Estudo foi elaborado pelo Centro Brasileiro de Pesquisas em Democracia da PUCRS
Nas últimas duas décadas, o Brasil apresentou um novo ciclo de expansão da rede de ensino superior, além de iniciativas e políticas públicas visando a redução das desigualdades de acesso. A taxa líquida de matrículas neste nível de ensino, que, em 1995, era de 5,8%, em 2015, chegou a 18,1%. Segundo o estudo, a origem social dos jovens, apesar de ainda exercer forte efeito sobre as chances de ingresso no ensino superior no país, teve sua relevância reduzida nas últimas décadas. Estes são uns dos apontamentos desenvolvidos por pesquisadores do Centro Brasileiro de Pesquisas em Democracia (CBPD-PUCRS), coordenado pelo professor do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade, André Salata. O estudo completo, que foi realizado em parceria com a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL), pode ser visto neste link, além do material de divulgação.
A pesquisa teve como objetivo analisar o processo de expansão e, também, da ação de políticas públicas para identificar uma redução das desigualdades de acesso ao ensino superior no país. Especificamente, estudou os efeitos da classe de origem sobre as chances de acesso a este nível de ensino, assim como sobre a qualidade deste acesso, se por meio da rede pública ou privada, nos últimos anos. Para isso, foram utilizados dados da Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio (PNAD-IBGE) para os anos de 1995, 2005 e 2015, que foram analisados por meio modelos estatísticos multivariados.
Conforme aponta a pesquisa, tomando como referência o período 1995 a 2015, os pesquisadores verificaram que a expansão foi acompanhada da democratização do acesso, sendo que a principal barreira ainda se encontra na conclusão dos níveis precedentes de ensino. “Houve uma acentuada redução do efeito de classe sobre a chance de alcançar o ensino superior, que parece estar mais atrelada à democratização do aceso aos níveis anteriores de ensino do que ao ensino superior em si mesmo. À diminuição das desigualdades de acesso, se contrapõe uma possível elevação das desigualdades horizontais dentro do próprio ensino superior, em especial no que se refere à segmentação entre instituições públicas e privadas”, frisa Salata.
Qualificação e mercado de trabalho
O ingresso e conclusão do ensino superior se consolidou, nas últimas décadas, como um dos principais meios os quais os estratos mais elevados da sociedade brasileira garantem o acesso, ao indivíduo e aos seus filhos, às posições sociais mais valorizadas e bem remuneradas.
“O prêmio obtido no mercado de trabalho por aqueles que possuem ensino superior completo se mostra de grande magnitude, e presta importante contribuição para a explicação das enormes desigualdades de rendimento no país. Assim, conseguir ou não ter acesso ao ensino superior é, no Brasil, um elemento marcante no processo de reprodução das desigualdades”, destaca o professor.
Forma de análise da pesquisa
O estudo selecionou apenas jovens entre 18 a 24 anos (idade esperada parar cursar o ensino Superior) e relacionou, por meio de modelos estatísticos, a origem social dos jovens com as chances de acesso ao Ensino Superior. A origem social dos mesmos foi mensurada considerando as informações ocupacionais do chefe do domicílio onde residia, classificada em categorias acesso ao ensino superior. Estas foram separadas por: Proprietários empregadores, administradores e profissionais de nível superior (Profissionais, Administradores e Gerentes e Proprietários Empregadores); Empregadores e Trabalhadores (Empregados não-manuais de rotina, Trabalhadores conta-própria, Manuais Qualificados e Manuais Não-Qualificados) e Rurais (Empregadores e Trabalhadores).
Chances de acesso ao estudo
Para facilitar a leitura dos resultados obtidos por meio dos modelos estatísticos, os pesquisadores elaboraram comparações de casos hipotéticos.
Rodrigo e Pedro são dois jovens, ambos têm idade entre 18 e 24 anos, moram na mesma região geográfica, em uma cidade com porte similar e em famílias com estrutura semelhante. Enquanto Rodrigo é filho de profissionais, Pedro é filho de trabalhadores manuais. Confira os resultados:
Em 1995, Rodrigo teria chances 35 vezes maiores que as de Pedro de ter acessado o ensino superior.
Se Rodrigo e Pedro tivessem nascido dez anos mais tarde, no ano de 2005, quando estivesse naquela mesma faixa etária (18 a 24 anos) Rodrigo teria chances 19 vezes maiores que as de Pedro de ter acessado o ensino superior.
Caso Rodrigo e Pedro tivessem nascido vinte anos mais tarde, no ano de 2015, quando estivesse naquela mesma faixa etária (18 a 24 anos) Rodrigo teria chances nove vezes maiores que as de Pedro de ter acessado o ensino superior.
Redução das desigualdades
Ana e Marcela são duas jovens com idades entre 18 e 24 anos, moram na mesma região geográfica, em uma cidade com porte similar e em famílias com estrutura semelhante. Ambas concluíram o ensino médio. Ana é filha de Proprietários Empregadores, Marcela é filha de Trabalhadores Manuais Não Qualificados. Como tanto Ana quanto Marcela concluíram o ensino médio, tratamos aqui somente da barreira que separa o ensino médio do superior. Veja:
Em 1995, Ana teria chances seis vezes maiores que as de Marcela de ter acessado o ensino Superior.
Caso Ana e Marcela tivessem nascido dez anos mais tarde, no ano de 2005, quando estivesse naquela mesma faixa etária (18 a 24 anos) Ana teria chances oito vezes maiores que as de Marcela de ter acessado o ensino superior.
Se Ana e Marcela tivessem nascido vinte anos mais tarde, no ano de 2015, quando estivesse naquela mesma faixa etária Ana teria chances quatro vezes maiores que as de Marcela de ter acessado o ensino superior.
Barreira que separa o ensino médio do superior
No caso de Paulo e Gustavo, ambos têm idade entre 18 e 24 anos, moram na mesma região geográfica, em uma cidade com porte similar e em famílias com estrutura semelhante. Ambos ingressaram no ensino superior. Confira:
Rodrigo e Pedro são dois jovens, ambos têm idade entre 18 e 24 anos, moram na mesma região geográfica, em uma cidade com porte similar e em famílias com estrutura semelhante. Enquanto Rodrigo é filho de profissionais, Pedro é filho de trabalhadores manuais. Confira os resultados:
Se Paulo e Gustavo tivessem nascido dez anos mais tarde, no ano de 2015, quando estivesse naquela mesma faixa etária (18 a 24 anos) Paulo teria chances 88% maiores que as de Gustavo de ter acessado o ensino Superior em uma Instituição Pública (em vez de privada).
Conclusões gerais
“Seja considerando especificamente a passagem do ensino médio ao superior na última década, ou então a relação não condicional entre origem social e ingresso no ensino superior, podemos afirmar que a sociedade brasileira se tornou mais fluída e democrática”, enfatiza Salata. Ainda, segundo o professor, é preciso considerar que o peso da origem social sobre as chances de os jovens ingressarem no ensino superior (condicional ou não à conclusão do ensino médio) ainda é muito marcante. Jovens provenientes de famílias de classes mais altas, com maior acúmulo de capital econômico e, principalmente, cultural, ainda hoje possuem chances muito mais altas de atingir aquele nível de ensino do que jovens de classes trabalhadoras.
Portanto, os resultados alcançados tornam evidente um cenário onde padrões positivos e negativos se entrelaçam. Os efeitos ainda muito relevantes e agudos da origem social para o acesso ao ensino superior – condicional ou não à conclusão do ensino médio -, foram reduzidos nos últimos anos. Entretanto, é possível que essas desigualdades verticais venham a somar-se, cada vez mais, desigualdades horizontais dentro do sistema de ensino, sobre o tipo ou a qualidade daquele acesso. “Não obstante, em relação ao acesso ao ensino superior, a sociedade brasileira de hoje se mostra mais democrática e aberta que aquela de duas décadas atrás, apesar das enormes desigualdades que ainda persistem”, ressalva.
Ascom – PUCRS