Webinar com Domingos Fernandes, organizado pelo Instituto Ânima

Como avaliar a aprendizagem dos estudantes em ambiente on-line? Uma reflexão para além da avaliação

Elisângela T. Gomes Dias

O professor Domingos Manuel Barros Fernandes, em participação na webinar organizada pelo Instituto Ânima e realizada em oito de maio de 2020, entende que não há diferenças significativas entre a avaliação praticada no dia-dia, no ensino presencial, com a avaliação on-line realizada nas aulas remotas, durante o período de isolamento social. O que está emergindo nesse momento acerca do papel da avaliação, em que fizemos um giro de 180º para termos condições de dar continuidade ao processo pedagógico, é o que vem sendo discutido e sinalizado pelas pesquisas científicas nas últimas décadas. “Temos que distinguir claramente a avaliação da classificação. Avaliar é um processo eminentemente pedagógico e vinculado à aprendizagem, enquanto a classificação é um algoritmo”, frisou o professor. Reivindicamos uma outra visão do ensino e práticas avaliativas integrativas e que alimentem a ação didática; uma avaliação a serviço da aprendizagem, enfatizou o professor. Avalia-se para planejar, orientar e retroalimentar o trabalho pedagógico. Além disso, de certa maneira, os estudantes constroem suas concepções sobre o que é importante ou não aprender a partir da forma como o professor avalia, dadas as consequências geradas por essa ação.

Em Portugal, está havendo um esforço muito grande para que ninguém fique para trás, especialmente em função do suporte dos professores, que têm um papel insubstituível. A tecnologia, segundo relato de Domingos Fernandes, não é a questão central. Está sendo bem acessível aos estudantes portugueses. O desafio são as mudanças metodológicas, pois não podemos simplesmente transpor o formato das aulas presenciais para as aulas a distância. Temos que explorar nossa imaginação, nossa criatividade. Então, é necessário pensar sobre o que e como as crianças e os jovens devem aprender nessas circunstâncias. A nossa opção pedagógica é a principal questão. Queremos que os estudantes participem mais ativamente? Que recursos estão à nossa disposição e são adequados? O que podemos propor? Há estratégias fantásticas de que o professor pode lançar mão.

Na visão de Fernandes, “essa pode ser uma oportunidade única para termos uma visão mais cosmopolita do ensino. Mesmo confinados, podemos abrir a janela e as portas da nossa imaginação”. Aprendizagem entre pares e a mediação com signos e instrumentos antes não explorados podem ser um diferencial. Lembremos que Vigotski, por exemplo, desde o século passado, defendia tais práticas. A aprendizagem deve impulsionar o desenvolvimento, explorando as funções psicológicas superiores a partir do que é essencial e não periférico.

O mundo exige o trabalho colaborativo, por que então o individualismo é tão valorizado pela escola? Nessa lógica, a preocupação de muitos docentes neste momento passa a ser com a possibilidade de “cola”, o que só reforça a velha cultura de estudar para a prova, gerando muitas vezes angústia. Ora, o mais importante é planejar que tipo de atividades estão sendo propostas. Certamente aquelas que não oportunizam o processo de reflexão e a integração de conhecimentos, mas valorizam aspectos meramente memorísticos, propiciam essa conduta.

Ressaltamos ainda o feedback contínuo e diferenciado durante o ensino remoto ou a distância e a necessidade da autoavaliação. Para tanto, é preciso que o professor tenha critérios bem definidos, transparentes e organizados de forma participativa. Por meio do que Domingos Fernandes chama de “rubricas” (descritores de desempenho) da avaliação, três aspectos devem ser observados: 1) os estudantes devem saber o que irão aprender e como se dará esse processo; 2) em que situações se encontram em relação a essas aprendizagens; 3) que esforços terão que fazer para atingir o que está sendo proposto. Essas rubricas são facilmente conduzidas por meio de diversas ferramentas e são fundamentais para a autoavaliação, compreendida como um processo cognitivo, conforme explicou o professor. Não se trata de o estudante dizer “eu acho que mereço essa ou aquela nota”, mas de fazer uma reflexão a partir do que foi pactuado, entre o desejado e o realizado.

A partir dessa discussão e considerando a educação brasileira, há vários aspectos que podemos destacar. Entre eles, destaca-se que a falta de investimento na educação pública, o que incide não apenas em infraestrutura, mas na valorização do magistério e na formação docente, torna-se latente na atual crise sanitária que levou o país a decretar estado de calamidade pública. Com efeito, milhares de estudantes brasileiros estão totalmente desassistidos ou com condições precárias. Algumas poucas escolas e docentes estão se reinventando e alcançando seus estudantes, inclusive em regiões periféricas. Mas, em geral, temos observado tentativas amadoras e pouco efetivas. Podemos citar o que está sendo organizado até o momento pela Secretaria de Educação do Distrito Federal, com tele aulas gravadas, por vezes de forma caseira, e disponibilizada em canal de TV sem nenhuma interatividade entre professores e estudantes, tampouco atreladas ao currículo da escola e ao devido acompanhamento pedagógico. E a defesa para esse contexto de ensino remoto desarticulado não se justifica com o argumento “importante é a iniciativa de se fazer alguma coisa”. Educação não pode ser negligenciada, mesmo diante de uma situação tão adversa como essa.

Por outro lado, as escolas particulares se mobilizaram, buscaram alternativas e estão prosseguindo com as atividades. O problema é que muitas delas, preocupadas com a “prestação de serviço” e com o foco no cumprimento do conteúdo, desconsideram vários aspectos e submetem crianças e jovens a uma carga horária excessiva e que poderá trazer consequências danosas para saúde física e mental. Há vários relatos de sobrecarga e aumento da ansiedade, tanto de docentes quanto de discentes, além da negligência no atendimento das necessidades educacionais especiais. A maior parte dos estudantes com deficiências está totalmente marginalizada. Aulas remotas estão sendo ofertadas até mesmo para crianças da educação infantil, do maternal e da pré-escola, o que gera uma série de questionamentos. Essa temática ganhou inclusive destaque no chat e será objeto de outra webinar, sendo mesmo objeto de uma outra análise.

Alertamos que as atividades remotas não podem substituir integralmente as presenciais, mesmo que o período de isolamento social seja prorrogado. É preciso pensar, como reiterou Domingo Fernandes: o que é mais importante que crianças, adolescentes, jovens e adultos aprendam? O que é verdadeiramente fundamental ensinar? Quais as tarefas que os levam a pensar e são relevantes para o desenvolvimento dos processos mais elaborados do pensamento? Todas as páginas dos livros precisam ser preenchidas? Se a resposta à última questão for sim, esse atual formato, em especial, contribuirá muito mais para o aumento da ansiedade do que para a aprendizagem efetiva dos estudantes. Isso significa que o ensino ainda não conseguiu romper com a educação tradicional.

A implementação de ações díspares, sem a mediação direta de professores e com famílias sem condições de acessibilidade e de suporte ao processo educativo de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos não conseguirá oportunizar ensino de qualidade. É urgente a necessidade de maior investimento na educação e valorização do magistério. O que seria da humanidade sem o avanço da ciência?

Enquanto isso, o Ministério da Educação suprime verbas de pesquisa e anuncia que a avaliação do Sistema de Educação Básica passará a ser anual e censitária, na falsa lógica de que medir é gerar qualidade, o que aumentará absurdamente o gasto com testes em larga escala. Uma contradição que vem sendo denunciada por vários educadores e associações de estudos e pesquisas educacionais.

Por fim, reiteramos que, em tempos de crise como a que estamos passando, a maior preocupação da escola seja pelo desenvolvimento integral de seus educandos, o que exige a organização do trabalho pedagógico sem desconsiderar o contexto vigente, as singularidades dos estudantes, as diferenças sociais e culturais. Que possamos reaprender a ensinar, pois certamente os estudantes de hoje não são os mesmos do século passado, assim como será a humanidade pós-pandemia.

Referência:

Como avaliar a aprendizagem dos estudantes em ambiente on-line? Webinar no Canal do Youtube do Instituto Ânima. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=y0wm9HSYX5o>. Acesso em 8 maio de 2020.

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

onze − três =