Rose e Enílvia em roda de conversa do XX ENDIPE 2020

Em uma das rodas de conversa promovidas pelo XX ENDIPE 2020, no dia 30 de outubro, as gepanianas Enílvia e Rose apresentaram resultados da pesquisa por elas desenvolvida em 2019, em uma escola pública do Distrito Federal onde foi implantado o Projeto Escola de Gestão Compartilhada (modelo cívico-militar de organização escolar). O foco da investigação foi a avaliação e suas implicações para a conquista de aprendizagens. Foi acertada a decisão das pesquisadoras de desvelarem o clima avaliativo de uma escola comprometida com esse projeto para bem compreenderem os seus meandros.

A pesquisa ouviu professores, pais/responsáveis e estudantes, gerando dados que têm potencial para subsidiar a Secretaria de Educação do DF para repensar a conveniência da continuidade desse Projeto.

A maioria dos pais/responsáveis, estudantes e professores participantes da pesquisa considerou a segurança, disciplina e organização do ambiente escolar como aspectos que melhoraram a partir da implementação do projeto Gestão Compartilhada. Contudo, foram apontadas muitas fragilidades, tais como: perda de autonomia da escola pela condução do seu trabalho; interferência no trabalho pedagógico de sala de aula; imposição de regras quanto a uniforme, à circulação pela escola, a penteado dos estudantes e a seu visual, dentre outros aspectos. Informações completas sobre o trabalho poderão ser lidas em um artigo por elas submetido para publicação.   

 

Como e quando se formam os professores

Benigna Villas Boas

Durante a pandemia do corona-vírus tenho pensado muito sobre a formação de professores. Tenho acompanhado situações de ensino remoto nada convencionais, que merecem algumas reflexões.  

Recentemente, em uma reportagem pela TV, vi uma professora gravando uma aula para seus estudantes acompanharem remotamente, durante a qual ela desenvolvia atividades de matemática sobre azulejos na cozinha da sua casa. Uma aula dinâmica, prazerosa e impensável. Justificou sua decisão dizendo que seus estudantes estavam desmotivados com as aulas remotas. Por isso introduziu algo que os animasse e prendesse sua atenção.

Outra professora de uma cidade do interior de Minas Gerais tem formulado atividades individualizadas, em folhas de papel, escritas a mão por ela e colocadas em sacolas plásticas, que ela prende na grade externa do jardim das casas dos seus estudantes. Dias depois ela volta para recolher as folhas com as atividades desenvolvidas.

Quando e como estas duas professoras aprenderam a agir assim?

Estas iniciativas nos levam a pensar sobre a formação dos professores, que tem início antes mesmo de frequentarem cursos de licenciatura, como estudantes da educação infantil, do ensino fundamental e médio. Quem nunca viu crianças de cerca de 4 ou 5 anos de idade chegarem em casa, após as aulas, reunirem seus brinquedos e fingirem que são seus alunos? Presenciei esta situação em minha casa. Minhas filhas davam aulas para os bichinhos de pelúcia e de borracha e para as bonecas. Uma delas falava muito alto e apontava o dedo para eles e eu pensava: sua professora deve agir assim.  

Os episódios mais presentes nas simulações das crianças pequenas costumam ser os relacionados à avaliação. Talvez chamem tanto a sua atenção por conferirem poder aos professores. Elas captam muito bem a maneira de eles interagirem com elas. O que presenciam em sala de aula impregna o seu jeito de ser e de ver o mundo. Quem não se lembra do cantinho para pensar, dos recreios suspensos, das provas como momentos angustiantes, dos riscos vermelhos sobre atividades consideradas “erradas”, das provas difíceis para punir mal comportamento? Por meio de vivências deste tipo, os que escolherem cursos de licenciatura começam a se formar.

A formação inicial de professores deve incluir o letramento em avaliação, constituído por saberes e as práticas avaliativas vivenciadas nas diferentes atividades do curso. Isto quer dizer que, enquanto desenvolvem estudos sobre avaliação, o processo avaliativo por eles vivenciado completa o seu letramento. Tradicionalmente, “ensinam-se” conteúdos desconectados das experiências de avaliação em sala de aula. Por exemplo: aprende-se, em livros e textos, o que é autoavaliação, em que ela seja praticada. Apregoa-se a necessidade do uso do feedback, mas ainda não há apropriação dos seus objetivos, características e modus operandi. Os professores nem sempre o usam como recurso para o avanço das aprendizagens.

O letramento em avaliação tem sido negligenciado. Os futuros docentes não têm participado da avaliação condizente com a sua atuação futura nas escolas de educação básica. Esta situação os torna fragilizados quando se tornam professores.  

A pandemia tem evidenciado a necessidade de a formação de professores aproximar-se das iniciativas das escolas de educação básica. Neste momento de afastamento social, os professores estão incorporando novas aprendizagens. Estão buscando meios para que seus estudantes sem acesso à internet não fiquem para trás. Já os docentes de cursos de licenciatura contam com mais possibilidades para desenvolverem atividades online e dar prosseguimento ao processo de aprendizagem. Indago: estarão os dois segmentos em articulação? A educação básica conta com os cursos de licenciatura, encarregados da formação dos professores. Estes cursos, por sua vez, para bem cumprirem o que deles se espera, devem estar em sintonia com o trabalho pedagógico das escolas de educação básica. As atividades de estágio e de residência pedagógica, quando devidamente acompanhadas pelos professores dos cursos de licenciatura, o que inclui contatos com as escolas onde são desenvolvidas, constituem formação continuada para os docentes destes cursos. Costuma-se falar em formação continuada para professores da educação básica, mas esta expressão se aplica também aos docentes das universidades. Refiro-me à sua formação continuada no sentido de estarem em dia com as necessidades das escolas de educação básica.

A permanente aproximação do que chamo de dois segmentos (o dos professores da educação básica e o dos professores dos cursos de licenciatura) constitui uma rica oportunidade para aprenderem um com o outro. Estes dois segmentos devem estar afinados e aproveitar todas as oportunidades para aprendizagem mútua.

A pandemia está apontando a necessidade de criação de ambiente mais colaborativo entre esses dois segmentos. Cada um isoladamente fará pouco. O letramento em avaliação, desenvolvido em cursos de licenciatura, ganha destaque em função das aulas remotas, que requerem processo avaliativo próprio. Este é um dos temas que clamam por construção de saberes e práticas. Trata-se de um fértil campo de trabalho para os docentes dos dois segmentos. Mas, atenção: esta é uma tarefa dos educadores profissionais e não de empresas, movidas por outros interesses.  

 

A fé nas avaliações

Por Luiz Carlos de Freitas, no blog do Freitas, em 29/10/2020

A mentalidade meritocrática que assola os meios educacionais encontra dificuldade para, em tempos de pandemia, lidar com a questão da avaliação. Determina esta mentalidade que as avaliações devem continuar, mesmo neste caos pandêmico, pois qualquer outra forma seria apoiar a implementação da “promoção automática”. A fé nas avaliações padronizadas é difícil de ser aplacada. É […]

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Luiz Carlos de Freitas | 29/10/2020 às 9:26 AM | Tags: Pandemia, política com evidência, Reformadores empresariais, Resistência, Revisões NEPC | Categorias: Ideb, Links para pesquisas, MEC sob Bolsonaro, Pastor Milton no MEC, Responsabilização/accountability, SAEB, Saresp, Segregação/exclusão | URL: https://wp.me/p2YYSH-7vo

 

Pandemia dá chance ao Brasil para reavivar seu sistema educacional, diz diretor da OCDE

JC Notícias, 27/10/2020

Para Andreas Schleicher, sociedade enxergou nova face da escola e deve cobrar seu fortalecimento

Ainda que a suspensão das aulas presenciais por causa do novo coronavírus tenha impacto negativo na educação, Andreas Schleicher, uma das maiores autoridades em avaliação do ensino do mundo, diz acreditar que a pandemia pode ter trazido uma nova chance ao país.

Para o diretor de educação da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), depois de um período de acomodação com os resultados educacionais, o Brasil tem a oportunidade de reavivar os investimentos e políticas para a área.

“Com a pandemia, as famílias enxergaram uma face das escolas que muitas vezes ficava escondida: seu papel social, emocional. Acredito que isso possa resultar em um ambiente mais colaborativo entre escola e famílias e, consequentemente, em uma maior cobrança dos pais por melhorias na educação”, disse à Folha.

Veja o texto na íntegra: Folha de S. Paulo

O Grupo Folha não autoriza a reprodução do seu conteúdo na íntegra. No entanto, é possível fazer um cadastro rápido que dá direito a um determinado número de acessos.

 

A relação entre o avaliador e o avaliado: territórios de poder?

Por: Erisevelton Silva Lima (Professor e gestor escolar na SEEDF, formador credenciado pela ENFAM, Doutor em Educação pela Universidade de Brasília-UnB)[1]

A avaliação e o clima que se instaura em torno dela sempre foram alvos de críticas e receios quase sempre naturalizados por aqueles que avaliam. Enquanto isso, do outro lado da mesa, os sujeitos avaliados ficam expostos, indefesos e muitas vezes oprimidos por causa da relação verticalizada de poder demarcadora daquele instante e dos seus efeitos. Freitas (2009) nos lembra que a avaliação abre ou fecha portas, isso parece simples e natural, mas não é. O que evoco para esta discussão diz respeito à postura do avaliador que a meu ver será, sempre, uma questão ética (nem mais, nem menos). Por causa disso, trago para nossa reflexão a linha tênue que separa o sentido de autoridade da prática do autoritarismo quando o assunto é o poder que está implícito no ato de avaliar.

 Ao enfrentarmos o conceito estruturalista do poder trazido por Foucault (2008), nem minimizamos nem ampliamos os efeitos do que produz a avaliação. O professor e o aluno só o são na escola e nas suas dependências, onde as atividades são, quase sempre, demarcadas por datas, prazos e outros penduricalhos institucionais. A vida e seu cotidiano não só invertem os papéis, como destituem-nos deles; na verdade, inauguram outros nem sempre adornados pelo efeito do direito, da norma ou da regra. Mesmo assim, encarar a avaliação, seu uso e suas intencionalidades pode reverberar nas nossas maiores inquietudes no campo relacional da escola e das suas teias sutis quando o assunto é fazer obedecer. Atualmente, avaliar o avaliador ainda é terreno complexo e comprometedor sobre o qual paixões e disputas parecem não ter fim. Se a avaliação não pode ser um fim em si mesma, isto deveria valer para os sujeitos que avaliam, normalmente representados por chefes, professores ou alguma forma de autoridade, concordam?

A bem da verdade, ninguém coloca uma roupa nova e bonita e aguarda felicíssimo o momento de uma suposta avaliação, pode ser que após o resultado o faça, do contrário parece mais um rito de dor e sofrimento do qual não se pode fugir, caso queira transpor um estado ou condição. As mitologias nos trazem inúmeros exemplos do que pode acontecer com quem não corresponde ao desejo do avaliador ou perguntador, qual seja: decifra-me ou te devoro. As lógicas que invadem essa relação são inequívocas, representam poder e o uso que se pode fazer dele. A reprovação, em nosso caso, por mais “lógica” que seja, é a esfinge da vez e da hora. Não vamos discutir sua validade, apenas consideremos sua existência e o poder que dela emana. Arendt (2010), por exemplo, lembra-nos que a violência se converte numa estratégia ou metodologia que visa a garantia do domínio. E a escola, via de regra, usa de tal artefato para assegurar seus fins, se eles são bons ou ruins o tempo testemunhará. A esta altura alguns podem perguntar-me: poderia ser diferente? Poderia ser menos sofrida esta relação?

A resposta é sim, pode e deve ser diferente e menos sofrida. O avaliado não precisa ser exposto, o tratamento formal e informal que dispensamos pode e deve ser respeitoso. Os instrumentos não podem conter erros e armadilhas, as reais intenções e interesses dessa avaliação devem ser pautadas pela ética e pelo humanismo. Mesmo quando a avaliação se destina a selecionar pessoas para um cargo ou emprego, não precisa depreciar, diminuir ou expor os avaliados. Conduzir processos avaliativos de maneira acolhedora e transparente ajuda, inclusive, na aceitação dos resultados, quando nos sentimos injustiçados quanto à forma, dificilmente aceitaremos os resultados. Van Yperen (1998), em um estudo com profissionais da área de saúde, constatou que quanto mais baixos forem os níveis de informação e equidade dispensados aos sujeitos, maiores serão as incidências de estresse e exaustão emocional, seja no trabalho ou numa relação de poder, como ocorre com a avaliação. Por fim, o território, como bem definiu Santos (1996), não se impõe ou define pela materialidade de uma gleba ou cerca que o institui, são as relações simbólicas e as práticas materiais que legitimam certas apropriações. No caso da avaliação ou do uso que dela se faz, pode reificar os sujeitos transformando o campo do saber e do poder em “terrenos” áridos e instransponíveis. Se a escola existe para garantir as aprendizagens de todos, estaria o uso dos processos avaliativos na contramão da função social da escola? Respondam-me vocês.

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. Sobre a Violência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

FREITAS, Luiz Carlos de (et al). Avaliação Educacional: caminhando pela contramão. Vozes, 2009.

FOUCAULT, Michel. Micro Física do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 2008.

VAN YPEREN, N. W. (1998). Informational support, equity and burnout: The moderating effect of self-efficacy. Journal of Occupational and Organizational Psychology71, 29-33. 


[1] Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal – SEEDF, Escola Nacional de Aperfeiçoamento e Formação de Magistrados – ENFAM

 

Letramento em avaliação na formação inicial de professores – O lugar da avaliação nas licenciaturas

Helder Gomes

O conceito de letramento em avaliação é bastante atual e importante para a formação de professores nos diferentes cursos de licenciatura. Considerando que a avaliação é uma prática social, faz todo sentido falar sobre letramento em avaliação. A palavra letramento nesse sentido vai além da habilidade de leitura e escrita, é o uso efetivo dessas habilidades para atender as exigências sociais (KIRSCH e JUNGEBLUT 1990). De acordo com Soares (2017), o vocábulo letramento é de uso recente na educação e nas ciências linguísticas. Seu uso, segundo a autora, tem inicio na década de 80.

A palavra letramento utilizada no Brasil é uma tradução da palavra inglesa literacy, já na literatura no português de Portugal que trata sobre o termo, principalmente na área da educação, utiliza-se o termo literacia. De acordo com Soares (2017), a palavra letramento foi utilizada em língua portuguesa primeiramente por Mary Kato no ano de 1986, mas foi em 1988 que Leda Verdiani Tfouni introduziu a palavra no campo da educação por meio de seu livro “adultos não alfabetizados: o avesso do avesso”.

 Na contemporaneidade, o termo letramento tem sido utilizado em vários contextos como, por exemplo, letramento digital ou tecnológico, letramento científico, letramento em avaliação, letramento crítico entre outros. Trata-se de um conceito expandido que se refere não só à aplicação na prática cotidiana dos conhecimentos sobre determinada área ou campo, mas traz também a questão da conscientização. (SCARAMUCCI, 2016)

 Para exemplificar, podemos afirmar que nos dias atuais falamos mais do que nunca sobre letramento digital ou tecnológico de estudantes e professores. A pandemia do novo coronavírus trouxe uma nova realidade em todos os campos da vida humana. Na educação, a alta incidência do ensino remoto trouxe a necessidade imediata de apoderação, por parte dos estudantes e dos professores, de saberes para a utilização de recursos digitais, plataformas entre outros, além de vocabulário, conceitos e características próprias desse contexto. Nesse momento, podemos dizer que, durante a pandemia, professores e alunos estão cada vez mais letrados digitalmente. 

Trazendo para o campo da avaliação, podemos dizer que ser letrado em avaliação é desenvolver saberes sobre a natureza e premissas da avaliação, além de suas funções e finalidades, e conseguir contextualizar esses saberes nas práticas cotidianas avaliativas. Inbar-Lourie (2008) traz o entendimento de que o letramento em avaliação requer uma visão holística, integrada, contextualizada e dinâmica da avaliação. Embora tenha tratado do letramento em avaliação no contexto de línguas, sua definição de letramento em avaliação pode ser transportada para outras áreas do conhecimento.

A clareza sobre o conceito de letramento em avaliação é um primeiro passo importante na formação de professores, mas, para o entendimento desse conceito, é necessário falar sobre avaliação nos cursos de formação de professores. O fomento às discussões sobre avaliação propicia um maior letramento dos docentes.  Quanto mais se discute sobre avaliação na formação inicial de professores, quanto mais se reflete sobre esse tema, mais possibilidade de letramento. Por sua vez, professores mais letrados são capazes de produzir melhores instrumentos avaliativos, possuem mais clareza sobre o porquê da avaliação e suas consequências sociais.

Na sociedade brasileira ainda há pouco letramento em avaliação, o que acarreta posturas e sentimentos como o medo ou pavor de ser avaliado de um lado e de outro a avaliação como um momento de acerto de contas, o que são deturpações do ato que verdadeiramente é avaliar. Professores letrados em avaliação podem mudar esse quadro, por meio de práticas conscientes que não sejam punitivas, ameaçadoras, constrangedoras e excludentes. Stiggins (2004) afirma que a mudança do papel da avaliação está relacionada com a função social da escola e destaca ainda que a avaliação formativa é o caminho para a superação da avaliação excludente.

 Dessa forma, é preciso que o letramento em avaliação do professor leve em consideração a avaliação formativa, pois esse tipo de avaliação é inclusivo, diagnóstico, integrado ao trabalho pedagógico e tem como foco as aprendizagens. De acordo com Villas boas (2002), a avaliação formativa é aquela que se insere no trabalho pedagógico e que visa à aprendizagem de todos os alunos. Infelizmente, a avaliação formativa, componente caro e essencial para o letramento em avaliação docente, ainda não é uma realidade nas graduações/licenciaturas. Há pelo menos duas décadas, Perrenoud (1999) afirmou que a formação de professores trata muito pouco sobre avaliação e menos ainda sobre avaliação formativa.

 Essa mesma afirmação pode ser repetida hoje. Formamos pouco para a avaliação e menos ainda para a avaliação formativa. Podemos acrescentar que as avaliações praticadas nos cursos de licenciatura também deveriam ser formativa, seria uma maneira de os estudantes vivenciarem essa prática na formação inicial de forma concreta, certamente propiciaria uma materialização do conceito e da concepção de avaliação formativa.

O professor letrado pode letrar pais e estudantes esclarecendo os processos avaliativos e envolvendo todos na avaliação, deixando de ser esta de domínio exclusivo do professor. É importante salientar que todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem podem e devem ser letrados em avaliação, considerando as diferentes necessidades. Essa idéia em que todos participam da avaliação e são, portanto, avaliados e avaliam guarda semelha com os princípios da avaliação formativa.

Segundo Stiggins (1991), existem níveis diferentes de letramento em avaliação considerando os sujeitos envolvidos nos processos avaliativos. Dessa forma, o letramento em avaliação do docente difere-se do letramento em avaliação dos pais e estudantes. Nesse sentido, faz parte do letramento em avaliação do professor a capacidade de adaptar a linguagem e dosar a terminologia ao tratar de avaliação com pais e estudantes.

Mas, o que é preciso para o letramento em avaliação do professor em formação que vai atuar na educação básica?

Stiggins (1991) propõe três ações para que o letramento em avaliação alcance os diferentes atores (pais, estudantes, professores, gestores). São elas: 1. Compreensão aprofundada do significado de ser letrado em avaliação; 2. Diferenciação sobre níveis de letramento; 3. Cursos específicos que tratem sobre letramento em avaliação. A terceira ação proposta por Stiggins precisa ser incorporada pelos cursos de formação de professores nas universidades brasileiras a fim de minimizar as lacunas ou até mesmo a ausência de letramento em avaliação dos professores que saem das universidades e ingressam na vida profissional.

Se quisermos mudanças no cenário educacional de nosso país, precisamos investir no letramento em avaliação dos professores, uma vez que a avaliação tem grande potencial para provocar modificações no ensino. Segundo Scaramucci (1997), na avaliação reside grande parte dos problemas do ensino, mas também na avaliação está grande parte das soluções. Dessa forma, para tentar resolver ou melhorar a avaliação, é preciso conhecê-la e refletir sobre sua importância e impactos.

Os docentes necessitam precisamente definir com clareza o conceito de avaliação para não cair nas armadilhas, confusões ou mitos, conforme nomeia Hoffman (2017a), que envolvem a avaliação. Esses equívocos estão presentes quando avaliar é sinônimo de medida ou de aplicação de prova, ou ainda avaliar é meramente um mecanismo burocrático e definidor de quem é aprovado ou reprovado, ou seja, para não ser enredado por esses equívocos, é preciso compreender bem as questões teóricas, práticas, políticas e sociais da avaliação.

É preciso ainda que o futuro professor reflita sobre a quem interessa a avaliação classificatória, punitiva e excludente. Faz-se necessária a compreensão de que junto com essa avaliação há uma visão de educação e sociedade que precisa ser vista e entendida pelo professor. Nesse sentido, o processo de letramento em avaliação do docente precisa levá-lo a refletir sobre como construir e utilizar instrumentos avaliativos, bem como analisar os dados produzidos por esses instrumentos e deve capacitá-lo a agir tomando decisões em direção às aprendizagens dos estudantes, consciente de seu papel.

 Para isso, é urgente que, nas licenciaturas, superemos a lógica de deixar a avaliação para o fim da fila, a última etapa, quase sempre desvinculada da organização do trabalho pedagógico. Nos estágios obrigatórios dos cursos de licenciatura, quase sempre, fala-se da aula, dos objetivos, dos recursos, mas a avaliação fica por último e tão mal colocada na maratona do “planejar aulas” que quase sempre nem se fala dela. Essa lógica precisa ser alterada. Qualquer planejamento escolar deve incluir a avaliação. Os futuros docentes precisam aprender a pensar na avaliação no primeiro momento do ato de planejar.

Ao pensar em mudanças, é preciso refletir sobre velhas práticas avaliativas que são executadas mesmo em momentos novos. Em meio à maior crise sanitária que assola a escola neste século, a grande preocupação está no produto. Isso é evidente na discussão em torno da famigerada dicotomia aprovar/reprovar. Nesse momento, a escola deveria estar construindo um grande pacto em prol da aprendizagem, imbuída na criação de mecanismos, inclusive avaliativos, para que no momento em que houver condições de realização de um trabalho escolar pleno, as aprendizagens não sejam negligenciadas, aceleradas ou “niveladas”.

Dessa forma, é necessário que seja trazido para discussão com os docentes em formação, não somente neste momento crítico, mas permanentemente, que na avaliação escolar a obsessão pelo resultado não pode obscurecer a importância do processo (FICHER, 2010).

Faz parte do letramento em avaliação do professor a compreensão dos diferentes níveis de avaliação. Segundo Freitas (2009), os níveis de avaliação são três: Avaliação da Aprendizagem, Avaliação Institucional e Avaliação de Redes ou Sistemas de Ensino. Assim, os professores letrados precisam estar capacitados para reconhecer e diferenciar uma avaliação de processo de uma avaliação de produto, ou ainda as características de uma avaliação para a aprendizagem e de uma avaliação de larga escala, ou ainda de um exame de entrada ou seleção.

Embora alguns pontos muito relevantes sobre conhecimentos técnicos da área de avaliação tenham sido levantados neste texto, o letramento em avaliação do professor não pode estar revestido apenas da dimensão técnica, principalmente porque estamos falando de avaliar pessoas, e a dimensão humana é essencial. Não se trata de não abordar as questões técnicas inerentes à avaliação na formação de professores, apenas se faz necessário esclarecer que não é preciso que os cursos de licenciatura aprofundem em uma formação voltada para a docimologia.

  É preciso salientar que o professor, no contexto escolar, pode dominar muitas técnicas e métodos avaliativos e pode também preparar instrumentos de avaliação impecáveis, porém, se esses instrumentos não estiverem a serviço da aprendizagem, de nada adianta. De acordo com Black e Wilian (2010, p. 88) “a avaliação, como ocorre nas escolas, está longe de um problema meramente técnico. Pelo contrário, é profundamente social e pessoal”

A esse respeito, Saul (1995), em uma perspectiva emancipatória da avaliação, alerta sobre a influência positivista norte-americana nas práticas de avaliação no cenário brasileiro. Contrário a essa idéia exacerbadamente técnica da avaliação, precisamos entender que quem avalia precisa conhecer o avaliado, precisa respeitar suas características individuais.

 É necessário internalizar as sábias palavras de Luckesi (2007) em que afirma que a avaliação é um ato amoroso, corroborado por Hoffman (2017b), que afirma que a avaliação precisa ser encorajadora. A sensibilidade para o incentivo e o acolhimento vão além das técnicas e métodos de avaliação. Essa percepção do outro nos processos avaliativos é mais um aspecto que necessita ser desenvolvido como um componente do letramento em avaliação dos futuros professores.

É sabido que nenhuma formação inicial conseguirá abarcar todos os aspectos profissionais do estudante em formação. No que refere à avaliação, não é possível e nem deve ser o objetivo esgotar o tema. Porém é fundamental que os licenciados deixem a universidade dotados da capacidade de compreender, refletir e debater sobre avaliação e que prossigam com essa postura profissional reflexiva em sua formação continuada, desenvolvendo-se com a discussão com seus pares, teorizando a experiência prática do trabalho pedagógico, além da participação em cursos de formação que tratem sobre temáticas relacionadas à avaliação.  Essa postura é que vai permitir o avanço em seu nível de letramento em avaliação, aprimorando e expandido o processo iniciado na formação inicial.

Precisamos mais que nunca discutir com os professores em formação que, embora grande parte de suas vidas e de suas experiências escolares tenha sido marcada pela presença de provas nas avaliações, existe vida após as provas e é possível inclusive avaliar sem elas e contribuir mais efetivamente para a aprendizagem dos estudantes e, parafraseando Hadji (2001), é preciso que os professores deem provas de coragem para que a avaliação seja, de fato, formativa. Coragem necessária para superar ou desconstruir modelos e práticas de avaliação que servem a outros interesses que não a aprendizagem.

Na formação inicial de professores temos um momento ímpar para contrastar práticas de avaliação, evocando a consciência dos docentes em formação para que não apenas reproduzam avaliações que foram praticadas com eles e que estão em suas memórias, mas que tenham uma postura crítica e inquietante frente às práticas avaliativas, podendo implementar mudanças e aprimoramentos.

Nesse sentido, o letramento em avaliação pode ser um grande impulsionador das mudanças nas práticas docentes tanto no que se refere ao ensino como à avaliação, porque os dois elementos estão em união.  Por isso a necessidade de se abordar avaliação nas licenciaturas, não como um apêndice, mas como uma disciplina ou um laboratório com carga horária compatível com a importância e complexidade que o tema requer.

Por ser algo relativamente novo, complexo e abrangente, o letramento em avaliação no contexto de formação inicial ainda necessita ser mais debatido, a fim de tentar delimitar o que é essencial para o letramento em avaliação do professor em formação inicial. Assim, para início das ações, é preciso de antemão garantir o espaço específico e efetivo para que a avaliação seja tratada nos cursos de licenciatura.

 É importante destacar que essa formação precisa ficar nas mãos de professores da área de avaliação. Uma vez garantidos o espaço e os docentes habilitados, podemos ampliar os estudos e prioridades do letramento em avaliação do professor em formação inicial nos cursos de licenciatura.

Referências:

BLACK, P. e WILIAN,D. Inside the black box: raising standarsds through classroom assessment. Phi Delta Kappan, Vol. 80, nº 02, 2010.

FISCHER, B.T.D. Avaliação da aprendizagem: a obsessão pelo resultado pode obscurecer a importância do processo. In: Werle; F.O.C. (org.). Avaliação em larga escala. Oikos, Liber, Brasilia -DF, 2010.

FREITAS, L. C. et al. Avaliação educacional: caminhando pela contramão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

HADJI, C. Avaliação desmistificada. Porto Alegre, Artmed, 2001.

HOFFMANN, J. Avaliação: mito e desafio: uma perspectiva construtivista. 45. ed. rev. Porto Alegre: Mediação, 2017a.

___________. Avaliar para promover. As setas do caminho. Porto Alegre, Mediação, 16ª edição, 2017b.

INBAR-LOURIE, O. Language assessment culture. In E. SHOHAMY; N. HORNBERGER (Eds.). Encyclopedia of language and education: Language testing and assessment. v. 7, New York, NY: Springer, 2008. p. 285–300.

KIRSCH, I., GUTHRIE, J.T. The concept and measurement of functional literacy. Reading Research Quarterly ,v. 13,n.4, 1997-1978

LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 18. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2006.

PERRENOUD, Philippe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens: entre duas lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999

SAUL, A. M. Avaliação emancipatória: desafios à teoria e à prática de avaliação e reformulação de currículo. 3.ed. São Paulo: Cortez, 1995.

SCARAMUCCI, Matilde Virgínia Ricardi. Letramento em avaliação (em contexto de línguas): contribuições para a linguística aplicada, educação e sociedade. In: JORDÃO, Clarissa Menezes (Org.) A linguística aplicada no Brasil: rumos e passagens. Campinas, SP: Pontes Editores, 2016. p. 141-165.

___________, Avaliação: mecanismo propulsor de mudanças no ensino/aprendizagem de língua estrangeira. Contexturas, v. 4, p. 115-124, 1998.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 3ª edição, Belo Horizonte, Autêntica editora, 2017.

STIGGINS, Rick. Assessment literacy. Phi Delta Kappan, v.72, p. 534-539, 1991.

STIGGINS, Rick. New assessment beliefs for a new school mission. Phi Delta Kappan, v. 86, n. 1, p. 22-27. 2004.

VILLAS BOAS, B.M.de F. Construindo a avaliação formativa em uma escola de educação infantil e fundamental. In: VILLAS BOAS, B.M.de F. (org.). Avaliação políticas e práticas. Campinas, SP: Papirus, 2002.

 

Nem voltar agora, nem se acomodar: a escola precisa se redescobrir para mudar

Erisevelton Silva Lima

Erisevelton Silva Lima é Pedagogo, Mestre e Doutor em Educação (UnB), atua em gestão de escola de educação básica no DF. Professor da SEDF. Pesquisador (GEPA) e formador na área de avaliação e organização do trabalho pedagógico.

              O modelo escolar vigente traz consigo elementos políticos, ideológicos e da logística inaugurada no século XVIII, quando a estrutura fabril inculcou em nossas vidas um módus operandi forte e quase imutável. Não é por acaso que as comparações com a fábrica, com o presídio e com o sanatório continuam em vigor, mesmo com a “inovação” de fazermos aulas por meio da internet.

            Se resgatarmos as formas mais e menos centralizadoras de ensinar ratificadas, no caso brasileiro, pelas legislações educacionais, a essência do saber/memória (Lei n. 4.024/61), do fazer/tecnicista (Lei n. 5.692/71) e do saber/ser (Lei n. 9.394/96) titubeiam em meio ao núcleo duro da escola, que insiste em tentar separar quem ensina de quem aprende. Com a tsunami viral do Covid19, estamos diante da inevitável necessidade de mudança para continuarmos existindo. A educação escolar pública viu ruir, sem devaneios,  as crenças e os mitos alimentados nessa última década, ou seja, nem todos possuem Internet, nem todos sabem lidar com ensino remoto e, muito menos, com a Educação a Distância (EaD) e para concluir, nem todos possuem um smartphone ou computador. E quando possuem, não raramente, a quantidade de equipamentos não atende toda a família em seus horários pertinentes.

            Nossos antecessores como Comênius, Piaget e Freire dariam risadas ao estilo Monalisa para nossa estupefata novela pedagógica que já tem tons e roteiros mexicanos. A mesma que insiste em obter resultados diferentes fazendo sempre as mesmas coisas (Einstein sempre presente). Para piorar, o rei está nu e faz gestos obscenos, além do que Alice descobriu que o Gato era o verdadeiro educador, não dava respostas, fazia excelentes perguntas. Por outro lado, Henri Wallon e Vigotsky gargalhariam com nossa falta de consciência de que sem afeto e sem o outro não conseguimos sequer nos comunicar, quanto mais aprender.

            A boa nova, mesmo sem a vacina, é que o darwinismo pedagógico é possível, isso não quer dizer com ausência de algum sofrimento. O pacto pela qualidade negociada defendido por Ana Bondioli esmurrou as portas dos governantes e sindicados para criarmos outras formas de cooperação e financiamento, até porque a tal da responsabilização em nosso país sempre pendeu para o lado do mais fraco e, nesse caso, para professores, escolas e famílias de baixa renda. O que temos pela frente? O que pode tornar nossas aulas e nossas escolas melhores? Quem faz o quê?

            Para início das respostas (perdoem a ousadia), temos todos que assumir nossas fragilidades conceituais e metodológicas, sem esquecer nosso medo/pânico de sermos avaliados. Em seguida, devemos abrir ou reabrir o diálogo com a sociedade para elegermos, juntos, novos indicadores de qualidade (sem vitimismo e sem rotular culpados). O protagonismo dos nossos estudantes em todas as faixas etárias é fundamental.  Enquanto isso, sindicatos, governos e profissionais da educação precisam buscar suas representações políticas para que pactuemos metas e estratégias viáveis para todas as redes de ensino. Por último, cabe lembrar que esse percurso deve transcorrer sem armadilhas jurídicas e dilatações de prazos que não ajudarão em nada o momento atual e o vindouro.

            Enfim, aprendi que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB ou quaisquer outros índices de nada servirão se não forem para tornar nossas escolas bonitas, confortáveis, seguras, bem equipadas e nossos docentes e gestores bem formados. E, claro, se faltar Internet e equipamentos para fazerem fluir o projeto político-pedagógico e a organização curricular, todos os esforços podem cair por terra (estamos no século XXI).

            Nas primeiras aulas de Pedagogia entendi que nem todos os problemas educacionais são pedagógicos, já disseram. Por causa disso insistirei em lembrar que escola não se faz, somente, com doações e boa vontade. É fato que uma coisa não prescinde da outra, mas chega de tratar a educação como gasto, ela é o mais sensato dos investimentos, o Brasil pouco aprendeu sobre isso. Ainda há tempo! Estamos vivos!

 

Dever de casa, avaliação e pandemia: reflexões

Enílvia R. Morato Soares

            No início desta década, quando assumi o compromisso de pesquisar o dever de casa no contexto da avaliação das aprendizagens, jamais imaginei que, 10 anos depois, uma crise sanitária mundial reforçaria como nunca a necessidade de reflexões sobre a temática. Isso porque a quarentena imposta a estudantes e professores em função da pandemia aproximou como nunca o par dialético dever de casa/avaliação.

            Diferentes lives que tratam da avaliação no ensino remoto contam com depoimentos de professores preocupados com a veracidade das informações avaliadas, uma vez que estão sendo realizadas longe de sua supervisão. Isso significa que a maior parte das atividades de aula hoje é de deveres de casa.

            Essa realidade me trouxe à tona preocupações expressas pela principal interlocutora de minha pesquisa, uma professora que à época atuava no 3º ano do ensino do ensino fundamental. Em uma de suas declarações, essa docente admitiu não dar muito valor às tarefas realizadas pelos estudantes em casa em função da desconfiança que tinha em relação à autoria das respostas às questões propostas. Ela assim se posicionou:

O dever de casa não é muito verídico, porque ele [o aluno] não estava na minha presença e eu não sei se ele fez só. Algumas tarefas eu mando: “Eu quero que faça sozinho”. Eu procuro trabalhar sempre essa questão da honestidade. Eu sempre pergunto: “Fez sozinho? Precisou de ajuda?” Algumas crianças, eu vejo que elas fazem sozinha sempre. Tem vez que eu identifico letra diferente… na tarefa deles.

Depoimentos de alguns pais colaboradores da pesquisa indicaram que as dúvidas da professora não eram infundadas. A maioria deles admitiu não consentir que os filhos levassem, para a escola, o dever de casa com erros ou incompleto. Esse contexto acabava influenciando o trabalho pedagógico desenvolvido pela professora, uma vez que o dever de casa continuava sendo utilizado diariamente sem, no entanto, contribuir para indicar aprendizagens conquistadas e ainda não conquistadas, a fim de que medidas fossem adotadas para que todos progredissem. Em outras palavras, o dever de casa não era parte de um processo avaliativo formativo, constituindo, em grande medida, uma perda de tempo.

Não se pode negar o valor da observação sistemática do desempenho dos estudantes para que a avaliação se desenvolva numa perspectiva formativa. Não há como negar também que a proximidade física entre professor e estudantes favorece sobremaneira o olhar atento do observador. No entanto, avaliar com o propósito de promover aprendizagens agrega princípios que não desconsideram a possibilidade de que, mesmo distantes, professores, estudantes e familiares se utilizem das tarefas realizadas em casa e sem o acompanhamento do professor para avaliar visando conquistar continuamente novas aprendizagens.

A ética é um desses princípios. Avaliar com ética pressupõe o compromisso político de promover aprendizagens. Isso implica respeito aos estudantes e às produções que apresentam, bem como aos seus familiares, num movimento que envolve diálogo e efetiva participação de todos. Um contrato didático construído coletivamente é parte desse processo e acordos referentes à avaliação e às tarefas realizadas fora da escola devem ser parte dele. Nesse cenário, não cabem atitudes de hierarquização, marginalização ou punição de estudantes. Assim conduzida, a avaliação se pauta por relações solidárias que visam o bem comum.  A desconfiança perde, assim, a razão de existir.

Para que tal realidade se estabeleça, faz-se necessária a superação de entendimentos ainda bastante presentes em nosso meio, que vinculam a avalição a resultado e não a processo. A ideia de que os estudantes precisam, ao final de uma determinada quantidade de estudos, comprovar que aprenderam e que essa comprovação é individual e desprovida do uso de qualquer recurso, além de seu próprio raciocínio e/ou sua memória, induz a comportamentos que visam burlar a vigilância que professores exercem sobre os estudantes a fim de evitar tais atitudes. A famosa “cola” é uma dessas formas que reforçam concepções que tomam a avaliação como meio de controle e fiscalização.  

Compreender a avaliação como aliada e não como um risco pode contribuir para dissipar dúvidas quanto à sinceridade dos estudantes e de seus familiares na feitura das tarefas realizadas sem o acompanhamento do professor. Em tempos de ensino remoto essa necessidade se acentua.

 

Não é hora de aprovar nem de reprovar estudantes

Benigna Villas Boas

A Circular n.º 240/2020 – SEE/SUBEB,  de 12 de setembro de 2020, da Subsecretaria de Educação Básica, da Secretaria de Educação do DF, trata da reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da pandemia da Covid-19.

A referida circular determina que os/as estudantes que não frequentaram as aulas nos 20 dias letivos presenciais, não acessaram a plataforma ou outros meios, nem foram atendidos por meio de materiais impressos, a partir do dia 13/7/2020, tenham como resultado final registrado no Diário de Classe “Reprovado/Não Apto (NA)”. Isso significa que esses(as) estudantes não estarão aptos a progredir para a etapa/segmento/ semestre/módulo seguinte.

Os (as) estudantes que frequentaram os dias letivos presenciais ou acessaram a plataforma ou outros meios ou que foram atendidos por meio de materiais impressos, a partir do dia 13/7/2020, independentemente do número de dias ou acessos/vezes, terão como resultado final, registrado no Diário de Classe, “Aprovado/Apto (A)”, ou seja, estarão aptos a progredir para a etapa/segmento/semestre/módulo seguinte.

A circular orienta, ainda, que a organização do trabalho pedagógico no semestre seguinte leve em conta a “progressão continuada das aprendizagens”, ou seja, o “planejamento das atividades terá como prática inicial os conhecimentos prévios e os objetivos de aprendizagens alcançados por cada estudante.

A Secretaria de Educação esquece que ela mesma, por meio de suas diretrizes, assumiu o desenvolvimento da avaliação formativa em suas escolas, com vistas à construção das aprendizagens por todos os estudantes. Nesse momento único que estamos vivendo, não cabe aprovar nem reprovar estudantes. Não cabe rotular nem classificar. Não sabemos quando as escolas voltarão a desenvolver o trabalho tal como vinham fazendo. Por isso, não cabe tomar decisões precipitadas. Os documentos de registro escolar podem esperar.

Os estudantes e suas famílias estão fragilizados e precisam de apoio. Não estão em condições de receber vereditos. Cuidemos das aprendizagens possíveis de serem construídas, sem instalar mais angústias e apreensões. Cabe à escola ser educadora e não, destruidora. A avaliação tem uma história de opressão. Não deixemos que esse sentimento tome conta dos estudantes e seus pais/responsáveis.

A escola terá de reorganizar seu trabalho quando voltar a receber todos os estudantes. Antes disso, toda decisão será prematura e angustiante. Esqueçamos a burocracia.

Saibamos tirar lições da pandemia que assola o mundo e o Brasil.