Nota mais alta é sinônimo de boa educação?

Publicado em 08/01/2023 por Luiz Carlos de Freitas, no blog do Freitas

A propaganda que se faz sobre as supostas estratégias bem-sucedidas do Ceará e de outros estados para melhorar a educação ancora-se na existência de IDEB alto. Em termos políticos isso pode ser suficiente, mas em termos educacionais é pouco.

Contribui para isso, o fato do IDEB ser apresentado em uma escala 0 a 10, o que faz o senso comum olhar para o resultado como se ele fosse uma “tarefa escolar” onde o objetivo é tirar 10. No entanto, pela metodologia de construção do IDEB notas próximas de 10 ou mesmo próximas de 0 são estatisticamente improváveis. Por isso, quando vemos um município com IDEB 9,9 – penso que há muito a ser esclarecido antes de se aceitar este resultado. Mas, independentemente desse detalhe técnico, suponhamos um IDEB alto, nota 7 por exemplo, este índice seria sinônimo de boa educação?

Não. A qualidade da educação não pode ser extraída diretamente de uma nota, sem levar em conta todo o planejamento do processo educativo. A qualidade da nota depende da qualidade dos objetivos e métodos para os quais a educação foi planejada e até mesmo da qualidade dos indicadores usados para detectar se tais objetivos foram obtidos. Portanto, não é uma questão apenas de ter uma governança que alinha objetivos, métodos e avaliação a metas quantitativas.

como alerta Alysson Mascaro: “a esquerda deve ter um papel educador – e não ser apenas uma boa entregadora de políticas públicas”.

Posso ter objetivos elevados ou não, posso ter objetivos baseados em um conceito de formação humana ampliado ou conceitos estreitos de qualificação para o mundo do trabalho baseados em competências e habilidades.

Se os objetivos são limitados, nota mais alta não reflete qualidade, pois não pode ir além dos limites do conceito de formação humana utilizado e seus objetivos. E se associamos objetivos limitados a competição e concorrência, criando um “mercado” onde se obtém recursos públicos meritocraticamente a partir de resultados em testes, menos ainda.

Para ilustrar, suponhamos que as escolas militarizadas existentes no país tivessem gerado um IDEB alto, algo em torno de 7, recomendaríamos que todas as escolas do Brasil fossem militarizadas?

Os defensores da militarização de escolas iriam argumentar baseados no fato dela aumentar o IDEB e tentariam explicar tal aumento pela militarização que supostamente teria permitido remodelar o ambiente e a liderança dos educadores da escola, a motivação dos estudantes agora livres da indisciplina e seguidores da ordem, o alinhamento dos professores com as metas e com o plano de estudo bem ordenado. Enfim, diriam que o IDEB mais alto se deve à existência de uma “governança” focada em “disciplina e ordem”.

E se quisessem induzir mais militarização, iriam distribuir os recursos públicos, por exemplo o ICMS do estado, em função dos resultados da implantação da militarização nos municípios. Finalmente encerrariam a discussão dizendo que há “robustas evidências empíricas” sobre a eficácia da militarização. Mas a militarização seria adequada para os jovens, para a democracia e para o país?

Políticas ancoradas em exames nacionais de larga escala e indicadores como o IDEB ganharam notoriedade com as políticas neoliberais nos Estados Unidos para pressionar as escolas a adotar políticas centralizadas, sendo hoje utilizados, de forma pelo menos mais cautelosa.

Primeiro, porque a avaliação americana (NAEP) não é censitária. É feita em forma amostral em escala nacional, deixando para os Estados e Municípios que estão mais perto das escolas, a criação de indicadores censitários.

Mas, não é só isso, em segundo lugar, pelo princípio de Campbell, “um indicador quantitativo, ao ser usado para a tomada de decisões, fica mais sujeito a manipulações e assim sua própria existência distorce e corrompe os processos que pretende monitorar“.

Sob pressão, as falcatruas se multiplicam nas redes e escolas – incluindo a ocultação de alunos sob o rótulo da medicalização ou das necessidades especiais ou ainda aproveitando brechas para excluir estudantes de baixo desempenho das provas que derrubariam a média da escola.

Por isso, o IDEB não pode ser utilizado isoladamente como fazemos. Para melhorar o diagnóstico são necessários outros indicadores das redes associados a ele.

O INEP já deu um passo na direção de melhorar o SAEB construindo o SINAEB em 2016. Naquela época o grupo de reformadores do governo Temer foi contra. Até a publicação do texto foi censurada no INEP, mas a ANPEd divulgou.

Surpreendentemente, em 2021 foi tomada uma iniciativa para rever o SAEB, como se nada tivesse sido feito antes pelo INEP.

Ainda no governo Bolsonaro, foi criada uma comissão com 23 membros entre titulares e suplentes na qual o principal órgão técnico, o INEP, tinha uma representação minoritária de dois membros, nenhum deles envolvidos com a concepção do SINAEB. Não houve nenhuma discussão interna no INEP e, ao que consta, os dois únicos membros do INEP foram trocados três vezes, período em que a DAEB teve três diretores diferentes.

A sobralização do MEC e da educação brasileira certamente contará com a aprovação deste grupo de reformadores que atuou sob Temer e que foi contra o SINAEB, bem como das organizações empresariais que sempre caminham junto. Isso poderá ser uma trava para se avançar não só em direção ao SINAEB, mas também na direção de uma política educacional que supere a reforma empresarial.

 

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