Webinar com Domingos Fernandes, organizado pelo Instituto Ânima

Como avaliar a aprendizagem dos estudantes em ambiente on-line? Uma reflexão para além da avaliação

Elisângela T. Gomes Dias

O professor Domingos Manuel Barros Fernandes, em participação na webinar organizada pelo Instituto Ânima e realizada em oito de maio de 2020, entende que não há diferenças significativas entre a avaliação praticada no dia-dia, no ensino presencial, com a avaliação on-line realizada nas aulas remotas, durante o período de isolamento social. O que está emergindo nesse momento acerca do papel da avaliação, em que fizemos um giro de 180º para termos condições de dar continuidade ao processo pedagógico, é o que vem sendo discutido e sinalizado pelas pesquisas científicas nas últimas décadas. “Temos que distinguir claramente a avaliação da classificação. Avaliar é um processo eminentemente pedagógico e vinculado à aprendizagem, enquanto a classificação é um algoritmo”, frisou o professor. Reivindicamos uma outra visão do ensino e práticas avaliativas integrativas e que alimentem a ação didática; uma avaliação a serviço da aprendizagem, enfatizou o professor. Avalia-se para planejar, orientar e retroalimentar o trabalho pedagógico. Além disso, de certa maneira, os estudantes constroem suas concepções sobre o que é importante ou não aprender a partir da forma como o professor avalia, dadas as consequências geradas por essa ação.

Em Portugal, está havendo um esforço muito grande para que ninguém fique para trás, especialmente em função do suporte dos professores, que têm um papel insubstituível. A tecnologia, segundo relato de Domingos Fernandes, não é a questão central. Está sendo bem acessível aos estudantes portugueses. O desafio são as mudanças metodológicas, pois não podemos simplesmente transpor o formato das aulas presenciais para as aulas a distância. Temos que explorar nossa imaginação, nossa criatividade. Então, é necessário pensar sobre o que e como as crianças e os jovens devem aprender nessas circunstâncias. A nossa opção pedagógica é a principal questão. Queremos que os estudantes participem mais ativamente? Que recursos estão à nossa disposição e são adequados? O que podemos propor? Há estratégias fantásticas de que o professor pode lançar mão.

Na visão de Fernandes, “essa pode ser uma oportunidade única para termos uma visão mais cosmopolita do ensino. Mesmo confinados, podemos abrir a janela e as portas da nossa imaginação”. Aprendizagem entre pares e a mediação com signos e instrumentos antes não explorados podem ser um diferencial. Lembremos que Vigotski, por exemplo, desde o século passado, defendia tais práticas. A aprendizagem deve impulsionar o desenvolvimento, explorando as funções psicológicas superiores a partir do que é essencial e não periférico.

O mundo exige o trabalho colaborativo, por que então o individualismo é tão valorizado pela escola? Nessa lógica, a preocupação de muitos docentes neste momento passa a ser com a possibilidade de “cola”, o que só reforça a velha cultura de estudar para a prova, gerando muitas vezes angústia. Ora, o mais importante é planejar que tipo de atividades estão sendo propostas. Certamente aquelas que não oportunizam o processo de reflexão e a integração de conhecimentos, mas valorizam aspectos meramente memorísticos, propiciam essa conduta.

Ressaltamos ainda o feedback contínuo e diferenciado durante o ensino remoto ou a distância e a necessidade da autoavaliação. Para tanto, é preciso que o professor tenha critérios bem definidos, transparentes e organizados de forma participativa. Por meio do que Domingos Fernandes chama de “rubricas” (descritores de desempenho) da avaliação, três aspectos devem ser observados: 1) os estudantes devem saber o que irão aprender e como se dará esse processo; 2) em que situações se encontram em relação a essas aprendizagens; 3) que esforços terão que fazer para atingir o que está sendo proposto. Essas rubricas são facilmente conduzidas por meio de diversas ferramentas e são fundamentais para a autoavaliação, compreendida como um processo cognitivo, conforme explicou o professor. Não se trata de o estudante dizer “eu acho que mereço essa ou aquela nota”, mas de fazer uma reflexão a partir do que foi pactuado, entre o desejado e o realizado.

A partir dessa discussão e considerando a educação brasileira, há vários aspectos que podemos destacar. Entre eles, destaca-se que a falta de investimento na educação pública, o que incide não apenas em infraestrutura, mas na valorização do magistério e na formação docente, torna-se latente na atual crise sanitária que levou o país a decretar estado de calamidade pública. Com efeito, milhares de estudantes brasileiros estão totalmente desassistidos ou com condições precárias. Algumas poucas escolas e docentes estão se reinventando e alcançando seus estudantes, inclusive em regiões periféricas. Mas, em geral, temos observado tentativas amadoras e pouco efetivas. Podemos citar o que está sendo organizado até o momento pela Secretaria de Educação do Distrito Federal, com tele aulas gravadas, por vezes de forma caseira, e disponibilizada em canal de TV sem nenhuma interatividade entre professores e estudantes, tampouco atreladas ao currículo da escola e ao devido acompanhamento pedagógico. E a defesa para esse contexto de ensino remoto desarticulado não se justifica com o argumento “importante é a iniciativa de se fazer alguma coisa”. Educação não pode ser negligenciada, mesmo diante de uma situação tão adversa como essa.

Por outro lado, as escolas particulares se mobilizaram, buscaram alternativas e estão prosseguindo com as atividades. O problema é que muitas delas, preocupadas com a “prestação de serviço” e com o foco no cumprimento do conteúdo, desconsideram vários aspectos e submetem crianças e jovens a uma carga horária excessiva e que poderá trazer consequências danosas para saúde física e mental. Há vários relatos de sobrecarga e aumento da ansiedade, tanto de docentes quanto de discentes, além da negligência no atendimento das necessidades educacionais especiais. A maior parte dos estudantes com deficiências está totalmente marginalizada. Aulas remotas estão sendo ofertadas até mesmo para crianças da educação infantil, do maternal e da pré-escola, o que gera uma série de questionamentos. Essa temática ganhou inclusive destaque no chat e será objeto de outra webinar, sendo mesmo objeto de uma outra análise.

Alertamos que as atividades remotas não podem substituir integralmente as presenciais, mesmo que o período de isolamento social seja prorrogado. É preciso pensar, como reiterou Domingo Fernandes: o que é mais importante que crianças, adolescentes, jovens e adultos aprendam? O que é verdadeiramente fundamental ensinar? Quais as tarefas que os levam a pensar e são relevantes para o desenvolvimento dos processos mais elaborados do pensamento? Todas as páginas dos livros precisam ser preenchidas? Se a resposta à última questão for sim, esse atual formato, em especial, contribuirá muito mais para o aumento da ansiedade do que para a aprendizagem efetiva dos estudantes. Isso significa que o ensino ainda não conseguiu romper com a educação tradicional.

A implementação de ações díspares, sem a mediação direta de professores e com famílias sem condições de acessibilidade e de suporte ao processo educativo de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos não conseguirá oportunizar ensino de qualidade. É urgente a necessidade de maior investimento na educação e valorização do magistério. O que seria da humanidade sem o avanço da ciência?

Enquanto isso, o Ministério da Educação suprime verbas de pesquisa e anuncia que a avaliação do Sistema de Educação Básica passará a ser anual e censitária, na falsa lógica de que medir é gerar qualidade, o que aumentará absurdamente o gasto com testes em larga escala. Uma contradição que vem sendo denunciada por vários educadores e associações de estudos e pesquisas educacionais.

Por fim, reiteramos que, em tempos de crise como a que estamos passando, a maior preocupação da escola seja pelo desenvolvimento integral de seus educandos, o que exige a organização do trabalho pedagógico sem desconsiderar o contexto vigente, as singularidades dos estudantes, as diferenças sociais e culturais. Que possamos reaprender a ensinar, pois certamente os estudantes de hoje não são os mesmos do século passado, assim como será a humanidade pós-pandemia.

Referência:

Como avaliar a aprendizagem dos estudantes em ambiente on-line? Webinar no Canal do Youtube do Instituto Ânima. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=y0wm9HSYX5o>. Acesso em 8 maio de 2020.

 

Retorno às aulas presenciais: a importância da retomada da avaliação

Por Benigna Villas Boas

Thomas R. Guskey, professor emérito da Universidade de Kentucky, nos Estados Unidos, publica um texto na Education Week do dia 06/07/2020 em que anuncia um debate “quente”, no atual momento da pandemia e quando as escolas reabrirem: será o caso de os professores retomarem a avaliação que vinha sendo desenvolvida nas aulas remotas?

As considerações de Guskey não se restringem à situação de pandemia. Referem-se ao trabalho pedagógico da escola em qualquer época.

Vejamos como o autor se posiciona. Os simpatizantes da ideia, diz ele, argumentam que, principalmente no caso do retorno às aulas presenciais, a possibilidade de a avaliação ter continuidade e não simplesmente ser ignorado o que foi feito anteriormente, seguindo outro rumo, reduz a ansiedade dos estudantes e lhes permite demonstrar com mais profundidade o que estão aprendendo. Já os seus críticos entendem que esse processo diminui a motivação dos estudantes e os encoraja a adotar pobres hábitos de estudo, que os tornarão mal preparados para os cursos de nível superior e para o mundo do trabalho.  

Recorrendo a Bloom e colegas, Guskey nos brinda com uma brilhante análise do tema, afirmando que poucos proponentes ou críticos dessa ideia sabem que ela pode ser compreendida a partir dos estudos realizados por Benjamin Bloom nos anos 1960. Este pesquisador observou que os recursos avaliativos utilizados por muitos professores, ao final de uma unidade, servem principalmente para confirmar para quais estudantes as atividades foram apropriadas ou não. Contudo, se esses recursos forem usados como parte do processo instrucional para oferecer feedback aos estudantes, tornam-se poderosas ferramentas de aprendizagem. Bloom denominou esse processo de avaliação formativa (BLOOM, 1968; BLOOM, HASTINGS and MADAUS, 1971). Esta posição de Bloom reforça nosso entendimento de avaliação como aprendizagem.   

A avaliação sozinha pouco faz para promover as aprendizagens. O que importa é o que acontece depois dela, completa Guskey: como os estudantes e professores usam seus resultados. Importante observar que o autor se refere a professores e estudantes, como requer a avaliação formativa, e não somente a professores.  

Bloom enfatiza que, para atender às necessidades detectadas, a avaliação formativa deve incluir instrução de alta qualidade. Esse processo inicial de atendimento às necessidades identificadas é conduzido na turma, sob a orientação do professor. Não se trata de atividades opcionais a serem realizadas pelos estudantes isoladamente, em forma de deveres de casa ou de sessões especiais de estudo após as aulas. Percebe-se, assim, como Bloom é exigente com a avaliação formativa.

Enquanto o professor trabalha com os estudantes que ainda não desenvolveram as aprendizagens requeridas, os que demonstraram estar em dia se engajam em tarefas de enriquecimento. Em lugar de seguirem adiante, aprofundam seus conhecimentos, completa Guskey.

Os estudantes que passam por atividades de intervenção, como hoje as denominamos, vivenciam o sucesso, de primordial importância em seu percurso escolar. Esta é a avaliação formativa em ação.

Guskey conclui seu texto afirmando que a questão “devem os estudantes receber uma segunda chance?” deve ser substituída por “Como podemos usar a avaliação para promover as aprendizagens?”  Se incentivamos o sucesso desde o início do processo de avaliação, muito provavelmente realizaremos o sonho de Bloom de termos todos os estudantes aprendendo.

O trabalho realizado durante as aulas remotas terá de ser articulado ao das aulas presenciais, quando estas forem retomadas. O que está acontecendo ou aconteceu nas primeiras não será arquivado. A avaliação formativa é que favorece essa conexão. O prosseguimento do trabalho será assegurado pela avaliação diagnóstica, parte integrante da avaliação formativa, de modo a se identificarem as possíveis necessidades de intervenção pedagógica, para que todos vivenciem o sucesso. Será um recurso para que esse tempo sombrio da pandemia tenha suas marcas minimizadas.

Referências

Bloom, B. S. (1968). Learning for mastery. Evaluation Comment (UCLA-CSEIP), 1(2), 1-12.

Bloom, B. S., Hastings, J. T., & Madaus, G. F. (1971). Handbook on formative and summative evaluation of student learning. New York, NY: McGraw-Hill.

 

Ebook “Diálogos Críticos – Vol. 2 – Reformas Educacionais: avanço ou precarização da educação pública? “

Prefácio – Luiz Carlos de Freitas

A pedagogia das competências na BNCC e na proposta da BNC de formação de professores: a grande cartada para uma adaptação massiva da educação à ideologia do capital – Átila de Menezes Lima e Ivânia Paula Freitas de Souza Sena

Política Nacional de Educação: o embate de projetos na educação do campo – Celi Nelza Zulke Taffarel e Erika Suruagy Assis de Figueiredo

Relações entre a BNCC, as questões extraescolares e a educação de nível médio no Marajó – Cleide Carvalho de Matos; Manuelle Espindola dos Reis e Natamias Lopes de Lima

Do SAEB à BNCC: padronizar para avaliar – Eliana da Silva Felipe

A (de)Formação de Professores na Base Nacional Comum Curricular – Kátia Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva

A BNC de formação e as DCN’s dos profissionais do Magistério e seus respectivos Projetos de Brasil – Maria Elizabeth Souza Gonçalves

BNCC e BNCF: padronização para o controle político da docência, do conhecimento e da afirmação das identidades – Salomão Antônio Mufarrej Hage; Leila Maria Camargo; Raimunda Kelly Gomes e Arthane Menezes Figueirêdo

Baixe aqui.

 

POSICIONAMENTO DO GEPA QUANTO À VALIDAÇÃO DE AULAS REMOTAS COMO DIAS LETIVOS

A Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal validará o ensino remoto emergencial a partir do dia 13 de julho de 2020

A Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF) anunciou que o DF retomará o calendário letivo de 2020 a partir do dia 13/07/2020, por meio do ensino remoto emergencial. Para terem acesso às aulas, os estudantes precisarão se cadastrar na plataforma Escola em Casa, para acessarem asala de aula virtual que opera por meio do Google Sala de Aula. Para aqueles que não possuem acesso à internet, uma parceria da TV Justiça com o Governo do Distrito Federal (GDF) levará o conteúdo até a casa dos estudantes pela televisão, em quatro canais diferentes, e no canal @Educadf disponível no Youtube.

As atividades pedagógicas de ensino remoto emergencial, síncronas ou assíncronas, serão consideradas como efetivo trabalho escolar e a carga horária trabalhada será utilizada para a substituição de carga horária presencial. Esta decisão converge com o estabelecido no parecer do Conselho Nacional de Educação nº 5/2020 e no Parecer do Conselho de Educação do DF, nº 33/2020, que conferem autonomia aos sistemas de ensino para ajustar suas organizações pedagógica, administrativa e calendário escolar, abrindo possibilidade para que as atividades não presenciais sejam computadas para fins de cumprimento de dias letivos.

É preciso registrar que, desde o início do isolamento social, medida adotada para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional, decorrente do novo Coronavírus responsável pelo surto de 2019 – COVID-19, professores de escolas públicas e privadas têm interagido com estudantes e suas famílias em busca de maneiras de darem prosseguimento aos trabalhos escolares. Há relatos exitosos, mostrando a capacidade dos professores de se reinventarem, restabelecendo a fundamental parceria entre escola e família. Por outro lado, há depoimentos de professores e estudantes que ficaram totalmente desassistidos, por diferentes razões.

 A Subsecretaria de Educação Básica, da SEDF, está encarregada de readequar o currículo em movimento para o ano letivo de 2020, em todos os componentes curriculares e anos/séries, visando garantir a articulação entre as ferramentas pedagógicas disponibilizadas – plataforma, teleaulas e material impresso. Compete aos professores a elaboração de atividades pedagógicas não presenciais, tanto para disponibilizá-las nas salas de aula virtuais, quanto para usá-las como material impresso destinado aos estudantes que não tiverem acesso às aulas. A frequência escolar será computada por meio da entrega, aos estudantes, das atividades on-line ou impressas. Reforça-se a necessidade de trabalho colaborativo e o efetivo acompanhamento das Regionais de Ensino.

Há ainda a orientação de que “as atividades a serem entregues até o fim de cada bimestre/semestre, para efeitos de verificação de frequência e de avaliação para as aprendizagens, deverão ter caráter interdisciplinar, apresentar dinâmicas desafiadoras e partir das práticas sociais dos estudantes” (Plano de Gestão Estratégica para a Realização das Atividades Pedagógicas Não Presenciais da Rede Pública de Ensino, p. 15). Para isso, a Subsecretaria de Formação Continuada dos Profissionais da Educação (EAPE) promoveu, durante as duas semanas que antecederam o início do calendário de aulas remotas, a formação de professores e outros profissionais da educação para desenvolverem as aulas remotas. Mais de vinte mil professores foram atendidos em diferentes cursos: GSuit (ferramentas do google para a educação), Produção de Material Didático e Moodle on-line.

Todo esse esforço é válido, porém, conseguirá se estender, com a mesma qualidade, a todos os estudantes matriculados na rede pública de ensino? Certamente, não! Portanto, se a educaçãoé direito de todos, qualquer medida de segregação não pode ser aceita. Validar dias letivos, desconsiderando os milhares de estudantes que não conseguirão acompanhar as aulas remotas ou as atividades impressas, sendo, portanto, excluídos, é uma iniciativa descabida.

O que revelam as pesquisas?

Os números da Pesquisa TIC Kids Online Brasil, sobre o uso da Internet por crianças e adolescentes no Brasil, realizada em 2018, revelam que, entre crianças e adolescentes de 9 a 17 anos, 66% não se conectam à Internet em ambientes privados, seja na própria residência ou na residência de amigos e familiares. Além disso, esse número atinge 82% dos/as estudantes na zona rural, 70% entre os das classes D e E; 67% entre os da classe C e 58% entre os das classes A e B.

As pesquisas do PNAD (2018) indicam outros dados relevantes e que precisam ser considerados, especialmente quando se defende o ensino a distância ou mesmo remoto, em caráter emergencial. Entre eles, destacamos: 17,3% das crianças de 0 a 14 anos moram em residências que não têm acesso à rede geral de abastecimento de água e 40,8%, em locais sem conexão com o sistema de esgoto. Nas casas em que não há internet, as condições de saneamento são ainda piores: 29,3% sem rede de água e 60% sem esgoto. A Pnad mostraainda, que 15,1% das residências abrigam seis ou mais pessoas e, em 40%, há mais de três moradores por dormitório. Os computadores portáteis continuam concentrados nas famílias mais ricas: na classe A, 90% têm notebook e 49%, tablet. Nas camadas D e E, os índices são de 3% e 4%, respectivamente. As diferenças, portanto, são assustadoras.

Ademais, uma pesquisa do Instituto Península, realizada entre os dias 13 de abril e 14 de maio de 2020, entrevistou 7.734 docentes de todo o país e concluiu que 83% deles ainda se sentem despreparados para ensinar a distância.

De acordo com o Blog da Boitempo, “mais da metade dos estudantes da rede básica do estado de São Paulo, dentre os 3 milhões e meio de matriculados, nunca acessou e nem deu login no sistema de aulas online montado para a continuidade pedagógica durante a pandemia. A muitos deles faltam tecnologia e infraestrutura mais básica do que conexão e aparelhos eletrônicos, como saneamento básico, alimentação e o mínimo necessário para sobreviver a uma crise sanitária”. Se essa é a realidade da maior cidade do Brasil, a situação é ainda pior em cidades e municípios das regiões Norte e do Nordeste.

Recente pesquisa realizada pelo Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF) indica números estarrecedores para a capital do Brasil: 26,27% dos 460 mil estudantes da rede pública de ensino do DF não têm condições materiais de assistirem e participarem de nenhum tipo de Educação a Distância (EaD). Isso significa que a adoção de EaD ou aulas remotas, neste período de pandemia, excluirá da educação mais de 25% dos estudantes.

Posicionamento do GEPA

Levando em conta as considerações anteriormente apresentadas, o Grupo de Pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico – GEPA –  se posiciona contrariamente ao cômputo das atividades remotas na recomposição do calendário letivo, ao mesmo tempo em que se mantém firme na defesa da educação pública de qualidade social e contra qualquer iniciativa que conduza a desigualdades de acesso às aprendizagens.

Compreender a organização do trabalho pedagógico no ensino remoto, proposto por diferentes sistemas e redes de ensino, nos remete a pensar sobre a relação intrínseca entre objetivos e avaliação. Ambos atuam em conjunto. A avaliação fornece elementos para iniciar o trabalho pedagógico, para garantir sua continuidade ou sua reorganização em atendimento aos objetivos previamente estabelecidos e outros surgidos enquanto ele se concretiza.

No caso do ensino remoto em desenvolvimento nas escolas públicas do DF, interessa-nos saber qual é a real finalidade do processo avaliativo: contribuir para a construção das aprendizagens ou comprovar a não aprendizagem, já que os que não puderem acompanhar o trabalho remoto não terão direito às aprendizagens?  

A realização de atividades sem a devida mediação pedagógica e acompanhamento sistemático de professores pode ser um recurso utilizado na tentativa de diminuir os impactos da pandemia. Entretanto, a validação dessas atividades como dia letivo potencializará a exclusão dos estudantes sem condições de acompanharem as aulas remotas, o que aumentará as desigualdades educacionais. Além disso, ampliará as possibilidades de avaliação informal negativa. Sem condições de mediar o ensino, pais e familiares podem reforçar avaliações desencorajadoras, contribuindo para um clima tenso e desanimador para os filhos/estudantes.    

O ensino remoto, na presente situação, corre o risco de não atender a um dos princípios básicos do trabalho pedagógico: a salutar relação pedagógica que se estabelece entre os estudantes e entre estes e os professores. A falta de interação empobrece o ensino e a avaliação. Perpetua-se a velha lógica:  conteúdo dado, conteúdo cumprido.

A máxima que vem sendo difundida: “a escola precisa se reinventar” ou “o professor/a precisa se reinventar” precisa ser vista com cautela. Estamos em período de crise sanitária. Não vamos usar esse momento para banalizar ou simplificar o trabalho escolar.

Portanto, não há pontos e contrapontos. Temos um país com imenso abismo social e um pobre investimento em educação. Neste momento de enormes sacrifícios, precisamos de ter cuidado com a cultura do “oportunismo”. Não precisamos de Estado mínimo! Ao contrário, queremos mais ações sociais e um Estado que consiga de fato alcançar quem mais necessita. As escolas não precisam de pacotes tecnológicos, mas de recursos, valorização da carreira docente e gestão pública comprometida com a construção de uma educação de qualidade social.

O que pode ser feito? Pensando em alternativas

Diante da situação de calamidade pública que vivemos, o GEPA entende que o número de dias letivos só pode ser considerado a partir do retorno às atividades presenciais, o que exigirá a integração dos anos letivos de 2020 e 2021.

E como fazer com os estudantes do 3º ano do Ensino Médio, os concluintes da Educação de Jovens e Adultos e os da Educação Profissional? Excepcionalmente, para estes grupos, a SEDF poderá complementar o ensino remoto emergencial com atividades síncronas e interativas, desde que providencie as devidas condições de acesso para todos.

E as demais etapas e modalidades da educação básica? Terão a reposição de forma gradativa. Para isso, indicamos que a organização curricular seja revista. Um “currículo de transição” (SILVA, 2020) organizado pelo coletivo escolar, considerando as especificidades de cada escola, reúne chances de que sua implementação se dê de maneira exitosa. Propostas integradoras e interdisciplinares são muito bem-vindas. Há tempo defendemos que o “ensino em caixinhas”, com foco no conteúdo, tem que ser superado. Não seria esse o momento de tornar real esse propósito?

E como ficam os professores nesse período? Várias iniciativas podem ser incentivadas, assim como o efetivo e contínuo investimento na sua formação, mas sem torná-la obrigatória nem usá-la como dia letivo.

Escolas e professores podem estabelecer contato com estudantes e famílias para apoiar esse momento tão singular que estamos vivendo. Atividades podem ser realizadas e mediadas quando possível, com o uso de diferentes recursos. Tudo isso por meio de um planejamento cuidadoso e de muita atenção à saúde mental de crianças, jovens e adultos, não aumentando a ansiedade e a pressão propondo excesso de atividades.

Por último, recomendamos que, neste momento de enfrentamento da pandemia do coronavírus, não seja esquecida a autonomia pedagógica das escolas e dos seus docentes e que as ações das equipes gestoras sejam sempre respaldadas pela participação de professores, estudantes e seus pais/responsáveis.

Referências: 

BLOG DA BOITEMPO. O trabalho de educar numa sociedade sem futuro.Disponível em < https://blogdaboitempo.com.br/2020/06/05/o-trabalho-de-educar-numa-sociedade-sem-futuro/ > Acesso em 05 de junho de 2020.

CARLA, Maria. Mais de 120 mil estudantes da escola pública do DF não conseguem acessar a EaD. SINPRO-DF, 2020. Disponível em:  https://www.sinprodf.org.br/mais-de-100-mil-estudantes-da-escola-publica-do-df-nao-conseguem-ter-acesso-a-ead/>. Acesso em 01 de junho de 2020.

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO – CNE. Parecer nº 5, de 28 de abril de 2020. DOU. 28/04/2020. Categoria: Especial Coronavírus.

GDF. SEEDF. Plano de Validação das Atividades Pedagógicas não presenciais. Brasília, 2020. Disponível em: <http://www.se.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2020/06/Plano_de_Validacao_das_Atividades_Pedagogicas_nao_Presenciais_versão final.pdf>. Acesso em 15 de junho de 2020.

SILVA, Francisco Thiago. Currículo de Transição: uma saída para a educação pós pandemia. Revista EDUCAmazônia – Educação Sociedade e Meio Ambiente, Humaitá. Ano 13, Vol XXV, Núm 1, Jan-Jun, 2020, pág. 70-77.

TENENTE, Luiza. 30% dos domicílios no Brasil não têm acesso à internet; veja números que mostram dificuldades no ensino a distância. G1, 26/05/2020. Disponível em: <

https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/05/26/66percent-dos-brasileiros-de-9-a-17-anos-nao-acessam-a-internet-em-ca sa-veja-numeros-que-mostram-dificuldades-no-ensino-a-distancia.ghtml>. Acesso em 26 de maio de 2020.

 

Nota técnica sobre o trabalho em plataformas virtuais

“Nota Técnica para a atuação do Ministério Público do Trabalho na defesa da saúde e demais direitos fundamentais de professoras e professores quanto ao trabalho por meio de plataformas virtuais e/ou em home office durante o período da pandemia da doença infecciosa COVID-19.”

Baixe a NOTA TÉCNICA – GT COVID 19 – 11/2020 aqui.

 

Contribuições do GEPA sobre o processo avaliativo durante a pandemia

Contribuições do GEPA – Grupo de Pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico –  sobre o processo avaliativo durante a pandemia

A avaliação é o componente do trabalho pedagógico presente em todas as situações de aprendizagem. Ela fornece elementos para iniciá-lo, para garantir sua continuidade ou sua reorganização, em atendimento aos objetivos traçados, em função de novos objetivos surgidos durante o processo. Avaliação e objetivos estão sempre entrelaçados.

Todas as decisões do trabalho pedagógico são tomadas com o auxílio da avaliação. Daí sua essencialidade. Não estamos falando da que classifica, por meio de notas e de rótulos impostos aos estudantes e que se interessa apenas pela aprovação e reprovação. Ocupamo-nos da que se compromete com as aprendizagens de todos os estudantes, isto é, da avaliação formativa. Esta é a avaliação para as aprendizagens e não somente das aprendizagens. A palavra “para” indica o movimento característico da avaliação, em busca de avanços. Já a palavra “aprendizagens”, no plural, sinaliza que todas as situações a que os estudantes se expõem, em todos os ambientes escolares, constituem aprendizagem e não somente as decorrentes dos conteúdos curriculares. Se aprendemos em diferentes situações, o mesmo acontece com a avaliação.

O Brasil é um país imenso e com muitas desigualdades sociais. Quando o coronavírus se espalhou entre nós, o ano letivo, que mal havia se iniciado, foi interrompido. A partir de então, um grupo de estudantes passou a desenvolver atividades online e outro não, por motivos vários, dentre eles a falta de condições de escolas de se organizarem para esse formato pedagógico e a inexistência de ferramentas tecnológicas pelas famílias. Como se pode perceber, as desigualdades educacionais serão ampliadas em função desse problema sanitário que estamos enfrentando.

Um outro fator de desigualdade poderá ser acrescido se usarmos online o velho e rançoso processo avaliativo, com foco em provas e notas. Se ainda não conseguimos praticar a avaliação em benefício das aprendizagens de todos os estudantes quando com eles interagimos pessoalmente, essa dificuldade poderá ser maior quando trabalhamos remotamente. Será impossível desenvolvermos a avaliação formativa em aulas remotas?

Se não nos é possível olhar o estudante, admirar suas manifestações corporais, tão necessárias para estabelecermos relacionamento seguro e necessário, enfim, se não nos é possível observá-lo, como de costume, podemos criar atividades que nos forneçam informações úteis. Por exemplo: diários de aula, reflexões, cartas, desenhos, histórias, análises, projetos, propostas em geral, sempre de acordo com sua idade, o tema da atividade e interesse. Essas aulas poderão ser documentadas pelos estudantes, de várias formas. Será uma oportunidade valiosa para o desenvolvimento da escrita e o aprofundamento de aprendizagens impulsionadas pelo período da quarentena. Mas, calma! O professor não terá de ler e analisar as produções dos estudantes para dar nota. Esta figura punitiva da avaliação não deverá ser usada. Se a nota for realmente necessária, como infelizmente é, deixemos para resolver isso quando houver o retorno às aulas. Quem sabe a experiência com a pandemia não nos inspira para construirmos o processo avaliativo condizente com a formação dos estudantes para a participação, responsabilidade e autoria?

E provas serão necessárias? Também não. Os estudantes poderão “provar” que estão aprendendo por outros meios, como os acima sugeridos. Se estamos vivendo uma situação excepcional e tentando dar continuidade ao trabalho escolar, por que não reinventarmos o processo avaliativo? Por que não inserirmos os estudantes e seus pais/responsáveis na construção da avaliação que faça sentido para todos?       

 

Sobrecarga de atividades atinge alunos e docentes e expõe lacunas do ensino remotoJC

JC Notícias – 22/06/2020

21. Sobrecarga de atividades atinge alunos e docentes e expõe lacunas do ensino remoto

  • Dificuldades de acesso e adaptação das avaliações criaram cenário de incerteza na rede pública de SP

Passados quase dois meses desde o início das aulas a distância para alunos da rede pública de ensino de São Paulo, estudantes afirmam estarem sobrecarregados com as atividades enviadas pelos professores. Muitos demonstram falta de motivação para seguir os estudos devido às incertezas provocadas pela pandemia do novo coronavírus.

A situação dos docentes não é diferente. O distanciamento do ambiente escolar exige dos professores mais tempo para o preparo das aulas e atividades, correções e, sobretudo, para atendimento aos estudantes por meios eletrônicos.

Veja o texto na íntegra: Folha de S. Paulo

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Nota técnica

Nota Técnica assinada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA-CE), pelo Grupo de Pesquisa “Direito à Educação, Políticas Educacionais e Escola” da Universidade Federal do ABC e pela Rede Escola Pública e Universidade (REPU) cobra ações democráticas

O documento apresenta informações e dados que devem ser considerados pelos gestores educacionais e solicitados às redes de ensino para o controle social das suas ações durante e após o período de isolamento, com vistas a garantir o direito humano à educação.

O documento orienta para que sejam consideradas as seguintes questões:  

Como foi reorganizado o calendário escolar? O que foi priorizado nessa decisão?

Como se deu a participação das comunidades escolares nas tomadas de decisão relacionadas à reorganização do calendário e à reposição das atividades presenciais?

Como as ações da rede de ensino (planos de ação, orientações, normas editadas) foram publicizadas para as comunidades escolares e o Conselho de Educação local?

Que parcerias foram coordenadas com outras secretarias de governo e entes federativos para organizar o trabalho durante e após o período de isolamento?

Foram feitas alterações em Regimentos Escolares ou Projetos Político-Pedagógicos? Essas mudanças foram deliberadas pelos Conselhos Escolares? Houve redimensionamento de expectativas e objetivos expressos nos currículos oficiais? Houve mudanças nos calendários das avaliações? Como isso foi debatido na rede de ensino?

Que providências foram tomadas pelas escolas para minimizar os impactos da medida sanitária de isolamento a estudantes e suas famílias?

Que atividades foram desenvolvidas no período de isolamento e qual o caráter dessas atividades: complementares ou para fins de cumprimento da carga horária obrigatória?

De que forma a rede garantiu as interações entre professores e estudantes e também entre as equipes escolares?

Atividades não presenciais:

Que meios ou processos foram adotados para a realização de atividades não presenciais na rede de ensino? Como estudantes e famílias acessaram as atividades?

Foram produzidos materiais didáticos novos? Como foram avaliados? Quem participou dos processos de produção e avaliação?

Que ferramentas de comunicação (aplicativos, plataformas, TVs e rádios públicas, etc.) foram adotadas para essas atividades? Elas são de desenvolvimento próprio? Se não, quem são os desenvolvedores/fornecedores?

Quantos estudantes e educadores da rede possuem acesso a tablets, smartphones ou computadores, bem como à conectividade necessária para a realização das atividades? Houve distribuição de equipamentos eletrônicos (notebooks, tablets) a estudantes e educadores da rede? Quantos e quais foram distribuídos, por unidade educacional?

Ações para o retorno às atividades presenciais:

Como foram definidos os critérios para a eventual validação de atividades não presenciais como atividades letivas oficiais na rede de ensino? Quem participou do processo decisório?

Quais os critérios para o registro da participação dos estudantes nas atividades não presenciais?

Como tem sido a inspeção das redes de ensino, tanto do ponto de vista da estrutura física quanto dos recursos humanos, a fim de atender os seus pedidos de validação de carga horária?

Qual o papel das escolas na elaboração de planos de reposição de atividades?