Maria Susley Pereira

Das três últimas décadas para cá temos tido a oportunidade de perceber e acompanhar o inegável avanço das Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC, as quais, de uma forma ou de outra, estão entranhadas na vida de cada um nós e na nossa vida em sociedade. A riqueza de possibilidades que as TIC oferecem é inegável, em particular para a educação, pois elas favorecem a inovação, permitem modernizar o ensino, alinhando-o às perspectivas sociais atuais e, sobretudo, às expectativas das novas gerações.

E é nesse caminho que entra a EaD, como uma ferramenta de inovação para o ensino convencional. Estamos em plena busca pelo fim da pandemia da Covid-19, atendendo a todas as recomendações sanitárias mundiais, com a fuga de aglomerações, o que obviamente inclui a paralisação das aulas. Isso tem deixado todos nós preocupados, afinal os estudantes precisam continuar seus estudos, precisam continuar avançando. Mas será que determinar que a suspensão das aulas seja revogada, nesse momento, e instituir o ensino a distância, abruptamente, será a solução mais adequada? Em se tratando da Educação Básica, especialmente, essa pode não ser uma saída pedagogicamente feliz. Continue lendo “A educação a distância na educação básica: a realidade e a efetividade do ensino”