O que prova que a organização em ciclos é melhor que seriação e não significa apenas diminuir os números de reprovação no sexto e no oitavo anos?

“O que prova que a organização em ciclos é melhor que seriação e não significa apenas diminuir os números de reprovação no sexto e no oitavo anos?”

Maria Susley Pereira

Pesquisadora do GEPA

A pergunta acima foi feita por uma professora da rede pública de ensino do DF muito comprometida com as aprendizagens dos estudantes. Este breve texto procura respondê-la.

Em primeiro lugar devo dizer que responder a esta pergunta em poucas linhas não é uma tarefa simples, pois falar sobre educação não nos permite discuti-la como uma ciência exata e, sendo assim, seria conversa “pra mais de metro”.

Sabemos que a reprovação e o abandono escolar são situações com as quais a educação brasileira convive há muito tempo e estão presentes desde os primeiros anos de escolaridade dos estudantes. No entanto, muito além desses dois efetivos problemas, enfrentamos um ainda mais complexo: muitos alunos seguem sua trajetória escolar com resultados inexpressivos em suas aprendizagens, resultando no que se tem chamado de “fracasso escolar”, mas que é possível ser denominado de um “fracasso da escola”, que produz a exclusão dentro dela mesma quando permite que o aluno ali permaneça sem aprender, inclusive contribuindo para o crescimento do fenômeno da defasagem série/idade.

Podemos observar que escola ainda tem formado pessoas que não incorporam a leitura, a escrita e o cálculo em suas vidas, que não podem se inserir em contextos nos quais essas competências são exigidas, bem como não conseguem utilizá-las para o seu próprio crescimento e nem da comunidade em que vivem, o que significa que boa parte da população não alcança o exercício pleno de sua cidadania.

Dito tudo isso, é possível constatar que a escola carece de alternativas que mudem essa realidade, mas que seja uma transformação para além das questões relativas à aprovação ou reprovação, que possibilitem “recuperar para a função social da escola e da docência a tarefa de educar. Recuperar a educação. Colocar o foco nos educandos e em seus processos formadores. Reconhecer em cada criança, adolescente, jovem ou adulto um ser humano em formação” (ARROYO, 1997, p.11).

Os ciclos são uma alternativa promissora para a escola, portanto, porque favorecem “diversificar os percursos de formação” e é esse seu “principal interesse” (PERRENOUD, 2004, p.92-96) ao lado do objetivo basilar de desenvolver a progressão continuada das aprendizagens de todos os alunos, no qual se inserem importantes intervenientes internos à escola simultaneamente relacionados:  a) considerar que todos podem aprender progressivamente; b) considerar que as aprendizagens ocorrem mais facilmente na relação com o outro; c) valorizar o desenvolvimento da autonomia dos estudantes; d) reconhecer o valor do trabalho pedagógico organizado no coletivo; e) desenvolver diversas estratégias didático-pedagógicas, como o uso de metodologias ativas, reagrupamentos e formação de parcerias produtivas entre os estudantes, projetos interventivos, atividades diferenciadas e desafiadoras; f) considerar que o espaço de aprendizagens não se reduz à sala de aula; g) reconhecer que os tempos e os espaços precisam ser configurados visando aprendizagens progressivas, envolvendo os “alunos de maneira profunda, prazerosa e coletiva” (MEIRA, 1998, p. 61).

Hoje temos consciência de que no meio educativo concentram-se pessoas diferentes e contextos diversos, os quais carecem de sensibilidade docente e a compreensão de nossa função como mediadores e facilitadores das aprendizagens. Tudo isso faz parte da reorganização espacial e temporal na escola – consubstanciada no trabalho em equipe de todos os envolvidos no processo educativo – e da avaliação, que é a essência para a efetiva progressão continuada das aprendizagens, sendo esta uma das bases de uma escola que se pretende organizada em ciclos.

Referências

ARROYO, M. Fracasso-Sucesso: o peso da cultura escolar e do ordenamento da educação básica. In: ABRAMOWICZ, A. e MOLL, J. Para Além do Fracasso Escolar. Campinas, SP: Papirus, 1997.

 

MEIRA, M. E. M. Desenvolvimento e aprendizagem: reflexões sobre suas relações e implicações para a prática docente. Ciência e Educação. vol.5, n.2 (Bauru) [online], 1998.

 

PERRENOUD, P. Os ciclos de aprendizagem: um caminho para combater o fracasso escolar. Tradução de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard. Porto Alegre, RS: Artmed, 2004.

 

 

Algumas sugestões bibliográficas

 

BARRETO, E. S. de S.; MITRULIS, E. Trajetórias e desafios dos ciclos escolares no Brasil. In: PERRENOUD. P. Os ciclos de aprendizagem: um caminho para combater o fracasso escolar. Porto Alegre: Artmed. 2004.

FETZNER, Andréa Rosana (Org.). Ciclos em revista. v. 1: A construção de uma outra escola possível. Rio de Janeiro: Wak, 2007, 128p.

FETZNER, Andréa Rosana (Org.). Ciclos em revista: implicações curriculares de uma escola não-seriada. Rio de Janeiro: Wak, 2007, 148p.

FETZNER, Andréa Rosana (Org.). Ciclos em revista: a aprendizagem em diálogo com as diferenças. Rio de Janeiro: Wak, 2008, 147p.

FETZNER, Andréa Rosana (Org.). Ciclos em revista: avaliação: desejos, vozes, diálogos e processos. Rio de Janeiro: Wak, 2008, 252p.

FERNANDES, C. de O. A Escolaridade em Ciclos: práticas que conformam a escola dentro de uma nova lógica – a transição para a escola do século XXI. 2003. 340f. Tese (Doutorado). PUC-Rio, 2003.

FERNANDES, C. de O. Escola em ciclos: uma escola inquieta: o papel da avaliação In: CRUZ, G. B. Ciclos em Debate, p. 51-62. Niterói: Intertexto, 2008.

MAINARDES, J.; STREMEL, S. Avaliação da aprendizagem no contexto dos ciclos: reflexões sobre seus elementos essenciais. Imagens da Educação, Maringá, v.1, n.3, p. 53-64, 2011.

PEREIRA, M. S. A Avaliação no Bloco Inicial de Alfabetização: das orientações e ações da SEEDF ao trabalho nas escolas. 2015. 382f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação – Universidade de Brasília- UnB, Brasília –DF.

VILLAS BOAS, Benigna Maria de Freitas; PEREIRA, Maria Susley; OLIVEIRA, Rose Meire da Silva e. Progressão continuada: equívocos e possibilidades. Polyphonía, v. 23/1, jan./jul. 2012

 

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