A Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal validará o ensino remoto emergencial a partir do dia 13 de julho de 2020
A Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF) anunciou que o DF retomará o calendário letivo de 2020 a partir do dia 13/07/2020, por meio do ensino remoto emergencial. Para terem acesso às aulas, os estudantes precisarão se cadastrar na plataforma Escola em Casa, para acessarem asala de aula virtual que opera por meio do Google Sala de Aula. Para aqueles que não possuem acesso à internet, uma parceria da TV Justiça com o Governo do Distrito Federal (GDF) levará o conteúdo até a casa dos estudantes pela televisão, em quatro canais diferentes, e no canal @Educadf disponível no Youtube.
As atividades pedagógicas de ensino remoto emergencial, síncronas ou assíncronas, serão consideradas como efetivo trabalho escolar e a carga horária trabalhada será utilizada para a substituição de carga horária presencial. Esta decisão converge com o estabelecido no parecer do Conselho Nacional de Educação nº 5/2020 e no Parecer do Conselho de Educação do DF, nº 33/2020, que conferem autonomia aos sistemas de ensino para ajustar suas organizações pedagógica, administrativa e calendário escolar, abrindo possibilidade para que as atividades não presenciais sejam computadas para fins de cumprimento de dias letivos.
É preciso registrar que, desde o início do isolamento social, medida adotada para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional, decorrente do novo Coronavírus responsável pelo surto de 2019 – COVID-19, professores de escolas públicas e privadas têm interagido com estudantes e suas famílias em busca de maneiras de darem prosseguimento aos trabalhos escolares. Há relatos exitosos, mostrando a capacidade dos professores de se reinventarem, restabelecendo a fundamental parceria entre escola e família. Por outro lado, há depoimentos de professores e estudantes que ficaram totalmente desassistidos, por diferentes razões.
A Subsecretaria de Educação Básica, da SEDF, está encarregada de readequar o currículo em movimento para o ano letivo de 2020, em todos os componentes curriculares e anos/séries, visando garantir a articulação entre as ferramentas pedagógicas disponibilizadas – plataforma, teleaulas e material impresso. Compete aos professores a elaboração de atividades pedagógicas não presenciais, tanto para disponibilizá-las nas salas de aula virtuais, quanto para usá-las como material impresso destinado aos estudantes que não tiverem acesso às aulas. A frequência escolar será computada por meio da entrega, aos estudantes, das atividades on-line ou impressas. Reforça-se a necessidade de trabalho colaborativo e o efetivo acompanhamento das Regionais de Ensino.
Há ainda a orientação de que “as atividades a serem entregues até o fim de cada bimestre/semestre, para efeitos de verificação de frequência e de avaliação para as aprendizagens, deverão ter caráter interdisciplinar, apresentar dinâmicas desafiadoras e partir das práticas sociais dos estudantes” (Plano de Gestão Estratégica para a Realização das Atividades Pedagógicas Não Presenciais da Rede Pública de Ensino, p. 15). Para isso, a Subsecretaria de Formação Continuada dos Profissionais da Educação (EAPE) promoveu, durante as duas semanas que antecederam o início do calendário de aulas remotas, a formação de professores e outros profissionais da educação para desenvolverem as aulas remotas. Mais de vinte mil professores foram atendidos em diferentes cursos: GSuit (ferramentas do google para a educação), Produção de Material Didático e Moodle on-line.
Todo esse esforço é válido, porém, conseguirá se estender, com a mesma qualidade, a todos os estudantes matriculados na rede pública de ensino? Certamente, não! Portanto, se a educaçãoé direito de todos, qualquer medida de segregação não pode ser aceita. Validar dias letivos, desconsiderando os milhares de estudantes que não conseguirão acompanhar as aulas remotas ou as atividades impressas, sendo, portanto, excluídos, é uma iniciativa descabida.
O que revelam as pesquisas?
Os números da Pesquisa TIC Kids Online Brasil, sobre o uso da Internet por crianças e adolescentes no Brasil, realizada em 2018, revelam que, entre crianças e adolescentes de 9 a 17 anos, 66% não se conectam à Internet em ambientes privados, seja na própria residência ou na residência de amigos e familiares. Além disso, esse número atinge 82% dos/as estudantes na zona rural, 70% entre os das classes D e E; 67% entre os da classe C e 58% entre os das classes A e B.
As pesquisas do PNAD (2018) indicam outros dados relevantes e que precisam ser considerados, especialmente quando se defende o ensino a distância ou mesmo remoto, em caráter emergencial. Entre eles, destacamos: 17,3% das crianças de 0 a 14 anos moram em residências que não têm acesso à rede geral de abastecimento de água e 40,8%, em locais sem conexão com o sistema de esgoto. Nas casas em que não há internet, as condições de saneamento são ainda piores: 29,3% sem rede de água e 60% sem esgoto. A Pnad mostraainda, que 15,1% das residências abrigam seis ou mais pessoas e, em 40%, há mais de três moradores por dormitório. Os computadores portáteis continuam concentrados nas famílias mais ricas: na classe A, 90% têm notebook e 49%, tablet. Nas camadas D e E, os índices são de 3% e 4%, respectivamente. As diferenças, portanto, são assustadoras.
Ademais, uma pesquisa do Instituto Península, realizada entre os dias 13 de abril e 14 de maio de 2020, entrevistou 7.734 docentes de todo o país e concluiu que 83% deles ainda se sentem despreparados para ensinar a distância.
De acordo com o Blog da Boitempo, “mais da metade dos estudantes da rede básica do estado de São Paulo, dentre os 3 milhões e meio de matriculados, nunca acessou e nem deu login no sistema de aulas online montado para a continuidade pedagógica durante a pandemia. A muitos deles faltam tecnologia e infraestrutura mais básica do que conexão e aparelhos eletrônicos, como saneamento básico, alimentação e o mínimo necessário para sobreviver a uma crise sanitária”. Se essa é a realidade da maior cidade do Brasil, a situação é ainda pior em cidades e municípios das regiões Norte e do Nordeste.
Recente pesquisa realizada pelo Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF) indica números estarrecedores para a capital do Brasil: 26,27% dos 460 mil estudantes da rede pública de ensino do DF não têm condições materiais de assistirem e participarem de nenhum tipo de Educação a Distância (EaD). Isso significa que a adoção de EaD ou aulas remotas, neste período de pandemia, excluirá da educação mais de 25% dos estudantes.
Posicionamento do GEPA
Levando em conta as considerações anteriormente apresentadas, o Grupo de Pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico – GEPA – se posiciona contrariamente ao cômputo das atividades remotas na recomposição do calendário letivo, ao mesmo tempo em que se mantém firme na defesa da educação pública de qualidade social e contra qualquer iniciativa que conduza a desigualdades de acesso às aprendizagens.
Compreender a organização do trabalho pedagógico no ensino remoto, proposto por diferentes sistemas e redes de ensino, nos remete a pensar sobre a relação intrínseca entre objetivos e avaliação. Ambos atuam em conjunto. A avaliação fornece elementos para iniciar o trabalho pedagógico, para garantir sua continuidade ou sua reorganização em atendimento aos objetivos previamente estabelecidos e outros surgidos enquanto ele se concretiza.
No caso do ensino remoto em desenvolvimento nas escolas públicas do DF, interessa-nos saber qual é a real finalidade do processo avaliativo: contribuir para a construção das aprendizagens ou comprovar a não aprendizagem, já que os que não puderem acompanhar o trabalho remoto não terão direito às aprendizagens?
A realização de atividades sem a devida mediação pedagógica e acompanhamento sistemático de professores pode ser um recurso utilizado na tentativa de diminuir os impactos da pandemia. Entretanto, a validação dessas atividades como dia letivo potencializará a exclusão dos estudantes sem condições de acompanharem as aulas remotas, o que aumentará as desigualdades educacionais. Além disso, ampliará as possibilidades de avaliação informal negativa. Sem condições de mediar o ensino, pais e familiares podem reforçar avaliações desencorajadoras, contribuindo para um clima tenso e desanimador para os filhos/estudantes.
O ensino remoto, na presente situação, corre o risco de não atender a um dos princípios básicos do trabalho pedagógico: a salutar relação pedagógica que se estabelece entre os estudantes e entre estes e os professores. A falta de interação empobrece o ensino e a avaliação. Perpetua-se a velha lógica: conteúdo dado, conteúdo cumprido.
A máxima que vem sendo difundida: “a escola precisa se reinventar” ou “o professor/a precisa se reinventar” precisa ser vista com cautela. Estamos em período de crise sanitária. Não vamos usar esse momento para banalizar ou simplificar o trabalho escolar.
Portanto, não há pontos e contrapontos. Temos um país com imenso abismo social e um pobre investimento em educação. Neste momento de enormes sacrifícios, precisamos de ter cuidado com a cultura do “oportunismo”. Não precisamos de Estado mínimo! Ao contrário, queremos mais ações sociais e um Estado que consiga de fato alcançar quem mais necessita. As escolas não precisam de pacotes tecnológicos, mas de recursos, valorização da carreira docente e gestão pública comprometida com a construção de uma educação de qualidade social.
O que pode ser feito? Pensando em alternativas
Diante da situação de calamidade pública que vivemos, o GEPA entende que o número de dias letivos só pode ser considerado a partir do retorno às atividades presenciais, o que exigirá a integração dos anos letivos de 2020 e 2021.
E como fazer com os estudantes do 3º ano do Ensino Médio, os concluintes da Educação de Jovens e Adultos e os da Educação Profissional? Excepcionalmente, para estes grupos, a SEDF poderá complementar o ensino remoto emergencial com atividades síncronas e interativas, desde que providencie as devidas condições de acesso para todos.
E as demais etapas e modalidades da educação básica? Terão a reposição de forma gradativa. Para isso, indicamos que a organização curricular seja revista. Um “currículo de transição” (SILVA, 2020) organizado pelo coletivo escolar, considerando as especificidades de cada escola, reúne chances de que sua implementação se dê de maneira exitosa. Propostas integradoras e interdisciplinares são muito bem-vindas. Há tempo defendemos que o “ensino em caixinhas”, com foco no conteúdo, tem que ser superado. Não seria esse o momento de tornar real esse propósito?
E como ficam os professores nesse período? Várias iniciativas podem ser incentivadas, assim como o efetivo e contínuo investimento na sua formação, mas sem torná-la obrigatória nem usá-la como dia letivo.
Escolas e professores podem estabelecer contato com estudantes e famílias para apoiar esse momento tão singular que estamos vivendo. Atividades podem ser realizadas e mediadas quando possível, com o uso de diferentes recursos. Tudo isso por meio de um planejamento cuidadoso e de muita atenção à saúde mental de crianças, jovens e adultos, não aumentando a ansiedade e a pressão propondo excesso de atividades.
Por último, recomendamos que, neste momento de enfrentamento da pandemia do coronavírus, não seja esquecida a autonomia pedagógica das escolas e dos seus docentes e que as ações das equipes gestoras sejam sempre respaldadas pela participação de professores, estudantes e seus pais/responsáveis.
Referências:
BLOG DA BOITEMPO. O trabalho de educar numa sociedade sem futuro.Disponível em < https://blogdaboitempo.com.br/2020/06/05/o-trabalho-de-educar-numa-sociedade-sem-futuro/ > Acesso em 05 de junho de 2020.
CARLA, Maria. Mais de 120 mil estudantes da escola pública do DF não conseguem acessar a EaD. SINPRO-DF, 2020. Disponível em: https://www.sinprodf.org.br/mais-de-100-mil-estudantes-da-escola-publica-do-df-nao-conseguem-ter-acesso-a-ead/>. Acesso em 01 de junho de 2020.
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO – CNE. Parecer nº 5, de 28 de abril de 2020. DOU. 28/04/2020. Categoria: Especial Coronavírus.
GDF. SEEDF. Plano de Validação das Atividades Pedagógicas não presenciais. Brasília, 2020. Disponível em: <http://www.se.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2020/06/Plano_de_Validacao_das_Atividades_Pedagogicas_nao_Presenciais_versão final.pdf>. Acesso em 15 de junho de 2020.
SILVA, Francisco Thiago. Currículo de Transição: uma saída para a educação pós pandemia. Revista EDUCAmazônia – Educação Sociedade e Meio Ambiente, Humaitá. Ano 13, Vol XXV, Núm 1, Jan-Jun, 2020, pág. 70-77.
TENENTE, Luiza. 30% dos domicílios no Brasil não têm acesso à internet; veja números que mostram dificuldades no ensino a distância. G1, 26/05/2020. Disponível em: <
https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/05/26/66percent-dos-brasileiros-de-9-a-17-anos-nao-acessam-a-internet-em-ca sa-veja-numeros-que-mostram-dificuldades-no-ensino-a-distancia.ghtml>. Acesso em 26 de maio de 2020.